O Globo
Uma sucessão de derrotas humilhantes na
Câmara propiciou ao Planalto um estrondoso cair da ficha
A ninguém interessa que o presidente da
República continue engolfado no turbilhão de fragilização política em que foi
colhido nos últimos meses. Antes de mais nada, Lula precisa parar de errar. Tem
de pôr fim à sequência de erros crassos que vem cometendo desde que tomou
posse.
Até mesmo na política externa, em que tinha todas as condições para, em contraste com Bolsonaro, atuar com grande sucesso, o Planalto mostra-se aferrado a grandes desacertos. Transformou o que poderia ter sido uma posição austera de neutralidade com relação ao conflito na Ucrânia numa busca desvairada de um protagonismo descabido, em que o presidente se permitiu uma torrente de declarações impensadas que eliminaram de vez a possibilidade de que o Brasil venha ser levado a sério em qualquer negociação sobre a questão em futuro relevante.
Nem mesmo nas relações com países vizinhos
Lula conseguiu acertar. Ao tentar converter uma reunião de presidentes
sul-americanos, em Brasília, numa festa de reabilitação da ditadura chavista de
Nicolás Maduro, o presidente acabou tendo de ouvir de público, à direita e à
esquerda, reprimendas constrangedoramente duras e irrespondíveis dos
presidentes do Uruguai e do Chile.
Mas é nas questões internas que os erros
mais graves vêm sendo cometidos. Boa parte deles parece decorrer da lentidão com
que Lula se vem dando conta de que o mesmo eleitorado que o elegeu preferiu que
o Congresso fosse amplamente dominado por forças políticas de centro-direita.
Na semana passada, cinco meses após o
início do governo, houve, afinal, um estrondoso cair da ficha, quando a Câmara
impôs ao presidente uma sequência de derrotas humilhantes na tramitação de
medidas provisórias, seja convertendo em lei versão completamente adulterada de
medida original, seja simplesmente deixando que várias delas caducassem.
Não chegou a ser uma surpresa que tamanho
revés tenha dado lugar a certo desalento no Planalto, que já teria começado a
se conformar com a ideia de que o governo não chegará a ter maioria no
Congresso . A verdade, contudo, é que governar por todo o resto do mandato com
uma base parlamentar tão precária será impraticável.
Algo terá de ceder. E o governo terá de ser
capaz de ir muito além de simples rearranjos de ocasião com Arthur Lira, que,
já se sabe, não auguram bom desenlace. Lula terá de deixar de lado sua pauta de
esquerda mais leviana e gratuita para tentar ampliar em bases mais sólidas e
duradouras seu apoio no Congresso.
Bem ilustra de forma concreta esse ponto a
incapacidade do governo de estabelecer um jogo mais promissor com a colossal
bancada ruralista no Congresso, que permeia todos os partidos de
centro-direita.
Basta ter em conta que, a esta altura, já
não há cálculo político racional que ainda possa justificar a persistência da
postura complacente do governo com relação a invasões de propriedades rurais. É
fundamental que o Planalto perceba que tal complacência se tornou uma
extravagância que o obriga a arcar com custos políticos proibitivos.
E que uma mudança clara de sua postura
quanto às invasões de terras seria um passo extraordinário para o início de um
desarmamento de espíritos nas relações do governo com o agronegócio.
É inegável que, no complexo do agronegócio,
o governo continua a ser visto com indisfarçável desconfiança. E que, ao mesmo
tempo, o governo ainda nutre grande hostilidade pelo setor, percebido pelo PT
como reduto inexpugnável de bolsonaristas empedernidos.
Lula precisa entender que essa hostilidade,
de parte a parte, precisa ser superada com urgência. Não só porque não faz
sentido tentar governar em permanente atrito com o segmento mais dinâmico e
promissor da economia.
Mas, também, porque isso pode lhe ajudar a
ampliar a base parlamentar efetiva com que o governo poderá contar em votações
cruciais no Congresso nos longos três anos e meio que ainda lhe restam de
mandato.
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