Apesar de avanços, governo precisa evitar retrocessos
Valor Econômico
O viés intervencionista do PT se manifesta
ainda no desejo de minar aspectos da Lei das Estatais
Embora haja avanços na agenda econômica, o principal deles, a aprovação histórica da reforma tributária na Câmara dos Deputados, ainda há muitos desafios a serem enfrentados a curto e médio prazos no país. A reforma tributária terá de ser analisada pelo Senado, que vai precisar fazer correções sem perder o foco na aprovação do texto. Outro tema importante na área econômica são as mudanças no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), instância que julga litígios entre contribuintes e a Receita Federal. O Planalto conta com as novas regras do Carf - também pendentes do escrutínio pelos senadores depois de passarem pela Câmara - para assegurar o cumprimento do arcabouço fiscal, que se apoia em forte crescimento das receitas. A legislação que substitui o teto de gastos enfrentará mais uma votação dos deputados, prevista para agosto.
Também no começo do próximo mês está
programada a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central,
que deve começar o ciclo de corte na taxa básica de juros (Selic), segundo
estimativas de mercado. A Selic situa-se em 13,75% ao ano. A deflação
registrada no IPCA, em junho, é um dado que pode ajudar no movimento de corte
dos juros, embora a inflação de serviços ainda seja um ponto de atenção.
Em meio a boas notícias, surpreendeu a
divulgação, na segunda-feira (17), do Índice de Atividade Econômica do Banco
Central (IBC-Br), considerado como uma prévia do Produto Interno Bruto (PIB). O
IBC-Br caiu 2% em maio, na comparação dessazonalizada com abril. A queda do
IBC-Br reflete, em uma primeira leitura dos dados, o fim do impulso sazonal da
colheita da safra e também a queda do varejo, de abril para maio. Mesmo assim,
em 12 meses o indicador apresentou avanço de 3,43%.
O IBC-Br tem metodologia de cálculo
distinta das contas nacionais calculadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE). O indicador do BC é de frequência mensal e permite
acompanhamento mais periódico da evolução da atividade econômica, enquanto o
PIB, de frequência trimestral, descreve um quadro mais abrangente da economia.
Se espera que uma vez passado o efeito
registrado pelo IBC-Br em maio, a economia brasileira tenha comportamento mais
próximo das projeções das instituições financeiras e consultorias, que preveem
um PIB rodando perto da estagnação no segundo trimestre do ano.
Fazendo coro às pressões do presidente da
República pela redução dos juros, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse
esta semana que o resultado do IBC-Br era esperado dada a “pretendida
desaceleração da economia” pelo Banco Central.
A mediana das projeções dos economistas do
mercado para o crescimento da economia brasileira, em 2023, subiu de 2,19% para
2,24%, segundo a última projeção do Relatório Focus, do Banco Central. Para a
Selic, a mediana das estimativas manteve-se em 12% no fim do ano, enquanto as
projeções para a inflação permaneceram em 4,95%, acima do centro da meta do BC
para o ano que é de 3,25%.
É importante que o governo, além de seguir
trabalhando pela melhoria do cenário macroeconômico, se preocupe também em
aprimorar as condições regulatórias e dê sinais positivos de forma a atrair
mais investimentos privados para áreas vitais como infraestrutura, o que inclui
o saneamento básico e o setor de energia, entre outros.
Preocupa nesse sentido medidas que o atual
governo vem tomando, desde o primeiro dia do mandato, para enfraquecer arranjos
institucionais nos quais o país avançou. Um caso evidente é o do marco de
saneamento, cujas regras foram aprovadas em 2020 e permitiram alavancar
investimentos privados no setor. Como publicou este jornal, desde que o novo
marco do saneamento foi aprovado foram realizados 28 leilões, que contrataram
R$ 98 bilhões em investimentos, segundo a Associação Brasileira das
Concessionárias Privadas de Água e Esgoto (Abcon).
O mais indicado, portanto, seria que o
governo mantivesse a legislação aprovada há três anos como forma de
universalizar os serviços de fornecimento de água tratada e de coleta de
esgoto. Apesar de nos últimos dias o Planalto ter recuado de decretos que
desmontavam o marco do saneamento, o que é positivo, ainda existem pontos
polêmicos nas propostas do governo que podem significar um passo atrás em
conquistas já obtidas.
