quarta-feira, 28 de junho de 2023

Zeina Latif - Acertar o passo para o futuro

O Globo

Pesa o fato de os impostos sobre o consumo terem grande importância arrecadatória em um país com Estado grande

Há uma combinação de dois fatores no horizonte que aumentam a urgência de reduzir o custo da folha nas empresas: a reforma tributária de criação do imposto sobre o valor adicionado (IVA) — passo fundamental para destravar o crescimento sustentado — e o inevitável avanço no uso de tecnologias modernas.

As novas tecnologias tendem a reduzir a oferta de vagas em atividades operacionais e repetitivas, que são mais facilmente substituídas por máquinas. A automação e a robotização, há décadas, já vinham reduzindo o trabalho de “chão de fábrica”, enquanto as tecnologias digitais passaram a afetar bastante o setor de serviços. O uso de inteligência artificial é mais um passo nessa direção.

Os indivíduos com menor capital humano são os mais afetados. E as consequências sociais são óbvias, especialmente considerando que grande parcela da nossa força de trabalho está em ocupações de baixa qualificação.

O IVA também poderá impactar o mercado de trabalho. Ele tem como característica tributar o valor gerado em cada etapa do ciclo de produção de um bem ou serviço, de modo a eliminar a dupla tributação ou cumulatividade de impostos. Para isso, o sistema gera créditos tributários sobre todo tipo de insumo utilizado na produção de um bem ou serviço — inclusive itens como conta de consumo de energia, serviços de manutenção e aquisição de máquinas.

Ao final, significa tributar o fruto do trabalho, seja de funcionários ou proprietários do negócio.

Como resultado, é provável que empresas optem por substituir pessoas por máquinas ou simplesmente ofereçam serviços ao estilo “faça você mesmo”, para reduzir os preços finais ao consumidor e, assim, elevar a competitividade do seu produto – o que seria facilitado pelo uso de tecnologias modernas. Exemplos seriam a redução do número de atendentes em restaurantes ou de caixas de supermercado.

Pesa o fato de os impostos sobre o consumo terem grande importância arrecadatória em um país com Estado grande. Significa que a alíquota do IVA será acima daquela observada na experiência mundial — possivelmente 25%, ante 19% na OCDE, bem como no Chile e na Colômbia.

Como a proposta de reforma ampliou muito a lista de produtos com tratamento diferenciado por isenções e taxação reduzida, corre-se o sério risco de a alíquota ser superior ao imaginado.

É recomendável, pois, conter o crescimento de gastos públicos para, adiante, se reduzir a carga tributária. Além disso, será necessário aliviar tempestivamente a tributação sobre a folha, com foco nos salários mais baixos. É o que pretende o governo com as etapas subsequentes de reforma tributária.

O Congresso, por sua vez, irá atrapalhar esse caminho, caso renove a desoneração da folha para 17 setores. Trata-se de uma iniciativa de 2011, na gestão Dilma, de caráter temporário, com o objetivo de estimular o emprego, por meio da redução da contribuição previdenciária. Fosse uma medida permanente, para todos os setores, e com fonte de financiamento adequada, seria bem-vinda.

O governo Temer buscou, sem sucesso, eliminar essa política pública em 2017. Em 2018 foi feita a reoneração da folha de 39 dos 56 setores até então beneficiados, como compensação ao acordo com os caminhoneiros, após a grave paralisação.

Bolsonaro, por sua vez, renovou por mais dois anos a desoneração dos 17 setores restantes, que valeria até dezembro de 2021. Isso apesar de evidências quanto à ineficácia da medida para gerar empregos — como a pesquisa do Ipea de 2018, além de outras tantas avaliando a experiência mundial.

Insistindo no erro, tramita no Congresso um Projeto de Lei que visa estender a desoneração até dezembro de 2027.

O atual desenho, com benefício a poucos, é medida equivocada, pois alimenta a complexidade do sistema tributário e fere o princípio de isonomia entre os setores — por exemplo, por que a fabricação de veículos é elegível, mas a de alimentos não?

Além disso, por ser, em princípio, uma iniciativa temporária, tende a perder sua eficácia — por que uma empresa vai rever sua estrutura produtiva se o benefício pode ser eliminado em uma mudança de governo?

É importante frear iniciativas como essa que vai contra a intenção de reduzir a carga sobre a folha de forma ampla e definitiva.

Melhor trabalhar para coisas que valem a pena, para todos, e não para uns poucos e com uma fatura que pesa sobre os demais.

 

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