Hora de decisões na reforma tributária
Valor Econômico
O Congresso tem a chance, que não deveria
ser desperdiçada, de corrigir um sistema caótico
A reforma tributária deve ir ao debate do
plenário da Câmara dos Deputados no início de julho, se tudo correr bem. O
relator da proposta na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), consolidou
as principais propostas existentes, a PEC 45/2019, elaborada pelo Centro de
Cidadania Fiscal, quando Bernardo Appy, atual secretário especial do governo
Lula, era seu dirigente, e a PEC 110/2019, que corria no Senado. A parte mais
difícil vem agora, já que o relatório deixou em aberto as principais questões,
entre elas, a das alíquotas e seu número - pela PEC 45 seria uma apenas.
O Congresso tem a chance, que não deveria ser desperdiçada, de corrigir um sistema caótico, que demanda tempo enorme para cumprimento das normas, é injusto e desigual. Os parlamentares têm de saída um bônus: é difícil, embora não impossível, piorar um regime tributário tão ruim. Compilando-se tributos federais, estaduais e municipais, desde a Constituição de 1988 foram editadas 460 mil normas tributárias. Boa parte desta barafunda legal desagua na Justiça, congestionando-a. Há R$ 559 bilhões em litígios diversos nos tribunais, já incluídos os que questionam as inomináveis cumulatividades de impostos na base de cálculo de outros impostos. Até quando era publicado, o relatório “Doing Business” do Banco Mundial situava o Brasil nos últimos lugares entre mais de 100 nações pela dificuldade e tempo gasto para atender as obrigações legais.
No início do governo de Jair Bolsonaro,
quando as duas PECs surgiram, houve real possibilidade de aprovação de uma
reforma. Aconteceu então algo raro: os principais alvos da reforma, governadores
e prefeitos, sempre reticentes, mostraram-se favoráveis a mudanças, enquanto o
Executivo, que sempre as propôs, emperrou a tramitação porque pretendia aprovar
uma CPMF modernizada.. A nomeação de Bernard Appy como responsável pelo
acompanhamento da reforma indicou que o governo está empenhado na questão, e a
aprovação do relatório de Ribeiro na comissão da Câmara mostrou que mudanças
serão feitas. É impossível saber de antemão com que profundidade.
O governo defende alíquota única em um
imposto geral de valor agregado que englobaria os federais, o ICMS estadual e o
ISS municipal. As consultas do relator indicaram que se vai por um caminho
diferente, o do IVA dual, com um imposto reunindo PIS-Cofins e IPI, e outro,
cobrado no destino e não mais na origem, aglutinando ISS e ICMS, que ficaria a
cargo de Estados e prefeituras. Politicamente, ao não interferir na questão
federativa, a divisão de IVAs é mais assimilável pelo Congresso, governadores e
prefeitos.
A proposta do relator inclinou-se pela PEC
110 ao admitir várias alíquota, e não só uma - sua quantidade dependerá da
barganha política e da força dos lobbies. Até agora, há a possibilidade de até
5 alíquotas. Ribeiro incorporou regimes favorecidos aceitos pela Constituição,
como agropecuária, agroindústria, saúde, educação, cesta básica, transporte
coletivo e outros. Todo esse capítulo está em aberto.
Um dos pilares da reforma é redistribuir a
carga tributária, sem aumentá-la, aliviando a indústria, a mais taxada e
ampliando a fatia dos serviços e da agropecuária. Se a alíquota for única,
estima-se um IVA com alíquota de 25%. O número é assustador e usado para
criticar a proposta, mas trata-se apenas da carga de impostos que já é cobrada
dos cidadãos. O forte lobby agropecuário no Congresso pretende manter baixa
carga, e o do setor de serviços não quer pagar mais de 12%. Estudos de
especialistas respeitados mostram que com alíquota única no fim das contas
ninguém sairá perdendo. Mas é bem provável que os parlamentares sejam sensíveis
a essas demandas setoriais.
