Folha de S. Paulo
Supremo estará dando uma enorme
contribuição para a contenção do desmatamento se derrubar a tese do marco
temporal
A tese do marco
temporal, criada e patrocinada por setores predatórios do meio
ambiente, que cobiçam explorar as terras indígenas, nada mais é do que uma
tentativa inconstitucional de restringir os direitos dos povos indígenas à
própria sobrevivência.
A recente aprovação do PL 490, na Câmara dos Deputados, em nada muda a natureza inconstitucional da malfadada tese. Como já explicou o ministro Edson Fachin, em seu voto, os direitos originários dos povos indígenas compõem o rol das cláusulas pétreas da Constituição, não podendo ser abolidos, sequer por emenda constitucional. O movimento legislativo, portanto, é apenas uma estratégia para tentar constranger o Supremo, que reiniciará o julgamento do marco temporal na próxima semana.
Se o Supremo
derrubar a tese do marco temporal, como tudo indica, mais do que
reparar as injustiças a que os indígenas têm sido historicamente submetidos,
consolidando o que lhes é de direito, o STF estará dando uma enorme
contribuição para a contenção do desmatamento, manutenção do regime de chuvas—
essencial para agricultura brasileira—, para a redução dos conflitos
fundiários, o aumento de investimentos em economia verde, assim como para a
desaceleração das mudanças climáticas.
As terras indígenas brasileiras, que se
concentram sobretudo na Amazônia, têm sido as principais responsáveis pela
preservação de nossas florestas. Menos de 2% do desmatamento histórico na
Amazônia ocorre dentro de terras indígenas. Ao guardarem as florestas, os povos
indígenas geram uma série de benefícios econômicos e socioambientais para o
resto do Brasil e para todo o planeta, como a produção e circulação de água
doce, o resfriamento do clima, a renovação do ar, a proteção do solo, além da
preservação da biodiversidade, como explica o cientista Carlos Nobre, em recente relatório.
A floresta preservada pelos indígenas produz
vapor, que se movimenta por toda atmosfera. De acordo com pesquisa do Inpe,
apenas uma árvore amazônica chega a transpirar mil litros em um só dia. Como
capturado pelas lentes de Sebastião Salgado, esse vapor forma verdadeiros
"rios voadores", que permitem o florescimento duma pungente
agricultura, não apenas no Centro Oeste brasileiro, mas em toda a região sul do
continente. Isso sem falar na grande eficiência dessas florestas para estocar
carbono, a um custo imensamente menor que outras formas de mitigação das
emissões de gases de efeito estufa. O Brasil pode lucrar muito com sua floresta
de pé.
A promoção da tese do marco temporal tem fomentado,
por sua vez, insegurança fundiária, ao incentivando a grilagem, o desmatamento,
o garimpo ilegal, fazendo da Amazônia uma
terra sem lei.
O julgamento do marco temporal será uma
excelente oportunidade para velhos e novos "garantistas" demonstrarem
o seu verdadeiro compromisso com os direitos fundamentais. Ao declarar a
inconstitucionalidade do marco temporal, o STF estará
não apenas cumprindo sua missão precípua de proteger os direitos fundamentais
de uma minoria vulnerável, mas também contribuindo para o bem-estar de toda a
população e para a própria sobrevivência das gerações futuras neste planeta.
*Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023)
Um comentário:
Falou pouco,mas falou bonito.Falou escrevendo,rs.
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