sexta-feira, 9 de junho de 2023

Ruy Castro - 'Jornada' mortal

Folha de S. Paulo

A morte de um cinegrafista foi o clímax das manifestações de 2013, que se estenderam até 2014

As "jornadas" de junho de 2013, que instauraram a antipolítica no Brasil e deram no que deu, fizeram dez anos na semana passada com extenso tratamento pela mídia. Mas ainda há muito a dizer, porque elas não se limitaram àquele junho. A barbárie estendeu-se pelos meses seguintes e atravessou o ano, chegando ao seu clímax no dia 6 de fevereiro de 2014. Na tarde daquele dia, durante um quebra-quebra envolvendo polícia e manifestantes em frente à Central do Brasil, no centro do Rio, dois ativistas acenderam um rojão e o dispararam contra a multidão.

No meio do caminho, com a câmera no ombro, o olho na lente e de costas para eles, havia um cinegrafista. O rojão rastejou em velocidade, subiu e explodiu em sua cabeça. Ele se chamava Santiago Andrade, tinha 49 anos e era da Band. Levado para o Hospital Souza Aguiar, lutaram desesperadamente para salvá-lo. Quatro dias depois, teve a morte cerebral decretada. Deixou mulher e filha.

Santiago foi um dos 117 jornalistas que, desde o começo das "jornadas", sofreram intimidações, agressões físicas, dano de equipamento, atropelamentos, ataques de cachorros e bombas. A violência vinha tanto da polícia quanto dos manifestantes, entre os quais os blackblocs, mascarados que surgiam ao fim de cada protesto depredando patrimônio público e particular. A diferença entre os baderneiros de 2013 e os golpistas do 8 de janeiro é que estes sabiam o que queriam. A morte de Santiago ajudou a acabar com aquele caos.

Os assassinos de Santiago foram presos dali a dias, mas até hoje não foram julgados. Graças a um habeas corpus, estão em liberdade.

De 2006 a 2010, mantive uma crônica cinco vezes por semana na Band News. Eram gravadas numa só tarde em meu apartamento, sempre às terças-feiras, pelo produtor João Paulo Duarte e o assistente Pão com Ovo. O cinegrafista, grande sujeito, Flamengo até morrer, era Santiago.

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