As exceções não se esgotam aí. O Congresso
aceitou incentivos fiscais dos Estados até 2032, logo o período de transição,
originalmente de 6 anos (dois para entrar em vigor o IVA federal e quatro, o
estadual) deve subir para 10 anos ou mais. Outra ginástica terá de ser feita
para manter os criticados benefícios da Zona Franca de Manaus, prorrogados a
perder de vista (2073). Cogita-se cobrar imposto seletivo (previsto para
desestimular produtos nocivos à saúde e ao ambiente) de automóveis e produtos eletroeletrônicos
vendidos fora da Zona Franca, para garantir as isenções a ela concedidas.
A saída para o Simples, o regime
simplificado, é interessante. Será aberta a possibilidade de aderirem ao IVA,
creditando-se dos impostos pagos quando da venda de seus bens e serviços a
empresas. Isso não é vantajoso a quem vende diretamente a pessoas físicas mas,
de qualquer forma, estimula-se parte dos que utilizam do maior benefício fiscal
do país a contribuírem com maior arrecadação.
Como o governo não tem base extensa para
obter 308 votos para sua aprovação, a reforma será a possível. Se for inviável
a aprovação de IVA único, com alíquota única e sem exceções, o IVA dual, com
três alíquotas e o mínimo de setores excetuados já seria um enorme avanço em
relação ao regime vigente.
Repressão é razão da queda no desmatamento
O Globo
Governo aperta cerco contra os devastadores
e colhe redução de 31% na destruição da Amazônia
Desde o início do ano, cobra-se da ministra
do Meio Ambiente, Marina Silva,
a reversão dos recordes sucessivos no desmatamento registrados no governo Jair
Bolsonaro. Agora, depois de cinco meses, começam a aparecer os primeiros
resultados positivos — e, como já se sabia, eles estão ligados à repressão aos
destruidores da floresta. Ainda há um enorme desafio a vencer no Cerrado, mas
os dados da Amazônia enfim
trouxeram algum alívio.
De acordo com as imagens do sistema Deter,
do Inpe, os
alertas de desmatamento caíram 31% na Amazônia entre janeiro e maio, na
comparação com o mesmo período do ano passado. Houve registro de solo exposto,
mineração ou desmatamento numa superfície de 1.986 quilômetros quadrados, menor
número desde o primeiro ano do governo Bolsonaro. No Cerrado, em contrapartida,
os alertas corresponderam a uma área de 3.532 quilômetros quadrados, uma alta
de 35% — e novo recorde.
Não é difícil entender o motivo para o
êxito no combate à devastação na Amazônia. Desde janeiro, o Ibama aplicou 2.560
autos de infração (ante média de 917 no governo anterior), emitiu multas no
valor de R$ 1,5 bilhão (quase o triplo), promoveu 1.563 embargos (128% a mais),
triplicou a destruição de equipamentos usados em crime ambientais e dobrou as
apreensões. Noutra frente, houve cancelamento de créditos e a identificação de
áreas inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) com sobreposição a Unidades de
Conservação e terras indígenas. Parte delas foi cancelada ou suspensa.
No Cerrado, a atuação do Ibama não
registrou o mesmo patamar de autos de infração, apreensões, multas e destruição
de equipamentos visto na Amazônia. Dos dez municípios que mais contribuíram
para o desmatamento na região, seis estão na Bahia, e 77% da área corresponde a
imóveis com registro no CAR. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) atribui aos
estados a responsabilidade por fiscalizar a remoção da vegetação.
Os resultados da Amazônia mostram que, se
não houver cooperação dos estados na repressão, será impossível conter a
devastação no Cerrado para cumprir a meta de desmatamento zero prometida para
2030. É evidente que, depois da política destrutiva do governo Bolsonaro,
qualquer tentativa de colocar a casa em ordem traria resultado imediato. O
grande teste do governo Lula na
área ambiental começará agora. Depois da apresentação da nova versão do Plano
de Ação para a Preservação e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal
(PPCDAm) por Lula e Marina, o desafio é colocá-lo em prática.
