Copom cogitou anunciar queda de juros em agosto
Valor Econômico
Contribuiu para moderar a mensagem do Copom
a expectativa sobre as decisões da reunião de amanhã do Conselho Monetário
Nacional
A ata da reunião do Comitê de Política
Monetária tornou explícito o que já estava implícito no comunicado emitido logo
após o encontro: os juros começarão a cair. A novidade do documento foi a
“avaliação predominante” de que isso poderia ocorrer já em agosto, o que não
foi mencionado no comunicado que, no entanto, dava sinais na mesma direção.
Houve “divergência” no Copom em relação à comunicação dos próximos passos da política monetária. Na visão da maioria, “a continuação do processo desinflacionário em curso, com consequente impacto sobre as expectativas, pode permitir acumular a confiança necessária para iniciar um processo parcimonioso de inflexão na próxima reunião”. Houve acordo, porém, com os que acreditam que é melhor esperar “maior reancoragem das expectativas longas e acumular mais evidências de desinflação nos componentes mais sensíveis ao ciclo”.
Em relação à ata da reunião anterior, houve
melhora de cenário generalizada. No cenário externo, saíram de cena os
“impactos incertos” da quebra de bancos regionais americanos sobre as condições
financeiras nos Estados Unidos e entrou o “limitado contágio” até o momento. No
cenário doméstico, manteve-se a desaceleração gradual da economia, mas com
“menor dinamismo nos setores mais cíclicos da economia”. Isto é particularmente
importante porque as medidas de inflação subjacente a esses setores ainda se
mantêm acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta da inflação, mas
agora “apresentaram incipiente melhora”.
As dúvidas sobre a magnitude da
desaceleração no crédito, suscitadas pela recuperação judicial das Americanas e
de outras grandes empresas, como a Light, em seguida, parecem ter se dissipado.
Para o Copom, a perda de ritmo da oferta de crédito é compatível com o estágio
de aperto da política monetária e deve prosseguir assim. A pressão cambial e do
aumento dos preços das commodities arrefeceu e favorece a desinflação
doméstica.
O real se valorizou perto de 10% no ano,
movimento que se concentrou na sequência da aprovação do arcabouço fiscal pela
Câmara dos Deputados e se consolidou com a melhora da perspectiva de crédito
soberano do país pela Standard & Poors. As commodities pararam de subir, em
especial pelo esmorecimento do crescimento chinês e fraqueza da economia global
e, pelos mesmos motivos, as cotações do petróleo caíram. O barril do Brent
acusava ontem recuo de 37,3% em um ano, a US$ 72, e o WTI, de 38%, a US$ 68 o
barril.
Como informara o comunicado, o Copom deixou
de traçar um cenário alternativo, considerando a permanência da taxa de 13,75%
até o fim do período relevante para a política monetária, um sinal relevante de
que ele se tornara desnecessário. Na ata anterior, esse exercício já mostrava
inflação abaixo da meta em 2024 (2,9%). Da mesma forma, tornou-se inútil a
advertência de que as taxas de juros poderiam voltar a subir caso o processo de
desinflação não ocorresse como esperado.
No cenário de referência, que pressupõe a
redução dos juros a 12,25% até o fim do ano, as expectativas de inflação
melhoraram muito para 2023 (caíram de 5,8% para 5%) e um pouco para 2024, de
3,6% para 3,4%.
Contribuiu para moderar a mensagem das
decisões do Copom a expectativa sobre as decisões da reunião de amanhã do
Conselho Monetário Nacional, que definirá a meta de inflação para 2026 e poderá
modificar as de 2024 e 2025. As pressões para que a meta fosse elevada,
partidas inicialmente do próprio presidente da República, diminuíram. Salvo
surpresa de última hora, a meta de inflação de 3% será confirmada também para
2026 e o prazo para atingi-la deixará de ser o ano calendário para se estender
de 18 a 24 meses. Uma mudança em qualquer dessas definições teria importantes
consequências na atuação do Banco Central, inibindo mensagem mais assertiva
sobre a reunião de agosto.
