Valor Econômico
Incontáveis fatores imprevisíveis
influenciam os fundamentos e fogem do alcance dos modelos
Os economistas de mercado que trabalham com
análise de conjuntura têm sido acusados de má-fé com o governo de esquerda por
terem previsto no fim de 2022 uma inflação mais alta e um crescimento mais
baixo para este ano. De fato, a maioria dos analistas julgava que a eventual
vitória do atual presidente seria acompanhada de medidas que contribuiriam para
maior inflação e desaceleração mais expressiva da atividade. Apesar de
reconhecer claro viés político por parte de alguns analistas, prefiro crer que
a maioria errou suas projeções devido à leitura equivocada sobre a dinâmica da
economia.
A capacidade preditiva dos economistas sobre diversas variáveis econômicas é baixa, mesmo quando o time é competente, bem formado e utiliza modelos e instrumentos sofisticados. A subjetividade - apelidada de arte por muitos - é determinante em muitas ocasiões, pois incontáveis fatores imprevisíveis influenciam os fundamentos e fogem do alcance dos modelos.
Há vários exemplos. A robustez das
projeções de inflação para prazos superiores a três meses é baixa. Não se trata
apenas da incerteza sobre a magnitude e a defasagem dos canais de transmissão
das políticas monetária e fiscal. A previsão da inflação mensal está sujeita à
elevada volatilidade da variação dos preços de bens e serviços, aos recorrentes
choques que alteram a sazonalidade dos preços, à demora de atualização dos
índices de preços para adequação da cesta de consumo da população e às
interferências do governo em diversos preços da economia. Esses fatores
explicam, em grande parte, as mudanças de previsão dos últimos seis meses.
Após uma sequência de meses em que a
inflação superou o consenso, acelerando a mediana das expectativas de inflação
IPCA para 2023 do Focus até 6% no fim de abril, houve reversão dessa dinâmica,
com os números mensais recentes passando a ser menores do que as previsões.
Assim, a mediana para este ano diminuiu para 5,1%, com alguns participantes da
pesquisa do já mencionando inflação abaixo de 4,5%.
A instabilidade da inflação explica, em
parte, a razão de a divulgação de um número para o mês corrente diferente do
previsto alterar as projeções dos anos seguintes. Por exemplo, a projeção da
inflação IPCA em 2026 do Focus aumentou de 3,2% no fim de 2022 para 4% no fim de
março por conta de inflação corrente mais elevada e da maior incerteza fiscal.
A partir de então, os números mais favoráveis para os preços e a leitura de que
os cenários fiscais mais extremos são menos prováveis contribuíram para o recuo
da projeção de inflação IPCA em 2026 para 3,7% em 23 de junho.
A capacidade preditiva para a atividade
também é baixa. É usual que as projeções para o ano corrente até meados do 2º
trimestre sejam distantes dos números finais - os analistas só projetam com
maior precisão após a divulgação dos números do 1º trimestre e de indicadores
antecedentes para o 2º trimestre. Apesar de não ser um problema exclusivo do
Brasil, os modelos para a atividade local são frágeis por conta de: séries de
dados curtas; indisponibilidade de estatísticas abrangentes, com escassez de
informações detalhadas por setor, em particular de serviços; desconhecimento
sobre o funcionamento dos diversos canais de transmissão de políticas públicas
sobre a atividade; excessivo número de choques estruturais; e incerteza sobre o
crescimento potencial da economia.
Após permanecer abaixo de 1% por um tempo
prolongado, a divulgação de indicadores de atividade de março e abril
contribuiu para a elevação do consenso das projeções de crescimento do PIB do
Focus para o ano em 0,3 ponto percentual. Depois da divulgação dos números do
1º trimestre, o consenso acelerou para 2,2%, com alguns participantes da
pesquisa mencionando valores acima de 2,5%.
O trabalho do economista de mercado precisa
envolver o acompanhamento da conjuntura econômica e política de forma detalhada
e, ao mesmo tempo, a construção e manutenção de modelos de projeção
sofisticados para inflação, atividade, contas fiscais e balanço de pagamentos,
bem como para trajetórias das taxas de juros e de câmbio. Isso sem considerar
que, muitas vezes, a demanda é pela cobertura não apenas da economia brasileira
como também de outros países e regiões.
Assim, os percalços no desenvolvimento
desse trabalho podem estar sendo erroneamente confundidos como uma má fé dos economistas
com as propostas do governo de esquerda. As composições quase sempre muito
enxutas dos times de analistas da maioria das instituições que participam do
debate conjuntural abrem espaço para um certo ceticismo por parte de técnicos e
políticos associados ao governo sobre manifestações enfáticas por parte da
maioria dos economistas de mercado, ainda mais quando é razoável assumir que
times pequenos não conseguem desenvolver modelos de previsão complexos para
diversas áreas e, ao mesmo tempo, acompanhar a conjuntura de vários países de
forma profunda.
Apesar de não ser possível esperar robustez
a todo instante de suas previsões nos mais variados assuntos e mercados, é
equivocado desqualificar a opinião desses profissionais. Economistas, mesmo que
solitários, mas com muitos anos de formação e de dedicação, podem prover
análises profundas e de qualidade em assuntos específicos.
Em suma, o trabalho do economista que
trabalha com análise de conjuntura e elaboração de previsões está sempre
sujeito a críticas. Um exemplo é a tradução equivocada dos erros das projeções
de crescimento e de inflação para 2023 como sendo uma má fé com as propostas da
esquerda. Como é quase impossível cravar as projeções, mesmo que para prazos
relativamente curtos, críticas, mesmo que distorcidas, conseguem ter
ressonância. Essa confusão, porém, está ligada ao desconhecimento sobre os
obstáculos enfrentados pelos analistas, como também à alguma má vontade. Enfim,
mesmo com todas as dificuldades, o trabalho do economista de mercado pode ser
muito instigante intelectualmente e passível de muito aprendizado.
*Nilson Teixeira, Ph.D. em economia
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