O desenho do programa, que prevê o
envolvimento de vários ministérios, exige capacidade de negociação política e
gestão. No Congresso, grupos contrários à preservação já mostraram força ao
esvaziar poder do MMA e fazer avançar a pauta antiambiental. Ao que parece, a
atual legislatura não se deu conta da importância da questão para o futuro não apenas
da economia brasileira, mas de todo o planeta. Num país do tamanho do Brasil, é
impossível atingir o objetivo de zerar o desmatamento em 2030 sem a cooperação
de todos.
Existência de quase 10 milhões de
analfabetos envergonha o Brasil
O Globo
Combate ao analfabetismo avança lentamente
— e não será cumprida meta de erradicá-lo até 2024
A cada ano, o analfabetismo no Brasil
diminui. Em 2016, era de 6,7%. Três anos mais tarde, tinha caído para 6,1%.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua),
do IBGE, divulgados na quarta-feira mostram que a taxa de 2022 ficou em 5,6%.
Um avanço, portanto. Mas, como acontece com quase todos os índices de educação no
Brasil, a melhora se dá em câmera lenta. A meta do Plano Nacional de Educação
(PNE) — erradicar o analfabetismo até 2024 — não será cumprida.
O Brasil ainda tem 9,6 milhões de
analfabetos com 15 anos ou mais. O Nordeste é onde vive mais da metade, com
destaque para Piauí (onde a taxa é 14,8%), Alagoas (14,4%) e Paraíba (13,6%). A
título de comparação, no Rio a taxa é 2,1%, em São Paulo e Santa Catarina 2,2%
e no Rio Grande do Sul 2,5%. O maior contingente de analfabetos, diz Adriana
Beringuy, coordenadora no IBGE, são idosos que não tiveram acesso à escola na
infância e juventude.
Infelizmente, mesmo as crianças hoje na
escola têm enfrentado dificuldades na alfabetização. Cinquenta e seis por cento
dos alunos do segundo ano do ensino fundamental não tinham capacidade básica de
leitura nem de escrita ao final de 2021. É bom lembrar que o Brasil foi o
segundo país onde as escolas ficaram mais tempo fechadas durante a pandemia.
Enquanto profissionais da saúde e da segurança pública cumpriam seus deveres,
professores, amparados por sindicatos poderosos, abandonaram seus alunos mesmo
depois de comprovada a falência das tentativas de ensino à distância.
Por isso não foi surpresa o desempenho de
crianças brasileiras do quarto ano do ensino fundamental na edição de 2021 do
Estudo Internacional de Progresso em Leitura (conhecido pela sigla Pirls).
Entre os 65 países, o Brasil ficou na 59ª posição, atrás de países como Turquia
e Uzbequistão. Mais de metade das crianças brasileiras não é alfabetizada na
idade certa, e apenas 43% já aprenderam a ler aos 8 anos.
Quando o assunto são as carências na
educação, é comum o debate ser contaminado pela sensação de derrota. Mas o
Brasil tem vários exemplos de municípios e estados que obtiveram bons
resultados. Por diferentes motivos, Sobral (CE), Espírito Santo e Pernambuco
são citados com mais frequência, mas casos de sucesso estão espalhados por todo
o país. Como costuma dizer o professor do Insper Ricardo Paes de Barros, é
preciso reproduzir modelos bem-sucedidos em lugares com características
semelhantes.
Para erradicar o analfabetismo, seria bem-vinda uma aliança suprapartidária no Congresso Nacional de representantes dos estados mais afetados (Piauí, Alagoas e Paraíba), em parceria com o MEC e os respectivos governos estaduais, para apoiar e acompanhar políticas de alfabetização com o objetivo de acabar com essa vergonha. É inaceitável que, em plena era digital, tanta gente ainda viva nas trevas.
Alívio na inflação
Folha de S. Paulo
Combinação de fatores externos e domésticos
facilita queda dos juros em breve
A inflação ao
consumidor medida pelo IPCA ficou em 0,23% em maio, abaixo das
expectativas de analistas. Confirmam-se os sinais positivos recentes que devem
levar o Banco Central a iniciar um ciclo de cortes de juros em breve.