Também significa uma volta ao passado, na
acepção negativa do termo, a tentativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
de rever pontos da privatização da Eletrobras. Em maio, o governo entrou com
uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando trechos da
transferência da estatal elétrica à iniciativa privada. Especialistas
consideram, porém, que a venda foi juridicamente prefeita e, portanto, a ação
de Lula não faria sentido. O viés intervencionista do PT se manifesta ainda no
desejo de minar aspectos da Lei das Estatais, que trouxe avanços importantes na
governança das empresas públicas. Definitivamente, o país não precisa de mais
retrocessos.
É hora de defesa da normalidade
institucional
O Globo
Com democracia fora de risco, país deve
fazer reformas e continuar tendo a Constituição como guia
Após quase sete meses de governo Lula,
pode-se afirmar sem medo que a democracia brasileira não corre mais risco. As
descobertas sobre tramas golpistas em Brasília, envolvendo até mesmo
autoridades públicas, são estarrecedoras. Contudo, as instituições democráticas
do país cumpriram seu papel constitucional, garantindo a realização das
eleições em clima de total normalidade, com a proclamação da vitória do
candidato que obteve maior votação, como manda a lei. O eleito tomou posse e
governa o país, também na mais absoluta normalidade. Nesse processo, coube ao
Supremo Tribunal Federal (STF)
e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) grande protagonismo na defesa da
legalidade.
Quando demandados, os tribunais agiram com energia
contra extremistas que apoiavam o presidente derrotado, acampados em frente a
quartéis, obstruindo vias públicas ou simplesmente disseminando teorias
conspiratórias nas redes sociais e em aplicativos de mensagens. Essa resposta
firme em defesa da democracia era mesmo o que se esperava das instituições. E
elas não decepcionaram.
Passada a tempestade institucional, o
Brasil tem de voltar sua atenção para os graves problemas sociais que nos
separam das nações mais desenvolvidas. Ao Congresso cabe se dedicar às
importantes reformas de que o país precisa para voltar a crescer; também é
essencial regular as plataformas digitais, que tanto contribuíram para a
instabilidade democrática no governo que findou. O Executivo precisa dar resposta
aos desafios monumentais da nossa sociedade, como o aprimoramento do nosso
ensino público, a instalação de saneamento básico nos milhões de residências
brasileiras que ainda convivem com esgoto a céu aberto e a defesa da Floresta
Amazônica. Do Poder Judiciário espera-se que cumpra a Constituição, com
independência e coragem, mas também com discrição e autocontenção. Já não
existe motivo nem demanda social por medidas voluntaristas: inquéritos com
objetos vagos, que nunca se encerram, e prisões sem firme base legal não fazem
bem à nossa democracia.
Os envolvidos em tramas golpistas devem ser
investigados e punidos, se ficar assentada sua culpa, mas tudo dentro dos
preceitos legais, com amplo direito à defesa e aos recursos a ela inerentes.
Qualquer outro caminho, além de desnecessário, engrossa o coro dos que
continuam trabalhando contra a democracia. É exemplar o caso do
tenente-coronel Mauro Cid,
preso há mais de dois meses. As evidências apontam para o envolvimento do
militar em atividades ilícitas, como a falsificação do certificado de vacina de
Jair Bolsonaro e tramas golpistas. Se de fato for assim, ele deve ser julgado e
condenado. A extensa privação da liberdade, sem que tenha havido sequer o
oferecimento de denúncia contra ele, pode dar margem à suspeita de perseguição.
Prisões preventivas precisam seguir requisitos legais bem definidos — e eles
devem estar explicitados de forma convincente, o que não ocorreu nesse caso.
Sem isso, o estranhamento se instala com toda sorte de ruídos.
A Constituição de 1988 foi produzida nos
estertores do período ditatorial. Talvez por isso prestigie de forma tão
exacerbada a democracia e o Estado de Direito. Vivemos recentemente anos
soturnos, durante os quais a democracia foi constantemente ameaçada por um
governo obscurantista. A Constituição deve ser o guia das instituições nessa
transição para tempos de luz. O momento é de defesa da normalidade institucional.
