O Globo
Pesa o fato de os impostos sobre o consumo
terem grande importância arrecadatória em um país com Estado grande
Há uma combinação de dois fatores no
horizonte que aumentam a urgência de reduzir o custo da folha nas empresas: a
reforma tributária de criação do imposto sobre o valor adicionado (IVA) — passo
fundamental para destravar o crescimento sustentado — e o inevitável avanço no
uso de tecnologias modernas.
As novas tecnologias tendem a reduzir a oferta de vagas em atividades operacionais e repetitivas, que são mais facilmente substituídas por máquinas. A automação e a robotização, há décadas, já vinham reduzindo o trabalho de “chão de fábrica”, enquanto as tecnologias digitais passaram a afetar bastante o setor de serviços. O uso de inteligência artificial é mais um passo nessa direção.
Os indivíduos com menor capital humano são
os mais afetados. E as consequências sociais são óbvias, especialmente
considerando que grande parcela da nossa força de trabalho está em ocupações de
baixa qualificação.
O IVA também poderá impactar o mercado de
trabalho. Ele tem como característica tributar o valor gerado em cada etapa do
ciclo de produção de um bem ou serviço, de modo a eliminar a dupla tributação
ou cumulatividade de impostos. Para isso, o sistema gera créditos tributários
sobre todo tipo de insumo utilizado na produção de um bem ou serviço —
inclusive itens como conta de consumo de energia, serviços de manutenção e
aquisição de máquinas.
Ao final, significa tributar o fruto do
trabalho, seja de funcionários ou proprietários do negócio.
Como resultado, é provável que empresas
optem por substituir pessoas por máquinas ou simplesmente ofereçam serviços ao
estilo “faça você mesmo”, para reduzir os preços finais ao consumidor e, assim,
elevar a competitividade do seu produto – o que seria facilitado pelo uso de
tecnologias modernas. Exemplos seriam a redução do número de atendentes em
restaurantes ou de caixas de supermercado.
Pesa o fato de os impostos sobre o consumo
terem grande importância arrecadatória em um país com Estado grande. Significa
que a alíquota do IVA será acima daquela observada na experiência mundial —
possivelmente 25%, ante 19% na OCDE, bem como no Chile e na Colômbia.
Como a proposta de reforma ampliou muito a
lista de produtos com tratamento diferenciado por isenções e taxação reduzida,
corre-se o sério risco de a alíquota ser superior ao imaginado.
É recomendável, pois, conter o crescimento
de gastos públicos para, adiante, se reduzir a carga tributária. Além disso,
será necessário aliviar tempestivamente a tributação sobre a folha, com foco
nos salários mais baixos. É o que pretende o governo com as etapas subsequentes
de reforma tributária.
O Congresso, por sua vez, irá atrapalhar
esse caminho, caso renove a desoneração da folha para 17 setores. Trata-se de
uma iniciativa de 2011, na gestão Dilma, de caráter temporário, com o objetivo
de estimular o emprego, por meio da redução da contribuição previdenciária.
Fosse uma medida permanente, para todos os setores, e com fonte de
financiamento adequada, seria bem-vinda.
O governo Temer buscou, sem sucesso,
eliminar essa política pública em 2017. Em 2018 foi feita a reoneração da folha
de 39 dos 56 setores até então beneficiados, como compensação ao acordo com os
caminhoneiros, após a grave paralisação.
Bolsonaro, por sua vez, renovou por mais
dois anos a desoneração dos 17 setores restantes, que valeria até dezembro de
2021. Isso apesar de evidências quanto à ineficácia da medida para gerar
empregos — como a pesquisa do Ipea de 2018, além de outras tantas avaliando a
experiência mundial.
Insistindo no erro, tramita no Congresso um
Projeto de Lei que visa estender a desoneração até dezembro de 2027.
O atual desenho, com benefício a poucos, é
medida equivocada, pois alimenta a complexidade do sistema tributário e fere o
princípio de isonomia entre os setores — por exemplo, por que a fabricação de
veículos é elegível, mas a de alimentos não?
Além disso, por ser, em princípio, uma
iniciativa temporária, tende a perder sua eficácia — por que uma empresa vai
rever sua estrutura produtiva se o benefício pode ser eliminado em uma mudança
de governo?
É importante frear iniciativas como essa
que vai contra a intenção de reduzir a carga sobre a folha de forma ampla e
definitiva.
Melhor trabalhar para coisas que valem a
pena, para todos, e não para uns poucos e com uma fatura que pesa sobre os
demais.
Um comentário:
Verdade.
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