A variação do índice em 12 meses caiu a
3,94%, menor patamar desde outubro de 2020. Trata-se de melhora expressiva ante
os 11,73% acumulados em período correspondente de um ano atrás.
O resultado decorre de uma combinação de
queda de cotações de matérias-primas no atacado, barateamento de combustíveis e
reversão de altas em bens industriais. A valorização do real ante o dólar
contribuiu para esse processo.
A deflação de 7,55% no atacado em 12 meses,
segundo o IPA-M da FGV, não deve tardar a ser transmitida mais amplamente para
os consumidores. Com o mercado de trabalho estável, a pressão menor sobre
preços de artigos essenciais propiciará um bom alívio para a renda das famílias
neste ano.
Mesmo a reversão de parcela dos cortes de
impostos sobre os combustíveis —promovidos com objetivo eleitoreiro nos últimos
meses do governo Jair Bolsonaro (PL)— não deve alterar essa dinâmica.
Mais importante para a definição da
política monetária é a evolução dos preços de serviços, que sempre mostram
maior inércia e são mais correlacionados com a gestão econômica doméstica.
Nessa frente, ainda há razões para
preocupação —as várias medidas do chamado núcleo da inflação se mantêm entre 5%
e 6% anuais. Entretanto a leitura de maio do IPCA dá pistas de que também nesse
setor se pode esperar uma melhora nos próximos meses.
Para tanto contribuiu a definição e a
perspectiva de aprovação de uma nova regra fiscal. Embora o modelo proposto não
seja suficiente para conter o avanço da dívida pública, ao menos foi reduzido o
risco de descontrole de gastos, o que ajudou a valorizar o real e derrubar os
juros futuros.
Com a safra de notícias mais favoráveis, que
o BC deve reconhecer, o mercado já
antevê juros de um dígito até meados do próximo ano.
É um progresso e tanto, cuja continuação
depende de paciência, consistência e perseverança nas ações do governo. Será
importante, nesse contexto, evitar o caminho equivocado de revisar para cima as
metas de inflação, como chegou a sugerir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT).
Melhor que seja mantido o objetivo de 3%
para o horizonte 2024-26, o que poderá reduzir expectativas de inflação e
facilitar o trabalho da autoridade monetária.
Tensão colombiana
Folha de S. Paulo
Em meio a escândalo e obstáculos, Petro
insiste em discurso persecutório
O regime presidencialista exige que o
Executivo submeta suas propostas ao Legislativo e, caso o partido no governo
não tenha maioria para aprová-las, é crucial formar coalizões. Não basta vencer
eleições, é preciso buscar governabilidade.
Com o fenômeno da polarização política,
presidentes da América do Sul, hoje majoritariamente de esquerda, têm
encontrado obstáculos maiores nessa seara.
Na Colômbia, Gustavo Petro, primeiro
esquerdista eleito para o comando do país, não apenas tem tido trabalho
hercúleo para aprovar suas propostas como agora se vê enredado em um caso
rocambolesco envolvendo abuso de poder e denúncias de corrupção de aliados.
Seu governo tem projetos para mudar
regulações trabalhistas, previdenciárias, da Justiça e do sistema de saúde, mas
não consegue obter apoio suficiente. O escândalo
recente agrava esse quadro.
No domingo (4), vieram à tona áudios
supostamente enviados pelo coordenador da campanha eleitoral de Petro e depois
embaixador na Venezuela, Armando Benedetti, a Laura Sarabia, ex-chefe de
gabinete da Presidência —ambos acabaram de perder os cargos.
O diplomata teria ameaçado revelar um
financiamento ilegal na campanha de 15 bilhões de pesos (cerca de R$ 17
milhões) caso suas demandas não fossem atendidas.
Petro afirma que sua campanha foi legal,
enquanto incita protestos populares a seu favor, como já havia feito para
aprovar a reforma da saúde —o que contribui para a turbulência política e a
polarização.