A disposição de redução da Selic será
cercada de cuidados e o ponto final do ciclo de afrouxamento monetário que se
iniciará será mais alto. Na ata de maio, o Copom discutira a possível elevação
da taxa de juros neutra, sem uma conclusão, exceto a de que se ela fosse mais
alta do que a calculada pelo BC seu impacto seria menos contracionista do que o
contemplado nos cenários da autoridade monetária. Na ata de ontem, o BC toma
como base uma taxa neutra maior, de 4,5%.
Além disso, o Copom avalia que o processo
de desinflação será mais lento e que a desancoragem das expectativas prossegue,
mas com “pequena diminuição na margem”. Por isso, advertiu que prefere pecar
por conservadorismo: “Flexibilizações prematuras podem ensejar reacelerações do
processo inflacionário e, consequentemente, levar a uma reversão do próprio
processo de relaxamento monetário”.
Mas com “paciência e perseverança” e ainda
“parcimônia e cautela”, as taxas de juros, deverão ser reduzidas em agosto, se
nenhum desastre ocorrer até lá.
CMN deve manter intacta governança
monetária
O Globo
Alteração nas metas de inflação ou no prazo
para cumpri-las pode deteriorar as expectativas e pressionar os juros
A reunião de amanhã do Conselho Monetário
Nacional (CMN) — que reúne os ministros da Fazenda, Fernando
Haddad, do Planejamento, Simone Tebet,
e o presidente do Banco Central (BC), Roberto
Campos Neto — é aguardada com ansiedade no mercado financeiro. Está na
pauta a discussão das metas de inflação de
2024, 2025 (ambas hoje em 3%) e 2026. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já
declarou ser favorável a aumentar a meta, por acreditar que isso aliviaria a
necessidade de manter os juros altos para debelar a inflação.
Lula não está apenas errado. A pressão que
faz sobre o BC também prejudica seu objetivo. É até possível defender
academicamente metas mais altas de inflação, mas, neste momento, com a
discussão politicamente contaminada pelo próprio Lula, elas realimentariam a
expectativa inflacionária dos agentes financeiros, forçando o BC a praticar
juros ainda maiores para cumpri-las. A ata da última reunião do Comitê de
Política Monetária (Copom) do BC é didática ao apontar o risco: “As
expectativas de inflação apresentaram algum recuo, mas seguem desancoradas, em
parte em função do questionamento sobre uma possível alteração das metas de
inflação futuras”.
Felizmente, Haddad e Tebet parecem
convencidos de que não é o momento de rediscutir as metas. Depois que a ata
deixou claro estar próximo o horizonte para queda dos juros, a expectativa para
a reunião é outra. Espera-se que o CMN mude apenas a regra de avaliação. Em vez
de estipular que o objetivo seja atingido levando em conta a inflação de
janeiro a dezembro, cogita-se adotar um prazo mais elástico. Haveria uma meta
não anual, mas contínua. É o que acontece noutros países com sistema de metas
inflacionárias (de 36, 29 adotavam prazo superior a um ano, em geral entre 18
meses e três anos, constatou estudo dos economistas Klaus Schmidt-Hebbel e
Martín Carrasco).
Haddad defende que também o Brasil alongue
o período para cumprimento da meta. De acordo com ele, isso evitaria choques
abruptos nas taxas de juros e permitiria combater surtos inflacionários com
mais suavidade. Caso o CMN decida estender o prazo, porém, isso contribuiria
para semear dúvidas. Ninguém sabe como a tal meta contínua funcionaria na
prática. Hoje o presidente do BC é obrigado a se justificar, por meio de carta
pública ao ministro da Fazenda, caso a inflação anual fique fora do intervalo
de tolerância. Qual seria o formato de prestação de contas em caso de meta contínua?
Persistiria a carta anual? Ou haveria carta sempre que a inflação no período de
12 meses ficasse além ou aquém da meta? Nada disso está claro.
