O Globo
Iminente inelegibilidade do antecessor dá
ao presidente também a chance de se aproximar de evangélicos
O inferno astral que se inicia para Jair
Bolsonaro, com a iminente inelegibilidade graças a uma de dezenas de vezes em
que ele usou o cargo para investir contra o sistema eleitoral brasileiro, dá a
Lula a chance de recuperar terreno perdido para os setores mais fidelizados
pelo bolsonarismo no processo de rápida radicalização da sociedade iniciado em
2013.
O agronegócio é um deles. O presidente está
certo quando se espanta com a aversão demonstrada pelos grandes empresários
rurais a ele e ao PT. Afinal, em seus dois primeiros governos a exportação de
produtos agrícolas cresceu mais, em média, que no mandato de Bolsonaro. A
produção de grãos aumentou de forma equivalente. O que desequilibra a
estatística a favor do ex-presidente é o crescimento do PIB do agro, bem
superior nos últimos quatro anos.
Ainda assim, isso não justificaria a verdadeira ojeriza manifestada por expoentes do agro à volta de Lula ao poder. Trata-se de um coquetel que mistura o discurso anticorrupção encorpado na Lava-Jato e apropriado por Bolsonaro, a investida do ex-presidente para armar o campo e seu discurso de depreciação das pautas ambiental e indígena e da reforma agrária.
Se, no tempo em que a política brasileira
era pautada pela alternância entre PT e PSDB no poder, essas diferenças
ideológicas eram toleradas e até relevadas na hora de votar em nome do
pragmatismo econômico, a ascensão da direita bolsonarista tratou de suprimir
qualquer dose de convívio com o dissenso. O acerto de contas de Bolsonaro com a
Justiça e medidas concretas de gestão como o anúncio de um Plano Safra mais
parrudo que o do antecessor dão a Lula a chance de ao menos tentar reverter a
desvantagem.
Ajudaria a tornar a tarefa mais fácil se
Lula deixasse de lado a estigmatização generalizada do setor, que tem sido
sucessivamente esteio do crescimento do país, e a condescendência com a onda de
invasões deflagrada no início do ano pelo Movimento dos Sem-Terra, que
certamente ajudou a manter acesa a chama bolsonarista no peito de fazendeiros e
agroindustriais por mais tempo, funcionando como um endosso fático de toda a
narrativa difundida pelo capitão e por seus apoiadores ao longo dos anos.
A série de embates policiais e judiciais
que Bolsonaro enfrentará também abre caminho para que Lula tente, depois do
fracasso absoluto na campanha, abrir um canal de comunicação com os
evangélicos, que, muito em breve, representarão a maior força religiosa do
Brasil.
O discurso pseudoconservador de Bolsonaro,
alimentado à base de um sectarismo que usou Deus e família como biombos,
encontrou muita aderência em diversas denominações, sobretudo neopentecostais.
Isso foi facilitado, é claro, pela proximidade de lideranças dessas igrejas,
inclusive políticos, da família do ex-presidente e pelo acesso inédito que
tiveram a postos de influência política (até para indicação de ministro ao STF,
ser evangélico passou a contar) e acesso ao Orçamento da União. Junte-se à
receita uma máquina de propagação de fake news, e está explicada a lavada que o
PT e Lula vêm levando nesse pedaço do eleitorado.
A imputação de responsabilidades a
Bolsonaro, primeiro em relação aos ataques à democracia, depois em outras
pendências, como a gestão da pandemia, tirará dele a aura de honestidade criada
nos últimos anos a despeito de casos como o das rachadinhas nos gabinetes do
clã, da proximidade com milícias e de outros fatos que contradizem desde sempre
a narrativa.
Lula e o PT precisarão ter algo a oferecer
a esse segmento da sociedade, porque até aqui isso não se viu na política e,
quando se tentou a comunicação na campanha, o tom foi forçado e evidenciou o
fosso que existe.
Um comentário:
Acertou.
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