Ademais, diz-se perseguido pelo Judiciário
e usa a temerária expressão "golpe brando" para se referir a
investigações judiciais. Em comentário sobre o procurador-geral da República,
Francisco Barbosa, a quem trata como adversário, afirmou ser "o chefe de
Estado, portanto, chefe dele".
A aprovação de sua gestão, iniciada em
agosto do ano passado, passou de 50% em novembro para 34% em maio, segundo uma
pesquisa de opinião local.
Na quarta-feira (7), políticos de diversos
países divulgaram um manifesto de apoio a Petro e sua tese do golpe moderado,
que uniria instituições de Estado e conglomerados de mídia contra as reformas
do governo. A presidente
do PT, Gleisi Hoffmann, esteve entre os signatários do documento.
A surrada denúncia de conspirações pouco
deve contribuir para a agenda da esquerda continental, que em países como
Colômbia, Chile e Brasil conquistou o poder sem que necessariamente houvesse
uma adesão majoritária do eleitorado e dos partidos a suas teses.
Cultura do sigilo
O Estado de S. Paulo
Câmara, Senado e STF, ao negarem acesso às
imagens do 8 de Janeiro, depreciam o direito constitucional à informação. Cada
autoridade acha que, no seu caso, vale a exceção do sigilo
No dia 21 de abril, o ministro Alexandre de
Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a quebra do sigilo das
imagens do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) relativas à invasão do
Palácio do Planalto no 8 de Janeiro. Segundo a decisão, “inexiste sigilo das
imagens, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI, Lei 12.527/2011),
sobretudo por serem absolutamente necessárias à tutela jurisdicional dos
direitos fundamentais e ao regime democrático e republicano”.
Após essa decisão, no dia 24 de abril, o
Estadão solicitou, por meio da LAI, acesso à íntegra das gravações de todas as
câmeras internas e externas do STF, do Senado e da Câmara. No entanto, os três
órgãos rejeitaram o pedido do jornal.
Citando resoluções internas e o art. 23 da
LAI, que trata das informações imprescindíveis à segurança da sociedade e do
Estado, a Câmara e o Senado alegaram que a publicação das imagens poderia
comprometer as investigações em andamento sobre o 8 de Janeiro, bem como a segurança
das Casas Legislativas.
Após descumprir o prazo de resposta de 30
dias disposto na LAI, o STF respondeu, por meio da assessoria de imprensa,
negando acesso às imagens. Segundo a nota do tribunal, seria informação
protegida, disciplinada pela Resolução n.º 657/2020, sobre a segurança da
Corte.
Os argumentos utilizados pelo STF, pelo
Senado e pela Câmara para indeferir o pedido do jornal são semelhantes aos que
haviam sido alegados pelo GSI – e que já foram rebatidos na decisão de
Alexandre de Moraes de 21 de abril. Segundo o ministro, não se caracteriza a
hipótese excepcional de sigilo, “não sendo possível, com base na LAI, a
manutenção da vedação de divulgação de todas – absolutamente todas – as imagens
verificadas na ocasião do nefasto e criminoso atentado à democracia e ao Estado
de Direito, ocorrido em 08/1/23”.
O acesso à informação dos órgãos estatais é
um direito constitucional. “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos
informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que
serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas
aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”,
diz a Constituição, no art. 5.º, XXXIII.
No entanto, como se observa nas negativas
do STF, da Câmara e do Senado, trata-se de um direito que ainda não é muito
respeitado. Utiliza-se a exceção do sigilo para negar o acesso à informação,
mesmo quando um ministro do Supremo já afirmou que o caso não se enquadra nas
hipóteses excepcionais de acesso restrito.
A Constituição veio assegurar um princípio
fundamental do Estado Democrático de Direito, a transparência. Os dados obtidos
pelo aparato estatal, seja qual for sua esfera, não são do Estado. Regra geral,
eles são de acesso público, devendo ser disponibilizados quando solicitados.