Em razão disso, o CMN deveria ser cauteloso
e manter intacta a atual governança monetária. Evitaria, assim, solavancos na
percepção positiva do mercado. Se o governo quer mesmo a queda dos juros, o
principal objetivo da reunião de amanhã tem de ser evitar deteriorar as
expectativas. Mesmo mudanças aceitáveis, como estender o prazo das metas, não
deveriam ser adotadas se houver risco de realimentarem a inflação. Nos termos
da ata do Copom: “Flexibilizações do grau de aperto monetário exigem confiança
na trajetória do processo de desinflação, uma vez que flexibilizações
prematuras podem ensejar reacelerações do processo inflacionário e,
consequentemente, levar a uma reversão do próprio processo de relaxamento
monetário”.
Afinidade ideológica ou pessoal não pode
reger relação com Argentina
O Globo
Não se deve desprezar integração dos
países, mas apoio de Lula a Fernández precisa ir além da motivação política
Alberto
Fernández aproveita a volta ao Planalto do aliado e “amigo”
Luiz Inácio Lula da
Silva para pedir ajuda e tentar tirar do atoleiro uma Argentina com
inflação de 114% e crescimento irrisório. Como tem sido recorrente há 30 anos,
faltam dólares, o câmbio sai do controle, e os preços disparam. Os argentinos
já atravessaram todo tipo de crise e heterodoxia — sem sucesso. Nada há que o
Brasil possa fazer se os próprios argentinos não aceitarem a realidade e
puserem ordem nas contas públicas, como pede o Fundo Monetário Internacional
(FMI).
Diante das dificuldades para arcar com os
compromissos que assumiu com o FMI para estender o pagamento da dívida de US$
44 bilhões, Fernández veio pedir a Lula uma mãozinha para pagar as parcelas que
estão para vencer. Seria o cúmulo o Brasil usar suas reservas de US$ 345
bilhões para transferir divisas aos hermanos. As reservas são um anteparo
contra qualquer aposta global contra o real. Nos momentos de tensão
internacional, servem de lastro a operações que acalmam o mercado e evitam
maiores danos.
Na sua quarta visita a Brasília desde a
vitória de Lula, Fernández foi condecorado com a Ordem Nacional do Cruzeiro do
Sul, honraria máxima que o país concede a um estrangeiro. Lula voltou a falar
na “moeda comum” do Mercosul e se comprometeu a financiar as exportações
brasileiras ao vizinho. São respostas menos dramáticas que simplesmente pagar a
dívida da Argentina, mesmo assim não menos equivocadas.
A moeda comum para o comércio bilateral é
tecnicamente possível, mas exigiria compromissos de ordem fiscal que
dificilmente a Argentina estaria disposta a assumir. Além disso, apenas
ajudaria setores estagnados, sem resolver o problema de fundo da economia
argentina.
Quanto à ajuda do BNDES às exportações, o
que há de concreto é o financiamento dos itens necessários à construção de um
gasoduto ligando a reserva de Vaca Muerta, no interior da Argentina, ao Brasil.
Quando negócios se misturam a ideologia e amizade, porém, é grande a chance de
decepção (basta lembrar os calotes de Venezuela, Cuba e Moçambique no BNDES).
Não se deve desprezar o grau de integração entre as duas maiores economias do continente, nem que a Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil e maior importador de manufaturados brasileiros. Mas é preciso que a motivação do apoio a Fernández não seja apenas afinidade ideológica. Para começar, porque não há garantia de que os peronistas permaneçam no poder nas eleições presidenciais de outubro (o Planalto torce por Sergio Massa, atual ministro da Economia, mas o favorito nas pesquisas é o populista Javier Milei). Conhecendo o histórico de Lula, o mínimo a exigir é que o Planalto condicione qualquer negócio futuro ao pagamento dos atrasados e que cuide bem das garantias.
O teste do BC
Folha de S. Paulo
Dissenso no juro tende a ser mais comum;
cumpre fortalecer transparência
Uma contrapartida essencial à autonomia
concedida a órgãos públicos é a transparência de seu processo decisório. Um
exemplo oportuno dessa condição pode ser vista na ata, divulgada nesta
terça-feira (27), da reunião do Banco Central que decidiu manter a taxa básica
de juros em 13,75% ao ano.
