O Globo
O amadurecimento do debate facilita o
avanço em temas polêmicos ou que demandam enfrentamento de grupos organizados
Com frequência se minimiza a importância do
debate público tecnicamente embasado em dados e evidências, mas trata-se de
ingrediente essencial para o avanço de reformas estruturantes, inclusive em
contextos de alternância de poder, reduzindo o risco de um governante não dar
sequência a reformas iniciadas pelos antecessores.
O amadurecimento do debate facilita o esforço e até empurra a classe política para avançar em temas polêmicos ou que demandam enfrentamento de grupos organizados. O debate tecnicamente robusto reduz o espaço de manipulação de informações com vistas a ganhar a opinião pública. Um exemplo recente, na discussão da Reforma Tributária, foi afirmar que os pobres serão prejudicados, quando pesquisas mostram o contrário.
Bolsonaro era contra a Reforma da
Previdência, mas permitiu seu avanço, possivelmente por conta do aprofundamento
do debate público, que foi munido com informações, dados e projeções dos gastos
com aposentadorias e pensões, pelo governo Temer. Foi ficando claro para a
classe política, e na opinião pública, que o rápido envelhecimento populacional
exigia reformas nas regras previdenciárias.
Teria sido erro histórico o governo
Bolsonaro não aprovar a Reforma da Previdência. O mesmo vale para a aprovação
da Reforma Tributária pelo governo Lula.
A fatura da Reforma Tributária não foi
liquidada, cabendo debate qualificado no Senado sobre quais setores deveriam
voltar para a regra geral do IVA, com base no custo de cada regime especial
criado e no grupo social beneficiado. A escolha política não pode prescindir
dessas informações técnicas.
Quais os passos seguintes?
Além do cuidado com o projeto de lei
complementar para regulamentar a matéria, será importante viabilizar a redução
da tributação sobre a folha para salários mais baixos — tema da coluna de 28 de
junho. Não será tarefa fácil, pois a perda de arrecadação precisa ser
compensada, o que viria, em princípio, da reforma do Imposto de Renda.
Este, porém, é um tema pouco maduro no
debate público, e que enfrenta muitas resistências, principalmente no que diz
respeito à melhor forma de tributar dividendos e de eliminar a injusta
diferença entre a tributação do assalariado na CLT e do profissional liberal na
“pejotinha”.
Outro tema importante será a validação do
acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE). Pauta
antiga, que ganhou força nos últimos anos, culminando na aprovação do acordo em
2019. O assunto voltou, porque a UE apresentou novas exigências do lado
ambiental, e o Brasil respondeu propondo rediscutir o capítulo relativo a
compras governamentais, defendendo uma abordagem mais protecionista,
especialmente no setor de saúde.
Além de a estratégia brasileira ser ameaça
ao acordo, ela se presta a proteger empresas do setor quando o correto seria
privilegiar a qualidade do SUS, como aponta Marcos Mendes. Falta a análise
técnica dessa proposta.
Mereceria ainda empenho do governo na
urgente contenção de gastos obrigatórios que comprometem o orçamento federal,
como apontado por recente relatório do Tesouro. Por ora, só se fala em aumento
de gastos, enquanto deveríamos discutir caminhos para reduzir a carga
tributária — e as alíquotas futuras do IVA.
Avançar no debate de temas cruciais traria
grande ganho, pois poderia viabilizar reformas em governos futuros. Vale citar
alguns temas.
Precisamos debater a universidade gratuita
para os mais ricos. Os recursos não seriam suficientes para custear a universidade,
mas ajudariam a financiar a pesquisa e apoiar alunos carentes, mais vulneráveis
à evasão por falta de recursos financeiros. Além disso, seria mais justo
socialmente.
Precisamos debater a reforma
administrativa, incluindo a estabilidade do funcionalismo, que poderia ser
apenas para as carreiras de estado — sem equivalente no setor privado. Além da
economia de recursos, contribuiria para prover maior flexibilidade na gestão da
máquina, visando à qualidade dos serviços públicos.
Precisamos debater o papel de agências
reguladoras e empresas públicas, avaliando a melhor forma de gestão e de uso
eficiente dos recursos públicos.
O governo conta com técnicos competentes
para avaliar políticas públicas. Deveria valorizar esse trabalho. Fomentar o
debate público sobre as muitas formas de ação estatal deveria estar no plano do
governo.
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