O golpismo foi derrotado. É hora de viver plenamente a democracia.
Lula precisa vetar o projeto que libera a
ozonioterapia no país
O Globo
Para Anvisa e instituições médicas, não há
estudos que comprovem a eficácia e segurança da prática
O Senado aprovou, na semana passada, o
Projeto de Lei 1.438/2022, que libera a prescrição da ozonioterapia como
tratamento de saúde complementar em todo o país. O PL, que seguiu para sanção
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pode agradar a nichos que enxergam no
procedimento uma espécie de panaceia, mas tem levado preocupação a instituições
médicas.
A Academia Nacional de Medicina (ANM),
que defende o veto ao projeto, disse não ter conhecimento de trabalho
científico que comprove a eficácia da ozonioterapia em nenhuma circunstância,
acrescentando que a prática pode trazer riscos à saúde.
Em junho do ano passado, a Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa)
já havia publicado nota técnica para esclarecer o assunto, ressaltando “os
riscos à saúde oriundos da utilização indevida e indiscriminada dessa
tecnologia”. De acordo com o documento, a ozonioterapia é permitida apenas para
fins odontológicos (no tratamento de cáries, prevenção de quadros
inflamatórios/infecciosos, cirurgias) e estéticos (auxílio à limpeza e à
assepsia da pele). Fora isso, diz a Anvisa, não há estudos que comprovem a
segurança e a eficácia da prática, lembrando que o uso de dispositivos não
regularizados ou com finalidades diferentes das autorizadas configura infração
sanitária.
Mesmo o Conselho Federal de Medicina (CFM),
que durante a pandemia de Covid-19 foi condescendente com a ampla prescrição de
cloroquina, já se posicionou contra a ozonioterapia. Em agosto de 2020,
divulgou nota afirmando “tratar-se de procedimento ainda em caráter
experimental, cuja aplicação clínica não está liberada, devendo ocorrer apenas
no ambiente de estudos científicos”.
Em coluna no
GLOBO, Natalia Pasternak, microbiologista e presidente do Instituto Questão de
Ciência (IQC), também critica a aprovação do projeto. Ela
afirma que uma norma publicada pela FDA, agência dos Estados Unidos análoga à
Anvisa, proíbe a ozonioterapia em qualquer circunstância, pelo fato de o ozônio
ser um gás tóxico, sem nenhuma aplicação médica conhecida. “Tanto o uso
‘off-label’ do equipamento quanto o caráter ‘complementar’ põem o paciente em
perigo”, diz.
No Congresso, os parlamentares conseguiram
piorar um texto de PL que já era ruim. O original previa que a ozonioterapia
fosse feita apenas por médicos, mas a versão final e aprovada autoriza qualquer
profissional de saúde de nível superior inscrito nos respectivos conselhos de
classe.
Lula, que sucede a um governo que negou a
ciência e flertou com o curandeirismo, precisa vetar o projeto da
ozonioterapia. O procedimento deve ser permitido apenas nos casos autorizados
pela Anvisa. A saúde da população não pode ser colocada em risco.
Canetada infeliz
Folha de S. Paulo
Confusão gerada por Lula no marco do
saneamento aumenta insegurança jurídica
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
tentou em abril modificar, por decreto, a legislação que trata de serviços de
água e esgoto, consolidada em 2020 no chamado marco legal do saneamento.
Em maio, parte das mudanças foi sustada por
um decreto da Câmara, e a derrota política do governo estava para ser
confirmada pelo Senado. No início deste mês, um acordo com
senadores e deputados permitiu uma edição revisada dos decretos do Executivo.
As emendas melhoraram o teor da canetada
inicial, mas alguns problemas permanecem. O voluntarismo atabalhoado e
intervencionista deixou cicatrizes.
O governo quis tomar prerrogativas do
Legislativo. Além do mais, transmitiu a mensagem de que a regulação econômica
pode ser alterada ao arbítrio do Executivo, o que cria insegurança jurídica.