Segundo o documento, embora a permanência
da Selic tenha sido aprovada por unanimidade do Comitê de Política Monetária
(estavam presentes 8 dos 9 membros do Copom), houve divergência quanto à
sinalização dos próximos passos da instituição.
A maioria do colegiado avaliou que, com a
continuidade da queda da inflação corrente e da esperada no futuro, haverá
condições para iniciar um corte cauteloso dos juros em agosto. Já
para outro grupo, diz a ata, é preciso aguardar mais dados sobre o
comportamento dos preços e da atividade econômica.
A exposição pública da discordância
contribui para qualificar um debate em que não raro se mistura demagogia
política a anseios legítimos da sociedade —não é segredo que o Copom se
encontra sob pressão pela
queda das taxas comandada por ninguém menos que o presidente da República.
Com a adoção de mandatos alternados de
quatro anos para o presidente e os diretores do BC, é provável que nos próximos
anos se veja mais dissenso nas decisões sobre as taxas de juros. Pela primeira
vez na história do país, afinal, haverá convivência de nomes definidos por
governos distintos.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já fez suas
duas primeiras indicações para o órgão e, a partir de 2025, deverá ter
escolhido a maioria de seus dirigentes, enquanto vão se encerrando os mandatos
dos indicados por Jair Bolsonaro (PL).
A divergência é natural e saudável, dado
que políticas de juros podem se valer de diferentes diagnósticos e estratégias.
É fundamental, no entanto, que o objetivo seja sempre proteger a sociedade dos
danos de uma inflação elevada —e que todas as posições e decisões tenham sólida
base técnica.
Foi esse o entendimento que levou à
autonomia do BC, respeitada, em formatos variados, na quase totalidade do mundo
desenvolvido e em grande parte dos países emergentes. No Brasil, o modelo
apenas começa a ser testado.
Há que fortalecer continuamente o processo
decisório e a prestação regular de contas aos cidadãos, que têm o direito de
conhecer os motivos a sustentar medidas de tamanho impacto em seu cotidiano.
Visado pelo governo Lula, o regime de metas
de inflação também pode, ao menos em tese, ser aperfeiçoado. Será grave erro,
porém, buscar um afrouxamento na ilusão de que assim haverá crescimento
econômico maior e duradouro.
Orgulho punido
Folha de S. Paulo
Repressão a parada LGBTQIA+ na Turquia é
exemplo de obscurantismo que persiste
Mais de cem pessoas detidas: esse foi
o saldo da
repressão à última parada do orgulho LGBTQIA+ em Istambul, na Turquia,
realizada no domingo (25). A censura ao movimento já estava anunciada.
No início do mês, durante seu discurso de
reeleição, o presidente Recep Tayyip Erdogan comparou pessoas LGBTQIA+ a
"pestes" e chamou-as de "pervertidas".
Na Turquia, a afronta às comunidades gay e
trans não é novidade. Desde 2014, devido a uma manifestação com mais de 100 mil
pessoas, a repressão tem sido mais comum, sob o pretexto de segurança.
Segundo o último relatório "Homofobia
de Estado", da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Trans e Intersexuais (ILGA, em inglês), de 2020, foram identificadas barreiras
legais contra a liberdade de expressão sobre diversidade sexual e de gênero em
37% dos países da África, em 40% da Ásia, 8% da Europa e 3% na América Latina e
Caribe.
O continente europeu é o mais avançado em
relação aos direitos LGBTQIA+, mas há exceções principalmente nos países do
leste, como a Turquia e a Rússia.
O Parlamento russo aprovou, em 2022, uma
lei que veta realização de paradas e veiculação de conteúdo publicitário que
mostre relacionamento entre pessoas do mesmo sexo. Na quarta (14), foram proibidas
cirurgias de redesignação sexual e alteração de gênero em documentos de
identificação.
Na Ásia, a China vem intensificando medidas
homofóbicas. A parada do orgulho foi proibida em Xangai, e bares da comunidade
gay e trans da cidade tiveram licenças cassadas. O Centro LGBT de Pequim foi
fechado divido à proibição de doações do exterior e à censura de campanhas nas
redes sociais.
