quarta-feira, 19 de julho de 2023

Bruno Boghossian - Aras é um pacote completo

Folha de S. Paulo

Políticos festejam ação da PGR contra excessos da Lava Jato, mas é impossível ignorar pacote completo

Para conseguir o cargo pela primeira vez, Augusto Aras piscou para Jair Bolsonaro. O aspirante ao comando da PGR driblou a eleição para a tradicional lista tríplice e moldou uma candidatura que agradava ao presidente. Definiu seu perfil como conservador, defendeu um alinhamento com a agenda do governo e disse que ações de proteção do meio ambiente "não podem ser radicalizadas".

Foi "amor à primeira vista", como disse Bolsonaro. E era só o começo. Sentado na cadeira, Aras ofereceu um procurador-geral que não incomodava e, em momentos de crise, ajudava a desviar alguns disparos feitos pelo caminho. Foi reconduzido ao cargo sem esconder essa aliança.

Com o segundo mandato perto do fim, Aras voltou ao modo campanha. Numa prestação de contas feita sob medida para um novo público, o procurador-geral expõe suas impressões digitais no enterro da Lava Jato, faz propaganda da atuação do Ministério Público na Amazônia e, sem corar, jura que o órgão não hesitou em investigar Bolsonaro.

Há três possíveis motivações para o esforço: ele só tenta limpar a própria barra antes de se aposentar, acena ao campo de Lula para influenciar a escolha do sucessor ou faz uma pirueta para convencer o petista a indicá-lo para um novo mandato.

Mais gente leva a sério a terceira hipótese do que permite o marketing do procurador. O centrão quer a recondução porque Aras reduziu a temperatura de investigações contra políticos. Cardeais petistas seguem um caminho parecido, com o argumento de que o chefe da PGR enfrentou os abusos da Lava Jato.

Aras poderia ser apenas um guardião intransigente do direito de defesa, garantir uma luta incansável contra os excessos do Ministério Público e até prometer proteção coletiva à classe política, mas é impossível ignorar o pacote completo. Um terceiro mandato seria um prêmio à blindagem oferecida a Bolsonaro por uma gestão que chegou a questionar a eficácia de máscaras durante a pandemia e descreveu ensaios golpistas como festas democráticas.

 

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