O Globo
O orçamento secreto continua — eis o mantra
desta coluna
Não há qualquer problema, per se, na
existência de emendas parlamentares; na distribuição de dinheiros provenientes
de emendas às regiões de deputados e senadores.
Os legisladores têm a previsão formal de
destinar recursos à ponta; ao governo cabendo a gestão do tempo sobre a
liberação desses valores. Ante agendas-votações de seu interesse, como a
reforma tributária, vício nenhum haverá — conceitualmente — no encaminhamento
das granas; mecanismo que compõe a gramática da atividade política,
especificamente a dinâmica da linguagem parlamentar. É do jogo.
A criminalização do pagamento de emendas
resulta, já resultou, em Jair Bolsonaro.
Nem toda emenda, porém, obedece aos princípios que valorizam — e mesmo justificam — o exercício legislativo.
Em 2022, o STF declarou a
inconstitucionalidade da emenda do relator — o orçamento secreto — conforme
pervertida pelo governo Bolsonaro. Durante a campanha eleitoral, Lula bateu
firme na prática. Ao final do ano, já eleito, abençoou uma costura que,
articulando as aprovações da PEC da Transição e da Lei de Diretrizes
Orçamentárias, pactuou formalmente a continuação — deslocado e camuflado — do
sistema operacional do orçamento secreto.
Estava desenhada, na LDO, a arquitetura;
postas as bases a que o orçamento secreto encontrasse os trilhos da permanência
sob Lula. E houve um acordo para que metade dos bilhões originalmente
designados às emendas do relator migrasse para sob as asas dos ministérios —
com a condição de que esses dinheiros se mantivessem como propriedade dos
parlamentares, o rumo das granas respeitando a partilha entre padrinhos na
forma combinada antes da decisão do Supremo.
O acordo demorou a ser cumprido, os elmares
reclamaram muito; mas começou a andar. No momento mais dramático, decisivo, do
semestre, o trem se moveu. E, enfim, a execução do orçamento secreto, nos
termos firmados em dezembro, pelo governo Lula. A cama estava feita. Havia
meses. Era só deitar.
(Também disparados bilhões, nos últimos
dias, em emendas Pix, aquelas que caem direta e difusamente nos cofres dos
municípios, sem a exigência de atrelamento a um programa — mecanismo forjado
para inviabilizar qualquer fiscalização.)
A revista piauí, na pena de Breno Pires,
publicou (em 7 de julho) reportagem dedicada exclusivamente à liberação de
emendas — relativas a volume remanescente do orçamento secreto — pelo
Ministério da Saúde. Somente, frise-se, pelo Ministério da Saúde.
Tem método no arranjo. Arthur Lira e seus
liristas fizeram, nas últimas semanas, poderosa carga pelo controle da pasta.
Levaram — levarão — a Funasa, a ser recodevasfizada, e garantiram a derrama de
R$ 679 milhões do espólio do orçamento secreto; dos quais R$ 197 milhões para
Alagoas, dos quais R$ 18 milhões para o hospital cuja diretora financeira é
prima de Lira.
Isto é o orçamento secreto. Emenda
empregada autoritariamente. Que privilegia os donos do Parlamento e seus
aliados. Os R$ 197 milhões para o estado do presidente da Câmara representando
29% de tudo que a Saúde soltou do saldo do orçamento secreto. Alagoas, de Lira,
o estado mais beneficiado do Brasil. E o hospital Veredas, de que Lira cuida
com esmero, longe de ser o maior filantrópico da capital, ademais todo enrolado
em dívidas, levando mais recursos — apenas o hospital, ressalte-se — que 18
estados brasileiros.
Isto é o orçamento secreto. Emenda
distribuída obscuramente. Para que seja quase impossível rastrear o destino dos
dinheiros e seus patronos. (Pode ser qualquer um entre os presentes no cruzeiro
do Safadão.) No caso do Veredas, o Ministério da Saúde de Nísia Trindade — como
fazia o governo Bolsonaro de Pazuello — não detalhou para onde foram os
milhões. Informação que a piauí só obteve por meio de consulta à secretaria
municipal de Maceió.
O orçamento secreto não ataca somente os
princípios da transparência e da equidade na gestão pública. É estrutura
perfeita à constituição de esquemas de corrupção; como aquele que, por meio do
FNDE e com dinheiros das emendas do relator, transformou a aquisição de kits de
robótica por municípios alagoanos (compra feita a empresa de gente chegada a
Lira) em episódio de superfaturamento e lavagem de dinheiro. Caso cuja
investigação o STF, que declarou a inconstitucionalidade do orçamento secreto,
não quer que ocorra.
O orçamento secreto continua — eis o mantra
desta coluna.
De modo que: sendo certo que não se deve
criminalizar o conceito republicano de emendas parlamentares, certo igualmente
é que a defesa da legitimidade das emendas não pode encobrir o fato de que Lula
as está pagando sob a mesma engrenagem concebida e consagrada por Bolsonaro.
Não convém esperar por produtos diferentes.
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