No Brasil, o Governo Lula está desafiado a garantir e ampliar a
democracia brasileira, em uma outra perspectiva frente à nossa difícil
realidade política, econômica, social e ambiental e às mudanças em andamento no
cenário internacional, onde a guerra Rússia-Ucrânia com a participação efetiva
da OTAN e dos EUA, traduz a complexidade do mundo em que vivemos, com um maior
protagonismo do mundo oriental, tendo a China como a expressão maior desse
complexo cenário internacional.
Os conflitos e as contradições econômicas, sociais e ambientais gerados ao longo da história da sociedade brasileira permanecem como resultado das relações predatórias e desiguais entre os diversos atores políticos, econômicos e sociais que ainda determinam o funcionamento da sociedade brasileira e as relações estabelecidas desta sociedade entre sí, com a sociedade mundial e a própria natureza.
O processo de urbanização acelerada, a partir dos anos 70 do
século passado, agravou as questões relacionadas à segurança pública, mobilidade,
saneamento básico, moradia, educação e saúde, chamando a atenção para os graves
problemas a serem enfrentados pela sociedade brasileira e atualmente. São
alarmantes os custos econômicos, sociais e ambientais deste modelo de desenvolvimento
insustentável. Nos últimos anos, ampliou-se o nível de degradação e
desmatamento da Amazônia, dos Cerrados e do Pantanal, tendo atingido
diretamente as comunidades indígenas e os povos das florestas. A pandemia
desnudou as nossas mazelas e tristes realidades: a anunciada tragédia Ianomani
é a mais perfeita tradução do descaso dos governantes, caso explícito do Governo
Bolsonaro, com a Amazônia e as suas comunidades ancestrais.
Assim, o Brasil, no século XX, fez uma modernização conservadora, excludente. Avançou tecnologicamente em algumas áreas, a exemplo da indústria de petróleo e gás, alcoolquímica, biomassa, aviação, armas e equipamentos militares, agricultura e pecuária. Por outro lado, como na Colônia, continua exportador de recursos naturais e produtos de baixo valor agregado, em larga escala: minérios de ferro, produtos agropecuários, alumínio, papel e celulose, soja e carnes, com consumo gigantesco de água e energia incorporado nesses processos produtivos. Ainda, nos últimos anos, agravou-se esta situação, com a diminuição do setor industrial na participação do PIB brasileiro.
Governo Lula e os desafios da sustentabilidade
Neste cenário internacional de ameaças e oportunidades, o Brasil
pela sua dimensão territorial, pelas riquezas naturais, base técnica e
científica que construiu, aliado ao ativismo da sociedade civil e à cultura
diplomática construída historicamente, tem jogado um papel relevante na
discussão de uma sustentabilidade planetária, desde a RIO+92, nos fóruns
internacionais, particularmente na ONU.
O Governo Lula está desafiado a voltar a ter este protagonismo
internacional, perdido pelo Governo Bolsonaro. Portanto, coloca-se a
necessidade de um diálogo permanente entre as forças políticas, econômicas e
sociais nacionais e internacionais, incorporando,
efetivamente, o caráter de urgência destas mudanças a favor da sustentabilidade
brasileira e planetária a serem realizadas com o apoio e a participação efetiva
da ONU, do FMI, do Banco Mundial, da OMC, da OIT, do MERCOSUL , Parlamento da Amazônia, BRICs,
entre outras organizações multilaterais, em diálogo com a comunidade científica
para se trabalhar políticas de cooperação internacional de maneira integrada,
que avancem para a sustentabilidade mundial, continental e nacional, frente às urgências colocadas pelas
mudanças climáticas e a realidade econômica, social e ambiental da humanidade e
do Brasil.
No Brasil, os avanços a favor da sustentabilidade, regra geral,
são reativos. Acontecem em função da pressão da sociedade em relação a
determinados programas e projetos governamentais e da iniciativa privada,
causadores de grandes impactos sociais e ambientais, com reflexos negativos na
qualidade de vida das populações.
A construção da Agenda 21 no Brasil, por exemplo, que se prolongou
durante dez anos, foi entregue oficialmente a ONU em 2012, na Conferência de
Joanesburgo. Desde então, não houve e não há uma estratégia de implementação dessa
Agenda a nível nacional, nem regional, de uma maneira integrada entre os entes
da Federação e a Sociedade em geral. Os compromissos assumidos pelo governo
brasileiro com a ONU e com a própria sociedade não estão em pauta e muito menos
incorporados ao processo de construção e implementação das políticas públicas
brasileiras. Falta sintonia, diálogo permanente, consensos entre os diversos
atores políticos, econômicos e sociais para a implementação dessa Agenda. Uma
descontinuidade política e administrativa preocupante. Como acontece, via de
regra, com a administração pública brasileira em geral.
A constituição de 1988, avançou na área social e ambiental.