Trata-se de consequência necessária do regime democrático. A informação não
pertence ao Estado, como se ele pudesse decidir de forma discricionária o que
mostra e o que esconde, mas à sociedade. A plena transparência do funcionamento
estatal é condição para o exercício da cidadania.
No entanto, mesmo com o direito ao acesso à
informação previsto na Constituição e devidamente regulamentado pelo Congresso
em 2011 com a LAI, o fato é que a cultura do sigilo continua dominante. O próprio
Alexandre de Moraes, que determinou a quebra do sigilo das imagens do GSI, é
reticente em liberar o acesso a diversos inquéritos sob sua relatoria sobre
fake news contra o STF, ameaças antidemocráticas e os atos do 8 de Janeiro.
Parece que cada autoridade considera que, no seu caso específico, deve valer a
exceção do sigilo, e não a regra geral da transparência.
Para quem ocupa cargo público, é sempre
mais incômodo, não há dúvida, o exercício do poder à luz do dia, permitindo o
controle pela sociedade. Por isso, exatamente porque haveria resistência à
transparência, a Constituição estabeleceu o direito à informação. E é parte
essencial da proteção da democracia defender esse direito, em todas as esferas.
Lula quer a imprensa no cercadinho
O Estado de S. Paulo
O presidente mobilizou sua equipe de
segurança para dificultar o livre trabalho de jornalistas profissionais e
independentes. Eis a índole daquele que veio para ‘salvar a democracia’ no País
Em menos de seis meses de governo, o presidente
Lula da Silva, aquele que supostamente veio para “salvar a democracia” no País
e resgatar a decência no exercício da Presidência da República, tem revelado a
mesma hostilidade visceral ao trabalho da imprensa profissional e independente
que seu antecessor no cargo, Jair Bolsonaro. Para fugir de perguntas após
solenidades no Palácio do Planalto, mas não só lá, Lula tem mobilizado sua
equipe de segurança, formada por policiais federais e agentes do Gabinete de
Segurança Institucional (GSI), para cercar jornalistas, literalmente, e
dificultar o acesso desses profissionais a ele e a outras autoridades, mesmo
após o término dos eventos oficiais.
A ojeriza de Lula à liberdade de imprensa é
uma velha conhecida dos jornalistas que honram o ofício, ou seja, aqueles que
não se deixam seduzir pela parolagem dos poderosos de turno e se põem diante
deles com firmeza e coragem para fazer as perguntas incômodas. Mas havia a
expectativa, alimentada pelo próprio Lula enquanto candidato, de que, superado
o insalubre período do governo Bolsonaro, o presidente retomaria uma relação
mais civilizada com os jornalistas. Em geral, não é o que tem sido visto. Lula
se mostra disponível para responder às perguntas quando e de quem ele quer,
como se não estivesse obrigado pela Constituição a governar com transparência
quase absoluta.
Jornalistas são tolhidos no exercício da
profissão pelas mais diversas maneiras – e não é de hoje. Mas, não custa
lembrar, a violência maior no cerco à imprensa é sempre cometida contra a
sociedade, que, ao fim e ao cabo, se vê privada das informações que governantes
preferem manter ao abrigo da luz.
Nem Lula nem qualquer presidente, antes ou
depois dele, têm o direito de limitar o trabalho da imprensa, seja da forma que
for. A transparência no exercício do múnus público é uma obrigação
constitucional que pesa sobre os ombros de qualquer servidor ou mandatário.
Quem não está disposto a carregar o fardo do escrutínio incessante – ainda que
firme, jamais malcriado –, que nem se aventure a ingressar no serviço público
ou a disputar uma eleição. Além de se tratar de garantias asseguradas pela Lei
Maior, transparência e liberdade de imprensa são atributos comezinhos do regime
democrático. Voltar-se contra eles costuma ser bastante revelador sobre a alma
liberticida que habita nos democratas de fancaria.