Há ainda os casos extremos. De acordo com a
ILGA, 68 de 193 países criminalizam relações sexuais entre pessoas do mesmo
sexo. Nenhum deles está na América do Norte ou na Europa. Mas a prática campeia
em África (em 59% das nações), Ásia (52%), Oceania (43%) e América Latina e
Caribe (27%).
Em abril,
Uganda radicalizou sua legislação, ao estipular prisão perpétua para
relações homossexuais e tornar ilegal o indivíduo que se identifique como
homossexual.
No último século, o mundo indiscutivelmente avançou em proteção e direitos para pessoas LGBTQIA+. Contudo, em muitas regiões, ainda impera o obscurantismo moral —o que só demonstra a importância das paradas de orgulho.
BC passa a bola ao governo
O Estado de S. Paulo
Em ata sobre manutenção da Selic, Copom
sinaliza que pode começar a baixar juros se o governo colaborar na ancoragem
das expectativas de inflação, pois ainda há muitas incertezas
A exemplo do que já havia ocorrido em
fevereiro, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC)
também manteve a taxa básica de juros em 13,75% ao ano, o tom da ata foi mais
ameno que o apresentado no comunicado divulgado após a reunião. Mas, pela
primeira vez em sete trimestres, a autoridade monetária abriu a possibilidade
de começar a reduzir os juros.
Como esperado, na ata, a autoridade
monetária trouxe uma leitura mais atual sobre os cenários externo e interno. A
despeito da persistência da inflação global, os bancos centrais dos Estados
Unidos e da Europa permanecem determinados a perseguir suas metas. No Brasil, a
economia segue em desaceleração gradual; as expectativas para a inflação deste
ano e de 2024 recuaram, mas continuam acima das metas traçadas para ambos os
períodos.
Foram outros os trechos da ata que mais
chamaram a atenção dos analistas. O primeiro é o fato de que o BC elevou a
estimativa de taxa de juros real neutra de 4% para 4,5% ao ano – ou seja, o
nível de juros que considera necessário para estabilizar os preços ao longo do
tempo. Isso significa que o custo do processo desinflacionário subiu. Como o BC
argumentou, esse aspecto não é exclusividade do Brasil, mas é fato que as
características inerentes à economia brasileira trazem mais dificuldades e
lentidão para a contenção da inflação.
A ata também trouxe respostas aos que
cobraram explicações para a manutenção da Selic em 13,75% ao ano, como o
governo, o setor produtivo e uma parte do segmento financeiro. Mais do que
justificativas contundentes, o BC reconheceu haver, entre seus próprios
diretores, divergências sobre a melhor forma de conduzir a inflação à meta a
partir de agora.
Enquanto uma parte do Copom ainda está
cautelosa em relação aos próximos passos, sobretudo em razão dos componentes
mais voláteis da inflação, a maioria dos diretores manifestou confiança para
começar a reduzir os juros com parcimônia – trecho mais importante da ata,
segundo avaliou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
A prévia da inflação oficial, o IPCA15 de
junho, trouxe argumentos a favor das duas alas. O índice subiu pouco, apenas
0,04%, e três dos nove grupos de produtos e serviços registraram deflação,
entre os quais Alimentação e Bebidas e Transportes, que tanto comprometeram o
orçamento dos consumidores nos últimos meses. Mas os serviços, de forma geral,
continuam muito resistentes, os núcleos seguem acima da meta e o preço das
passagens aéreas, que contribuiu significativamente para reduzir o índice cheio
em maio, voltou a subir, o que corrobora com um cenário de desaceleração mais
lenta da inflação.
Se ainda há incertezas sobre a conjuntura
inflacionária, o que é certo é que o governo pode colaborar muito nesse
processo. Depois de receber vários recados nada amistosos por parte do
presidente da República e de seus ministros, o BC usou a ata para dividir com
eles a responsabilidade por domar o comportamento dos preços.
