O Estado de S. Paulo
Navegar nessa arena internacional será o grande desafio da diplomacia dos EUA
Acompanhando a eleição turca, fiquei
impressionado ao escutar uma das mais graduadas autoridades do país, o ministro
do Interior, Suleyman Soylu, discursando para a multidão de uma varanda.
Exultante, ele prometeu que o presidente Recep Tayyip Erdogan “varrerá qualquer
um que causar problemas” para a Turquia, “incluindo o Exército americano”.
Anteriormente, Soylu disse que indivíduos
“perseguindo uma abordagem pró-EUA serão considerados traidores”. Tenha em
mente que a Turquia é membro da Otan, com bases americanas, há 70 anos.
O próprio Erdogan usa com frequência e
estridência a retórica anti-Ocidente. Uma semana antes do primeiro turno, ele
tuitou que seu rival “não revelará o que prometeu para os terroristas matadores
de bebês ou para os países ocidentais”.
Erdogan pode ser um dos representantes mais extremos dessa atitude, mas não está só. Conforme muitos comentaristas têm notado, a maior parte da população mundial não está alinhada com o Ocidente em sua luta contra a invasão da Ucrânia ordenada por Vladimir Putin. E a guerra em si apenas ressaltou um fenômeno mais amplo: os mais poderosos países em desenvolvimento estão cada vez mais anti-Ocidente e anti-EUA.
LULA. Quando o Brasil elegeu Luiz Inácio
Lula da Silva, no ano passado, muitos suspiraram aliviados ao ver o populista
Jair Bolsonaro ser substituído por uma figura conhecida e tradicional da
esquerda. Em poucos meses no cargo, contudo, Lula escolheu criticar o Ocidente,
vociferar contra a hegemonia do dólar e afirmar que Rússia e Ucrânia são
igualmente culpadas pela guerra.
Esta semana, Lula recebeu o presidente da
Venezuela, Nicolás Maduro, cujo reinado brutal expulsou milhões de habitantes
de seu país. Lula rasgou elogios ao ditador e criticou Washington por negar a
legitimidade de Maduro e impor sanções contra seu regime.
O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa,
tinha reputação de ser moderado, pragmático e amigável aos negócios, com laços com
o Ocidente. Mas, sob seu governo, a África do Sul pendeu mais para a órbita de
Rússia e China. Seu governo não condenou a invasão russa, participa com as
Marinhas de Rússia e China de exercícios navais e é acusado pelos EUA de
fornecer armas para os russos – os sul-africanos negam.
E há a Índia, que deixou claro desde o
início da guerra que não tem intenção de se opor à Rússia, que segue sua
principal fornecedora de armamentos avançados. As declarações de Nova Délhi
sobre seu desejo de manter um equilíbrio entre Ocidente e Rússia têm sido tão
numerosas que Ashley Tellis, estudioso das relações EUA-Índia, escreveu um
ensaio alertando Washington a não acreditar que a Índia ficaria do lado
americano em qualquer crise com Pequim.
O que está acontecendo? Por que os EUA
enfrentam tantos problemas com os países em desenvolvimento? Essas atitudes têm
raiz em um fenômeno que eu descrevi em 2008 como “a ascensão do resto”.
Nas últimas duas décadas, houve uma enorme
mudança no sistema internacional. Países populosos, mas pobres, saltaram das
margens para a arena central. Antes representando uma fatia ínfima da economia
global, os “mercados emergentes” agora constituem metade de seu total. Seria
justo afirmar que eles emergiram.
Conforme se tornaram fortes economicamente,
estáveis politicamente e orgulhosos de suas culturas, também se tornaram mais
nacionalistas, e seu nacionalismo é definido em oposição a países que dominam o
sistema internacional – leia-se o Ocidente. Muitas dessas nações foram
colonizadas por países ocidentais e têm uma aversão instintiva a esforços
ocidentais em vinculá-los a alguma aliança ou grupo.
Refletindo sobre esse fenômeno, a
especialista em Rússia Fiona Hill nota que o outro fator nessa desconfiança é
que esses países não acreditam em Washington quando ouvem os americanos
defendendo um sistema internacional com base em regras.
Esses países consideram os EUA, segundo
Hill, “arrogantes” e “hipócritas”. Washington aplica as regras sobre os outros,
mas as quebra com intervenções militares e sanções unilaterais. Os americanos
insistem que os outros se abram ao comércio, mas violam esses princípios quando
bem entendem.
O novo mundo não é caracterizado pelo
declínio dos EUA, mas pela ascensão dos demais países
MUDANÇA. Este é o novo mundo. Não caracterizado
pelo declínio dos EUA, “mas pela ascensão dos demais”. Vastas regiões do
planeta que figuravam antes apenas como peões no tabuleiro de xadrez passaram a
ser jogadores importantes e pretendem escolher seus próprios movimentos, com
frequência em função de seu interesse. Eles não serão facilmente intimidados ou
seduzidos. Terão de ser persuadidos. Navegar nessa arena é o grande desafio da
diplomacia americana. Washington está à altura da tarefa?
É colunista do Washington Post
Um comentário:
Eu sou de esquerda,mas não tenho nada contra os Estados Unidos.
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