A mudança inopinada e sem a adequada
fundamentação jurídica prejudica investimentos não apenas no saneamento, mas em
todo o setor de infraestrutura, que depende de longo prazo de maturação para
dar retorno. Assusta, enfim, quem em geral pretende firmar contratos com o
setor público.
Com os novos decretos, foi derrubada a
pretensão inicial do governo de permitir a companhias estaduais de saneamento a
prestação direta do serviço sem licitação. Contudo permanece a facilitação para
que empresas ainda atuem sem a devida comprovação de capacidade
econômico-financeira.
O prazo de ajuste dos contratos irregulares
de prestação de serviço foi prorrogado. Assim, empresas nessa situação também
podem receber financiamentos públicos.
A prestação de serviços sem licitação
feriria o espírito da legislação e a lógica econômica. Haverá mais recursos
para o setor e atração de empresas se houver competição transparente. Mas o governo
queria preservar algum estatismo.
O enfraquecimento do processo de
comprovação de capacidade econômico-financeira pode permitir que companhias
frágeis fiquem no negócio, sem capacidade de investir, ameaçando o processo de
universalização, ou quase isso, que deveria ocorrer até 2033.
Houve uma diluição do marco, tanto em seu
teor como em sua previsibilidade. Aperfeiçoamentos podem ser necessários, mesmo
que a legislação tenha apenas três anos —ainda está mal resolvida, por exemplo,
a prestação do serviço em regiões pobres e afastadas. Mas as modificações têm
de tramitar legalmente e devem ser objeto de consultas técnicas.
Em suma, o governo até poderia ter
contribuído para o aperfeiçoamento do marco, de modo comedido, técnico e
consensual. Optou por uma canetada que deteriorou a lei e criou insegurança.
Amarildo e Candelária
Folha de S. Paulo
Casos são símbolos da violência policial e
do descaso com direitos humanos
Este julho de 2023 é uma efeméride que
marca dois episódios sangrentos que mancham a história do país: o
desparecimento e morte de Amarildo de Souza, há 10 anos, e a chacina da
Candelária, há 30, ambos no Rio de Janeiro (RJ). Os dois casos evidenciam a
persistência da barbárie policial brasileira.
Nos últimos três anos, as forças de
segurança pública foram responsáveis por um terço das
mortes violentas na região metropolitana da capital fluminense.
Símbolo nacional de abuso da força
policial, o caso Amarildo não deve ser esquecido. No dia 14 de julho de 2013,
um domingo, o ajudante de pedreiro foi detido por agentes da Unidade de Polícia
Pacificadora (UPP), na favela da Rocinha.
Seu corpo nunca foi encontrado. A família
ainda espera por indenização, apesar de já ter sido concedida pela Justiça no
ano passado. De doze policiais acusados em 2016, oito acabaram
condenados três anos depois; seis deles ainda seguem trabalhando na corporação.
Desaparecimentos são mais comuns do que se
imagina. Uma média de 183 pessoas somem por dia no Brasil, segundo o Mapa dos
Desaparecidos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Entre 2019 e 2021, houve 112.246
ocorrências do tipo no país, com a predominância entre as vítimas de homens
(62,8%) e negros (54,3%).
A faixa etária com mais desparecidos é
entre 12 e 17 anos (29,3%), grande parte pela falência de políticas públicas
intersetoriais para essa população. A chacina da Candelária é o exemplo mais
nefasto desse abandono.
No dia 23 de julho de 1993, oito crianças e
adolescentes em situação de rua, entre 11 e 19 anos, foram
assassinados por PMs à paisana aos pés da Igreja da Candelária, no
centro do Rio. Quatro policiais foram condenados, cumpriram pena e já saíram da
prisão; outros três foram absolvidos.
Desde então, violações aos direitos humanos
persistem. Dos cerca de 70 jovens e crianças em situação de rua da região da
Candelária, 39 morreram de forma violenta nos anos seguintes. Desde janeiro,
oito crianças foram mortas por armas de fogo na cidade do Rio de Janeiro,
segundo levantamento do Instituto Rio de Paz.