Jornalistas não são gado para serem
contidos por grades, sejam elas físicas ou simbólicas. O desatino desse
cercadinho imposto por Lula, do qual o País parecia estar livre passada a
eleição, pôde ser testemunhado após a cúpula de presidentes da América do Sul,
realizada no Palácio Itamaraty há poucos dias. Terminada a reunião, um grupo de
jornalistas tentou se aproximar do ditador venezuelano, Nicolás Maduro, e foi
brutalmente contido por seus jagunços, especializados em repelir jornalistas
que ousam questionar o caudilho, e por agentes brasileiros. Na confusão, a
jornalista Delis Ortiz, da TV Globo, foi agredida com um soco no peito
desferido, segundo ela, por um agente a serviço do GSI. Mais que um absurdo, um
crime que há de ser rigorosamente apurado.
A contenção é direcionada aos jornalistas.
Isso fica comprovado quando se nota que o cercadinho, montado pelo GSI a
pretexto de “proteger” as autoridades durante as solenidades oficiais, não
impede, ora vejam, que blogueiros simpáticos ao governo, militantes petistas e
apoiadores do presidente se aproximem tanto de Lula como da primeira-dama Janja
da Silva e de ministros de Estado para cumprimentá-los e tirar fotos.
Não é de agora que o PT e Lula, em
particular, são obcecados pela ideia de uma imprensa encabrestada. Volta e meia
os petistas regurgitam seu plano de instituir no País o que chamam de “controle
social da mídia”, um eufemismo nada sutil para censura. O partido jamais lidou
bem com a liberdade de imprensa. O sonho dos petistas é um jornalismo sabujo,
achado no chão. Bem, no que depender deste jornal, jamais o terão.
À espera de punição exemplar
O Estado de S. Paulo
Enquanto a Lei das S.A. será de novo
alterada, CVM torna réu o mensageiro do rombo da Americanas
O Ministério da Fazenda enviará em breve à
Câmara projeto de alteração da Lei das Sociedades por Ações, a Lei das S.A. De
acordo com o Valor, a proposta visa a ampliar, com base em medidas de
fiscalização e punição, a possibilidade de ressarcimento aos acionistas
minoritários e debenturistas de empresas de capital aberto prejudicados por
atos danosos de seus administradores e controladores.
É inevitável estabelecer relação imediata
entre a medida e o caso da Americanas, o mais recente escândalo financeiro a
abalar o universo do mercado acionário – e, por extensão, todo o País, que
acompanhou perplexo a comunicação de um rombo estimado então em R$ 20 bilhões,
feita pelo executivo Sérgio Rial, que naquele 11 de janeiro ocupava havia
apenas nove dias a cadeira de presidente da empresa.
Rial chamou de “inconsistências em
lançamentos contábeis” o buraco encontrado na contabilidade da Americanas e,
ato contínuo, renunciou ao cargo. Parece ironia que, cinco meses depois, o
executivo tenha se tornado o primeiro réu na investigação que tramita na
Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre o caso.
A CVM entendeu que ele infringiu o
parágrafo 1.º do artigo 155 da Lei das S.A. por ter comunicado de maneira
imprecisa o rombo e por ter realizado uma teleconferência de acesso restrito
para tentar explicar a situação que encontrara na Americanas. Rial acompanhou,
de forma remunerada, a rotina da empresa desde que foi indicado ao cargo, em
agosto do ano passado, mas sua meteórica e espetacular passagem como CEO
começou em 2 de janeiro.
Ainda não é o desfecho do caso, obviamente,
mas não deixa de provocar uma enorme frustração esse primeiro resultado
apresentado pela CVM para um caso que unificou os meios jurídico e financeiro
no apelo a uma punição exemplar. Sob enorme suspeita de fraude envolvendo
administradores e acionistas controladores, o caso da Americanas deveria se
tornar um divisor de águas.