Na ata, a autoridade monetária deixou claro
que “decisões que induzam à reancoragem das expectativas e que elevem a
confiança nas metas de inflação contribuiriam para um processo desinflacionário
mais célere e menos custoso, permitindo flexibilização monetária”. Em outro
trecho do documento, o BC reconheceu o recuo nas expectativas de inflação, mas
ponderou que elas seguem desancoradas, “em parte em função do questionamento
sobre uma possível alteração das metas de inflação futuras”.
Diferentemente do que o ministro Haddad
declarou (que o documento do BC é o reconhecimento de que o País está no
caminho certo na área fiscal), são esses os trechos mais importantes da ata.
Neles, há um pedido ao governo para que não abuse da maioria que tem no
Conselho Monetário Nacional (CMN) para alterar as metas e tolerar uma inflação
mais alta no futuro. O órgão se reúne amanhã para reavaliar os objetivos de
2024 e 2025 e estabelecer o de 2026. A decisão do CMN pode definir a trajetória
dos juros daqui para a frente. Espera-se que o governo tenha sabedoria para
fazer sua parte.
A independência da Justiça é inegociável
O Estado de S. Paulo
Aplicação equilibrada da lei é condição
indispensável ao País. Indicações políticas de Lula e Bolsonaro ao STF
alimentam o retrocesso. Judiciário precisa resgatar sua autoridade
Interpretações excêntricas do ordenamento jurídico
podem causar muitos e graves danos. Exemplo atual é o caso do art. 142 da
Constituição. Por meio do marco constitucional de 1988, o País conseguiu
restabelecer o regime democrático, assegurando, entre outros pontos, a
separação e a independência dos Poderes. Não há nenhuma dúvida quanto a isso: a
Constituição de 1988 veio instaurar o Estado Democrático de Direito.
No entanto, apesar de toda a clareza, há
quem pretenda utilizar o texto constitucional de 1988 – no caso, o dispositivo
sobre as Forças Armadas – como justificativa para autorizar uma intervenção
militar no País, afrontando os princípios democráticos mais básicos. Em algumas
vezes, a manobra é defendida abertamente. Noutras, falase em um suposto papel
de moderação e de harmonia institucional que caberia às Forças Armadas exercer.
Num e noutro caso, trata-se de violação da Constituição. No Estado Democrático
de Direito, o poder é civil, sem nenhum tipo de tutela militar.
A desvirtuação golpista do art. 142 é um
caso extremo. Mas são inúmeras as situações em que interpretações equivocadas
do Direito – sobre, por exemplo, as liberdades individuais, a atividade
econômica, a vida política e as relações trabalhistas – podem causar graves
prejuízos ao País. A depender da aplicação que é dada à lei, em vez de reduzir
as desigualdades, a Justiça pode contribuir para reproduzir e intensificar
privilégios. Em vez de favorecer o desenvolvimento econômico, ela pode impor
mais empecilhos e incertezas ao ambiente de negócios.
A importância de uma interpretação adequada
do Direito remete diretamente à importância da composição dos tribunais
superiores: Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Superior do Trabalho
(TST), Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Superior Tribunal Militar (STM) –
além, por óbvio, do próprio Supremo Tribunal Federal (STF). Esses órgãos
colegiados definem a interpretação que deve ser dada à Constituição e às leis.
De forma muito concreta, eles definem qual é o Direito no País.
Ciente do papel fundamental do STF e dos
tribunais superiores no funcionamento do regime democrático, a Constituição
definiu procedimentos e requisitos exigentes – reputação ilibada e notável
saber jurídico – para o preenchimento desses cargos. Houve nítida preocupação
do legislador constituinte para que esses órgãos não ficassem reféns do
corporativismo das carreiras públicas. Na definição dos integrantes desses
tribunais, o papel fundamental caberia ao Executivo e ao Legislativo, por meio
da sabatina no Senado.
Infelizmente, nos últimos anos, as
lideranças políticas parecem ter perdido a noção de sua responsabilidade,
institucional e democrática, no preenchimento desses cargos. Em vez de
fortalecerem o caráter técnico das indicações, respeitando a exigência
constitucional do notável saber jurídico, os chefes do Executivo federal vêm
fazendo o oposto. Jair Bolsonaro e Lula da Silva podem ter muitas diferenças,
mas o fato é que os dois, com as últimas indicações ao Supremo, atuaram na
mesma direção: a deterioração institucional da Corte com a indicação, por motivos
não republicanos, de pessoas notoriamente abaixo das exigências do cargo.