Investir em redes integradas de busca de desaparecidos e em investigação e punição no rigor da lei em casos de abuso da força policial é essencial. Reverter os índices, típicos de zonas de guerra, é um imperativo civilizatório.
Procurador-geral a gosto do freguês
O Estado de S. Paulo
Petistas já admitem que Aras é bom nome
para seguir à frente da PGR. Provavelmente contam com o procurador-geral para
proporcionar a Lula mesma blindagem oferecida a Bolsonaro
Poucas coisas unem bolsonaristas e petistas
– e quase sempre quando isso acontece, coisa boa não é. Já ficou claro, por
exemplo, que tanto Lula da Silva quanto Jair Bolsonaro acham que o Supremo
Tribunal Federal deve ser integrado por amigos do peito, e não por magistrados
independentes. Agora, quando se aproxima o momento de escolher o
procurador-geral da República, eis que o atual procurador-geral, o sr. Augusto
Aras, que prestou tantos serviços a Bolsonaro e desserviços ao País, surge como
possível nome dos petistas para ser reconduzido ao cargo.
Ao contrário do que pode parecer, a
escolha, caso se confirme, seria óbvia – e só não será feita se Lula da Silva
entender que o preço a pagar com o óbvio desgaste político será mais alto que o
ganho com a blindagem que o sr. Aras oferece. Augusto Aras chegou à
Procuradoria-Geral da República (PGR) para ser o artífice do desmonte da Lava
Jato, operação farisaica que pretendia purgar o País da corrupção em todos os
níveis e reinventar a política a partir do zero. Nesse aspecto, o sr. Aras
ganhou corações e mentes dos políticos em geral – e dos petistas em particular
– em razão de sua disposição de sufocar o lavajatismo.
Não por acaso, a escolha de Aras por
Bolsonaro em 2019 foi recebida com obsequioso silêncio pelo PT. Com bom
trânsito na cúpula petista, Aras, quando cabalava votos no Senado para sua
indicação, prometeu aos senadores petistas que o lavajatismo não teria paz com
ele no comando da PGR. Era a senha para aprová-lo. Já os bolsonaristas do tipo
“raiz” ficaram furiosos com Bolsonaro por ter colocado na PGR um “socialista”,
alguém tão próximo do PT e tão disposto a sacrificar no altar do garantismo a
operação que havia prendido Lula. Com o tempo, no entanto, o “socialista” Aras
provou sua inestimável utilidade.
Ao longo dos quatro anos do sr. Aras como
chefe da PGR, sua independência – por assim dizer – foi usada para rebaixar a
instituição a mero órgão de defesa dos interesses do então presidente Jair
Bolsonaro e de outras autoridades. É inesquecível, por exemplo, a omissão do
sr. Aras diante do descalabro que foi a condução do País por Bolsonaro durante
a pandemia de covid19. Como não lembrar que, nas mãos do procurador-geral, o
robusto relatório final da CPI da Covid, no Senado, não passou de um amontoado
de papéis destinado ao esquecimento nos escaninhos da PGR?
É indelével, ainda, a marca da frouxidão da
PGR sob Aras para conter a escalada dos desabridos e reiterados ataques de
Bolsonaro contra o regime democrático e as instituições republicanas,
notadamente o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral. O sr.
Aras pode até declamar a plenos pulmões que “ama” a democracia, como o fez por
ocasião da abertura do ano judiciário, em fevereiro passado, mas sua ode ao regime
democrático não resiste a um confronto entre sua veia poética e sua atuação
como procurador-geral da República nas horas em que a Nação mais precisou da
PGR.
A Procuradoria-Geral da República
desempenha um papel fundamental no arranjo institucional do País. É de suma
importância que à frente da PGR, como órgão máximo do Ministério Público
Federal (MPF), esteja alguém comprometido com a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, como
determina a Constituição. Além desse compromisso inarredável com a missão
atribuída ao parquet pela Lei Maior, de resto elementar, este jornal também
espera do procuradorgeral da República uma atuação íntegra e independente, no
sentido de jamais colocar sua destacada função pública a serviço de interesses
outros que não o interesse público.