Declara categoricamente no capítulo VI que todos têm o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, sendo responsabilidade do poder público e da sociedade o
dever de defender e preservar para as atuais e futuras gerações.
Assim, na últimas décadas, foram criadas as condições para a
construção de políticas públicas, que incorporem de maneira sistêmica as
questões econômicas, sociais e ambientais, fundamentos para a construção de uma
de sociedade sustentável no Brasil.
No entanto, a realidade é muito mais complexa. No Brasil, desde os
anos de 1970 do século passado, os grandes programas e projetos de
infraestrutura construídos não incorporam a questão ambiental e social como
valores estratégicos. Via de regra, criam maneiras e artifícios para o não
cumprimento da legislação, acarretando, muitas vezes, em graves acidentes e
impactos sociais e ambientais. Os acidentes ambientais na área de mineração, a
exemplo da tragédia do rompimento de barragens em Minas Gerais, como o
envenenamento das águas no território Ianomami são a mais perfeita tradução da
nossa incapacidade de construção e implementação de políticas publicas, que
venham a atender às expectativas básicas da sociedade e de preservação do meio
ambiente brasileiro.
A questão da água, dos rios, dos aqüíferos, do oceano atlântico,
das florestas, particularmente a Amazônia e de todo o patrimônio natural
brasileiro, cada vez mais, são valores estratégicos para o Brasil, devendo ter
uma atenção especial do Governo Lula e de toda a sociedade brasileira.
O rio Amazonas e o rio São Francisco, entre outros, clamam por
políticas de gestão de bacia adequadas – a experiência do Comitê do São Francisco
nos últimos anos é positiva, instrumento importante para a sustentabilidade
econômica, social e ambiental regional e nacional.
Mudanças climáticas
Evidencia-se, uma forte relação entre as mudanças climáticas, a
maneira de ocupação do território, do que se produz, como se produz, o que
consome a sociedade e a sustentabilidade econômica, social e ambiental.
O aumento do preço do barril de petróleo, o efeito das mudanças
climáticas em todo o planeta, a conjuntura internacional desfavorável com a Guerra
Rússia-Ucrânia- OTAN e as novas tecnologias na área de energia e do uso da
água, criam as condições favoráveis para uma utilização, cada vez maior, das
energias renováveis (biomassa, hidrogênio verde, eólica, solar e hidráulica) e
a construção de uma nova economia de baixo carbono.
No Brasil, as ações governamentais do Governo Lula, empresariais e
da sociedade civil ficam a desejar: os acontecimentos políticos em curso
relacionados às terras indígenas e a exploração de petróleo na bacia amazônica
é a tradução da nossa incapacidade de diálogo a favor da sustentabilidade
desejada pela maioria da sociedade brasileira. As condições atuais e as
potencialidades brasileiras na área energética, nas áreas de produção de
alimentos e de uma economia de baixo carbono são extraordinárias. Neste contexto,
deve-se trabalhar as sinergias entre as políticas públicas, particularmente as
voltadas para as áreas de água, saúde, saneamento, energia, produção de
alimentos – com incentivo à agroecologia e às de mitigação de gases de efeito
estufa, em sintonia com a sustentabilidade regional e nacional.
A realização da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas
no Brasil, a COP30, em novembro de 2025, em Belém, no Pará, será uma nova
oportunidade do Brasil voltar a ser protagonista no cenário internacional em
prol da sustentabilidade do planeta e do território brasileiro.
Assim, o Governo Lula e a sociedade brasileira devem trabalhar o
processo de construção da sustentabilidade no Brasil nos planos nacional e
internacional em função das suas potencialidades regionais e nacionais:
biodiversidade, território, clima, riquezas minerais, água, energia solar e
eólica em sintonia com a ciência, a tecnologia, a inovação e a educação pública
de qualidade. As condições para a implementação de uma economia de baixo carbono
no Brasil são bastante favoráveis, colocando o Brasil em uma situação de
destaque no plano internacional, em relação à sustentabilidade, contribuindo
efetivamente para a unidade da América Latina e um mundo multipolar, onde a
centralidade das relações internacionais seja a construção de uma cultura de
paz, fundamental para a sustentabilidade da humanidade e do próprio planeta.
A sociedade brasileira em geral e o Governo Lula em particular
estão desafiados à construção de novas relações políticas, econômicas e sociais
entre os diversos atores do Estado, do Mercado e da Sociedade Civil,
fundamentos de um novo pacto político, democrático e reformista, no caminho da
sustentabilidade econômica, social e ambiental.
Finalmente, sempre é bom lembrar, deve-se compreender e trabalhar
as relações sociedade e natureza, como parte integrante da história da
humanidade, procurando entender os conflitos e as contradições da sociedade
atual, buscando soluções, sobretudo identificando as diferenças e os reais interesses
entre os diversos atores sociais em questão, criando os fundamentos de novas
relações políticas, econômicas, sociais e ambientais para a sociedade
sustentável a ser construída.
*Professor da UFBA e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia
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