O País tem um problema gravíssimo quando
suas duas grandes forças políticas atuam em detrimento da independência da
cúpula do Judiciário. Não há discurso a favor da democracia ou da liberdade
individual capaz de reparar o profundo dano que é colocar no Supremo pessoas
sem a devida qualificação, por razões meramente políticas. Para piorar, o
Senado tem sido conivente com esse retrocesso que afeta o funcionamento do
Estado e toda a vida em sociedade.
É preciso cobrar maior responsabilidade do
Executivo e do Legislativo, punindo nas urnas quem age no cargo contrariamente
ao interesse público. Mas também o Judiciário pode e deve reagir. Diante dessas
tentativas de manipulação, que minam sua autoridade, cabe à Justiça zelar
especialmente por sua colegialidade e pela rigorosa fundamentação técnica de
suas decisões.
Honra ao mérito
O Estado de S. Paulo
Presidente argentino volta a pedir ajuda a
Lula, mas, de concreto, levou só uma condecoração
Em sua quarta visita a Brasília desde a
posse de Lula da Silva, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, não
disfarçou seu propósito de pedir ajuda ao Brasil. “O que faz um amigo que está
com problemas? Pede ajuda aos amigos, e os amigos sempre estão aí”, afirmou, no
último dia 26, depois de ser condecorado com a Ordem Nacional do Cruzeiro do
Sul. Fernández embarcou de volta a Buenos Aires carregado do simbolismo de sua
“aliança” com o líder da esquerda brasileira. Sobre o essencial – o auxílio
para o alívio da crise econômica de seu país–, levou velhas promessas que Lula
não parece capaz de cumprir.
Lula repetiu seu plano de criação, pelo
BNDES, de uma linha de financiamento “abrangente” para as exportações
brasileiras para o setor produtivo argentino. O mecanismo atual se vê travado
pela falta de garantias dos importadores e resultou na perda comercial, para o
Brasil, de fatias do mercado vizinho, sobretudo para a China.
Também de garantias, avalizadas pelo
Ministério da Fazenda, depende o financiamento do mesmo BNDES aos embarques de
produtos e serviços para a obra do gasoduto que ligará as jazidas de Vaca
Muerta, na Patagônia, aos centros urbanos da Argentina. Há interesse na
extensão das tubulações ao Sul do Brasil. De novo, a questão de fundo é o risco
de inadimplência.
Diante de Fernández, Lula retomou seu
projeto de instituir uma moeda de referência como panaceia para alavancar o
comércio bilateral. A medida tem tantos obstáculos quanto as 100 ações do Plano
de Ação para o Relançamento da Aliança Estratégica, anunciado para dar
substância ao encontro.
A Argentina atravessa rápida e profunda
deterioração econômica e, dado seu histórico de calotes da dívida, tem poucas
vias solidárias. Buenos Aires recorreu aos Estados Unidos, à China e aos
europeus, sem sucesso, e sabe que seu cenário caótico não interessa ao Brasil.
Ambas as nações mantêm elevado grau de integração, proporcionado pelo Mercosul
e por acordos bilaterais, e estão vulneráveis às crises do outro lado da
fronteira. Uma resposta robusta do Brasil teria inegável legitimidade – se
houvesse condições para tanto.
Há preocupação, deste lado da fronteira,
com o momento político na Argentina. O governo Fernández se vê atropelado pela
facção peronista de sua vice-presidente, Cristina Kirchner, e sob risco de
derrota de seu candidato e ministro da Economia, Sergio Massa, nas eleições de
22 de outubro. A Lula e ao PT não interessam a vitória da oposição de
centro-direita e, menos ainda, do radical de direita Javier Milei.