Lula pode escolher quem ele bem entender
para chefiar a PGR, mas essa liberdade só aumenta sua responsabilidade. Em
breve, o presidente terá a chance imperdível de devolver a PGR aos trilhos da
Constituição. Basta escolher um procurador-geral que, antes de servir a
governos, sirva à lei. Caso Lula decida reconduzir Aras, o lulopetismo entrelaçar-se-á
ao bolsonarismo no que ele tem de pior – a desmoralização das instituições.
A segunda fase da reforma tributária
O Estado de S. Paulo
Espera-se que o governo Lula mantenha, na
etapa da reforma sobre renda, o mesmo pragmatismo com que tratou a 1.ª fase da
proposta. Disso depende a credibilidade do arcabouço fiscal
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
disse que enviará ao Legislativo a segunda fase da reforma tributária junto com
o projeto do Orçamento de 2024. Em entrevista ao podcast O Assunto, Haddad
defendeu a tramitação conjunta das duas propostas como uma forma de atingir a
meta de zerar o déficit fiscal no ano que vem. “Para garantir as metas do marco
fiscal, preciso que o Congresso aprecie essa segunda etapa com a peça orçamentária,
que terá como pressuposto a aprovação dessas medidas pelo Congresso. Caso
contrário, haverá restrição na peça orçamentária”, afirmou.
Diante da retumbante aprovação, pela
Câmara, da primeira etapa da reforma tributária, sobre consumo, o plano de Haddad
não parecia tão ousado. Afinal,
a tão sonhada reforma, discutida por 35
anos sem que fosse possível chegar a um consenso, finalmente recebeu o aval dos
deputados. Em pleno mês de julho, período em que o Legislativo diminuiu o ritmo
dos trabalhos, o Senado definiu que a relatoria da proposta será de Eduardo
Braga (MDB-AM). E a despeito da longa transição até que o novo sistema seja
implementado, a mera aprovação da reforma já foi capaz de trazer uma
perspectiva de resultado presente aos investidores. “Começam a olhar as coisas
melhor no curto prazo”, afirmou Eduardo Fleury, consultor do Banco Mundial, ao
Estadão.
Seria natural, portanto, que o governo
quisesse aproveitar um Congresso menos hostil e um momento econômico mais
favorável para enviar uma nova fase da reforma. Mas Haddad acabou por recuar e,
agora, deve enviá-la “mais para o fim do ano”.
Fez bem o ministro. Muito do ambiente
benigno que o governo encontrou na apreciação da proposta sobre consumo se deu
pelo colapso de um sistema que está por trás das perdas da indústria e das
dificuldades financeiras dos Estados e municípios. No caso da segunda etapa da
reforma, que incidirá sobre a renda, o clima tem tudo para ser muito diferente.
A premissa que pautou as discussões da
primeira etapa era que a reforma fosse neutra – ou seja, que não aumentasse os
impostos de nenhum setor. Na fase da reforma sobre renda, no entanto, o governo
não esconde a intenção de elevar a carga tributária. Esse aumento, segundo a
equipe econômica, viria de uma redistribuição dos impostos, onerando setores
que atualmente pagam menos.
Além da tributação de lucros e dividendos
de acionistas de companhias, estariam na mira do governo o corte de renúncias
fiscais de pessoas jurídicas, deduções em saúde e educação de pessoas físicas,
profissionais liberais que atuam como empresas e fundos de investimento
isentos. Para isso, será preciso enfrentar interesses difusos e grupos
heterogêneos, mas certamente nenhum deles avalia que paga poucos impostos na
proporção de seus rendimentos.
Ao vincular a segunda etapa da reforma ao
Orçamento e à meta fiscal, o governo adotaria uma estratégia realista sob o
ponto de vista de receitas, mas perigosa sob o ponto de vista político. Seria
uma forma de dividir a responsabilidade pelo resultado fiscal com o Congresso,
mas há que destacar que os parlamentares nem sempre entregam o que o governo
quer, sobretudo quando se sentem pressionados.