E aí cabe questionar se o que o País
precisa é de mais leis ou do simples cumprimento efetivo das leis já
existentes. É claro que a dinâmica acelerada do mercado exige constantes
atualizações regulatórias – até bem pouco tempo não existiam, por exemplo, as
fintechs, o mercado de criptomoedas e os influenciadores digitais. A antiquada
Lei das S.A. original, de 1976, foi modernizada em 2007, num processo
amplamente elogiado por todo o mercado acionário. A partir daí vem sofrendo um
sem-número de alterações, como o Marco Legal das Startups, de 2021, e mesmo as
regras transitórias criadas durante a pandemia de covid.
A mais recente proposta de alteração será,
com certeza, bem-vinda. Mas a CVM ainda está devendo uma atuação digna da
alcunha de xerife do mercado financeiro. Algo que a aproxime da atuação da
poderosa e temida SEC, a Securities and Exchange Commission, sua congênere nos
Estados Unidos. A começar pela transparência. As investigações da SEC podem ser
acompanhadas pela internet, enquanto aqui uma muralha de sigilo protege os
investigados.
O eterno dilema da doação de sangue
Correio Braziliense
Não é raro vermos campanhas lideradas pelos
bancos de sangue, que esperam sempre contar com a solidariedade da população
para abastecer os estoques
Junho é o mês mundial da doação de sangue
e, por isso, é chamado de "Junho Vermelho". No Brasil, 3,5 milhões de
pacientes precisam de transfusões todos os anos, mas menos de 2% da população
tem por hábito doar sangue, porcentagem inferior ao recomendado pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) - que é de, no mínimo, 3%.
Pode parecer clichê, mas o sangue realmente
salva vidas. Transplantes de órgãos, atendimentos de emergência, transfusões
(inclusive em pacientes oncológicos) e procedimentos cirúrgicos, salvando
pacientes vítimas de acidentes, com quadro de anemia crônica, febre amarela e
complicações da dengue. Enfim, ele é fundamental em várias etapas da vida
humana e as equipes médicas dependem das doações para garantir o sucesso desses
procedimentos considerados complexos.
Mas os desafios são grandes. Não é raro
vermos campanhas lideradas pelos bancos de sangue, que esperam sempre contar
com a solidariedade da população para abastecer os estoques, quase sempre
baixos. Em determinados momentos - como feriados e dias em que as temperaturas
caem - é mais difícil ainda pelo fato de as pessoas viajarem ou simplesmente
não saírem de casa nos dias frios, ou ainda griparem, ficando impedidas de ir
até um hemocentro para doar sangue.
Embora tão importante quanto, outro fator
que reduz as doações é a imunização. Dependendo da vacina, o doador vai
precisar de um tempo maior de intervalo para fazer a doação. Nem todo mundo
sabe, mas o ato de doar sangue pode salvar até quatro vidas. Porém, no Brasil,
há apenas 14 doadores regulares de sangue para cada 1 mil brasileiros.
O corpo humano tem, em média, cinco litros
de sangue. Cada voluntário chega a doar cerca de 450 mililitros (ml). Parece
muito, mas o corpo recupera o sangue doado em pouco tempo. Em geral, após 24
horas o doador está completamente recuperado e pode voltar a fazer exercícios e
ter uma vida normal.
Os hemocomponentes do sangue são obtidos
após a centrifugação. O sangue total é classificado em fresco e estocado. O
fresco é aquele que foi coletado em até oito horas, mantido em temperatura ambiente.
O concentrado de hemácias dura, em média, 35 dias. Já as plaquetas duram
somente cinco dias depois do fracionamento em temperatura ambiente. Pelo fato
de durarem pouco, muitas vezes são as mais necessárias. O plasma fica congelado
e pode durar até um ano.
Considerado um procedimento simples, rápido
e seguro, a doação de sangue elimina qualquer possibilidade de contaminação, já
que nenhum material usado na coleta é reutilizado.
Para os especialistas na área de saúde,
faltam políticas públicas, faltam hemocentros ou postos especializados, faltam
também equipamentos e investimento em insumos. Enfim, sem uma cultura da doação
de sangue que possa ser incorporada às práticas sanitárias de todos os estados
brasileiros, fica cada vez mais difícil contar apenas com a solidariedade e o
altruísmo de alguns poucos brasileiros.
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