Em boa medida, a tranquilidade das eleições
argentinas e a mínima sustentação da economia dependem dos desembolsos do Fundo
Monetário Internacional (FMI) no segundo semestre, ainda incertos. Não há
dúvidas sobre a interlocução do Brasil em favor da Argentina. A interrogação
está na resposta a ser dada pelo Fundo. A única certeza deixada pela quarta
visita de Fernández a Lula foi a colheita magra. De concreto, nada levou além
da medalha no peito.
Correio Braziliense
Não dá para esperar que uma tragédia ocorra
para tomar providências, como na Inglaterra nos anos 1980 com os torcedores
ingleses, conhecidos como hooligans
O futebol é uma paixão nacional e, muitas
vezes, palco para a catarse dos problemas que afligem os brasileiros no dia a
dia. Não há dúvida quanto a isso, mas, cada vez mais, o esporte bretão tem se
tornado espaço para violência, seja nas arquibancadas, seja nas invasões de
centros de treinamento e ameaças a jogadores e treinadores, com atitudes
intimidadoras. É preciso conter manifestações de violência. Há muito dinheiro e
milhões de brasileiros envolvidos com a prática desse esporte no país, que
tornou o Brasil um dos maiores campeões do mundo, brilho que vem perdendo em
competições diante de adversários internacionais.
Episódios como os verificados na partida
entre Santos e Corinthians, na Vila Belmiro, em São Paulo, e no jogo entre
Vasco e Goiás, em São Januário, no Rio de Janeiro, com torcidas organizadas
atirando sinalizadores contra adversários, arrancando cadeiras da arquibancada
para arremessar no campo, briga entre torcedores e confronto com a polícia não
são, infelizmente, novidades no futebol brasileiro. E, mais uma vez, a punição
parece branda e insuficiente para coibir novos atos. Vasco e Santos, mandantes
das partidas da semana passada, jogam agora sem torcida, deixam de faturar com
bilheteria, mas não perdem direito de imagem. Os torcedores ficam impedidos de
ver seu clube no campo, mas não deixam de assistir pela TV. E os verdadeiros
responsáveis pelos atos de selvageria ficam impunes ao receberem a mesma
punição que os demais torcedores.
É preciso que clubes revejam a relação que
mantêm com suas torcidas organizadas e as autoridades assumam que não é
possível considerar que sejam atos isolados. Não dá para esperar que uma
tragédia ocorra para tomar providências, como na Inglaterra nos anos 1980 com
os torcedores ingleses, conhecidos como hooligans. Em 1985, um confronto entre
eles e italianos, na final da Liga dos Campeões da Europa, entre Liverpool e
Juventus, deixou 39 mortos e cerca de 450 feridos. Os clubes ingleses foram
proibidos de participar de competições internacionais por cinco anos. Pareceu
pouco. Em 1989, em um jogo do campeonato inglês, entre Liverpool e Nottingham
Forest, a superlotação de um espaço cercado provocou a morte de 96 pessoas por
esmagamento e deixou outros 766 feridos, num dos maiores desastres do futebol
mundial.
Para impedir novas ocorrências, o governo
de Margaret Thatcher, então primeira-ministra, decidiu proibir o consumo de
bebidas nas dependências dos estádios e determinou a transformação da conduta
desordeira nos estádios e arredores em crime, além de obrigar a adoção de
cadeiras numeradas nos estádios e o aumento do valor dos ingressos. O resultado
salta aos olhos com o campeonato inglês sendo considerado hoje um dos melhores
do mundo. Nem de longe imaginamos que no Brasil se chegue ao grau de violência
promovido pelos hooligans, mas não se pode esperar por isso. É nesse sentido
que é preciso agir para evitar que ocorrências esporádicas não se tornem
prática comum, elevando o grau de violência pela omissão das autoridades.
Ainda que não exista correlação direta, foi a partir do fim da violência nos estádios que o futebol inglês passou a se destacar. Quem sabe, trazendo o exemplo de medidas adotadas lá, o Brasil comece a dar nova estrutura para os clubes e suas torcidas de forma a eliminar a ação de bandidos travestidos de torcedores, que, em lugar de apoiar seus times nos momentos mais difíceis, partem para as agressões. É preciso identificar e punir esses vândalos que transformam em batalha a atitude de torcer.
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