É bom lembrar que a Câmara chegou a aprovar
um projeto de teor semelhante em 2021, mas, quando chegou ao Senado, o texto
não conseguiu vencer nem a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), fase inicial
de tramitação na Casa. Ao tentar associar a resistência dos senadores ao
projeto aos obstáculos para reajustar o piso do antigo Auxílio Brasil, o então
ministro da Economia, Paulo Guedes, jogou uma pá de cal sobre a proposta e
colheu novos buracos no teto de gastos para bancar o benefício social em ano
eleitoral.
Espera-se que o governo Lula mantenha, na
segunda etapa da reforma, o mesmo pragmatismo político com que tratou a
primeira. Disso depende a credibilidade do arcabouço fiscal no médio e longo
prazos. Se reduzir o déficit fiscal parece algo improvável neste ano, a ideia
de zerá-lo será impossível se o governo não tratar cada uma das etapas da
reforma tributária com muito cuidado no Congresso.
PIB ‘agrodependente’
O Estado de S. Paulo
Agropecuária dita o ritmo nos avanços e
recuos de uma economia que precisa de outros protagonistas
O tombo de 2% na atividade econômica
brasileira em maio, como mostrou o IBC-Br, indicador calculado pelo Banco
Central (BC) que funciona como uma prévia do Produto Interno Bruto (PIB), reforçou
a enorme “agrodependência” brasileira. Terminada a safra de soja e milho do
início do ano, que garantiu um crescimento espetacular da economia no primeiro
trimestre, o Brasil despencou a uma velocidade bem maior do que a prevista
pelos analistas, que imaginavam uma queda ao redor de 0,1%.
A rapidez do governo em atribuir o baque à
manutenção da taxa básica de juros em 13,75% é tão compreensível quanto frágil.
Compreensível por fazer parte da pressão do Planalto por uma queda consistente
dos juros na próxima reunião do Comitê de Política Monetária do BC, em 1.º e 2
de agosto – uma queda também já esperada, não em razão da entrada dos dois
novos diretores do banco indicados pelo governo, mas pelas condições
estruturais da própria economia; e frágil porque colocar apenas na conta dos
juros a pancada sofrida em maio é distorção tão flagrante quanto foi o excesso
de entusiasmo com o bom desempenho da economia no início do ano.
Quando o IBGE liberou, no mês passado, os
dados do primeiro trimestre, a alta de 1,9% do PIB em relação ao trimestre
anterior foi maior do que as estimativas mais otimistas. Mas o resultado
refletiu tão somente a força da agropecuária que, na mesma comparação, avançou
21,6%, enquanto indústria, serviços e consumo das famílias patinaram, um pouco
mais ou um pouco menos, ao redor de zero.
Os dados demonstram que, para cima ou para
baixo, o ritmo da economia brasileira é ditado pela agricultura, pecuária e
toda a cadeia que as duas atividades envolvem, desde o campo até a indústria de
exportação. A pujança da agropecuária é, obviamente, um quadro positivo. Mas a
dependência excessiva da economia de um setor específico não é.
O agro alcançou o nível de excelência atual
por investir pesada e continuamente em pesquisa e desenvolvimento. Tem incentivos
do governo – como, ademais, os tem a maioria dos países –, mas multiplica os
recursos com investimentos em tecnologia. Até agora o País não assistiu ao
mesmo salto na indústria, por exemplo, a despeito dos sucessivos programas de
incentivo, alguns descabidos, como o do “carro popular”.
A agropecuária é a prova de que
investimentos em qualificação e pesquisa trazem competitividade e
produtividade. Quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o
vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin, imputaram, de pronto,
aos “juros escandalosos” a responsabilidade pelo forte recuo de maio, estavam
fazendo uma avaliação pela metade.
Desde agosto de 2022 na casa de 13,75%, a Selic precisará mais do que a força do agro para cair. Para começar, seria bom o governo sinalizar que o prometido ajuste fiscal é sério, o que já teria o condão de fazer os juros futuros recuarem. Enquanto prevalecer a suspeita de que o governo e o Congresso não estão dispostos a cortar despesas, o custo do dinheiro continuará alto.
Oportunidades no mercado de grãos
Correio Braziliense
A supersafra de grãos brasileira na safra
2023/2024, que chegará a 313,9 milhões de toneladas, ajuda a derrubar os preços
do milho no mercado interno, completando a queda nas cotações internacionais do
grão
A não renovação por parte da Rússia do
acordo para exportação de grãos da Ucrânia na segunda-feira acendeu o alerta em
todo o mundo para a possibilidade de um novo choque de oferta com impacto
direto sobre os preços dos alimentos. O acordo, que vigorou desde julho de 2022
— sendo renovado duas vezes — até o início desta semana, possibilitou
o escoamento de 33 milhões de toneladas de grãos da Ucrânia para o mercado
internacional, o que teria reduzido os preços médios em 20%. As consequências
da medida ainda são incertas. A Ucrânia diz que tem como escoar sua produção
agrícola sem utilizar os portos do Mar Negro, mas a capacidade de transporte
por trens pelos países do Leste Europeu é limitada. A Rússia diz que assim que
forem aceitas suas condições retomará o acordo, mas ao mesmo tempo bombardeia
os portos ucranianos do Mar Negro.
Rússia e Ucrânia são grandes fornecedores
de produtos agrícolas e os principais players no mercado mundial de trigo,
cevada, milho, canola, semente de girassol e óleo de girassol. Os russos
destacam-se também como grandes exportadores de fertilizantes. O cenário
hoje é diferente do início da guerra, mas haverá aumento de preços dos alimentos
e dos insumos agrícolas no curto prazo, o que coloca o Brasil diante do risco
de aumento dos preços e de pressão inflacionária, e da oportunidade de suprir a
demanda global, principalmente de milho. O país está colhendo a segunda safra,
ou a colheita de inverno do grão, e deverá produzir ao todo cerca de 125,5
milhões de toneladas de milho, volume 12,4 milhões de toneladas maior do
que a safra passada.
A supersafra de grãos brasileira na safra
2023/2024, que chegará a 313,9 milhões de toneladas, ajuda a derrubar os preços
do milho no mercado interno, completando a queda nas cotações internacionais do
grão. Mesmo que num primeiro momento exista uma pressão sobre os preços do
milho, o excesso de oferta no Brasil permite a contenção dos valores, com o
início da colheita da segunda safra. Se a extensão do impacto da decisão da
Rússia ainda é incerto porque dependerá da retomada ou não do corredor de
exportação pelo Mar Negro, não há dúvida de que o Brasil tem a chance de
aproveitar oportunidades no mercado internacional e, ao mesmo tempo, garantir
que crises de oferta não afetem os preços no país, assim como não elevem os
custos dos insumos para a produção agrícola.
Aqui, é preciso falar dos dois problemas
existentes hoje e que precisam ser atacados. Com o início do conflito no Leste
Europeu, o Brasil se viu sob risco de desabastecimento de fertilizantes para as
lavouras, o que não se configurou, permitindo que o país colhesse uma
supersafra. A simples possibilidade de desabastecimento levou o governo a
retomar o Plano Nacional de Fertilizantes, com o objetivo de reduzir em 50% a
dependência do agronegócio brasileiro de insumos externos, até 2050. Hoje, 85%
dos fertilizantes consumidos no Brasil são importados. A estratégia é acertada
e deve se pautar pela sustentabilidade e pela perspectiva de inserção dessa
nova produção nacional de insumos para nutrição vegetal nas cadeias globais de
suprimento.
Outro ponto que o país precisa atacar é sua infraestrutura para armazenamento de cereais, que tem de ser ampliada e modernizada para permitir um melhor manuseio das safras, tanto para controle de preços internos quanto para preservação da renda dos produtores brasileiros, que, com armazenagem, têm como optar pelo melhor momento de comercialização. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a capacidade de armazenagem do Brasil é da ordem de 191 milhões de toneladas, o que representa uma diferença de 90,6 milhões de toneladas em relação apenas às safras de soja e milho. Sem condições de estocar, os produtores de milho terão de colocar a produção quase que diretamente no mercado, derrubando os preços. É preciso que o governo transforme crises em oportunidades e atue de forma estratégica para permitir a consolidação do país como um importante produtor global de alimentos.
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