Valor Econômico
Clima de ansiedade só aumenta nos
corredores do Congresso
Antes de o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva embarcar para a África, no dia 20, a coluna ouviu de um influente
deputado petista: “Espero que na volta ele termine essa reforma [ministerial],
ou essa Casa para”.
Lula desembarcou na noite de domingo em Brasília e o clima de ansiedade só aumenta nos corredores do Congresso. Na tarde desta segunda-feira, coube ao cerimonial acomodar ao seu lado o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) - principal interlocutor do Centrão na reforma - na solenidade de sanção da lei do salário mínimo. Ambos tinham ar descontraído e esbanjaram sorrisos, mas o suspense avançou até esta terça-feira.
Questionado pela coluna sobre o que pode
acontecer caso o impasse ainda se arraste por muito tempo, uma fonte do
Republicanos a par das conversas respondeu: “Acho que tensiona ainda mais o
ambiente, até porque o presidente está com todas as ferramentas para resolver”.
A aflição do deputado petista materializada
na conjunção “ou” - “ou essa Casa para” -, e esse mesmo “ou” surrupiando horas
de sono de Lula transportam a cena política a patamares quase lúdicos.
Isso porque o drama político atual dialoga
com um dos poemas clássicos da literatura brasileira, de Cecília Meireles
(1901-1964). Em livre paráfrase à obra de Cecília, e em face dos últimos
acontecimentos, podemos afirmar que:
Ou Lula conclui a reforma nos próximos dias
e afina a relação com o Centrão, ou a relação continua instável e a panela de
pressão em que se transformou a Câmara vai aos ares.
Ou Lula substitui a ministra do Esporte,
Ana Moser, e cede a pasta ao Republicanos; ou mantém a campeã olímpica no
cargo, não se indispõe com a primeira-dama Janja nem com a bancada feminina,
mas busca outra vaga para o aliado.
Ou Lula afasta o ministro de Portos e
Aeroportos, Márcio França, e cede a pasta para o Republicanos, mas se indispõe
com PSB e com o vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo
Alckmin; ou mantém França na cadeira, evita atrito com PSB e Alckmin, e impede
que o cobiçado Porto de Santos passe ao terreno do adversário, o governador de
São Paulo, Tarcísio de Freitas, mas busca outra vaga para o partido.
Ou cedendo Portos e Aeroportos para o
Republicanos, nomeia França para a pasta de Ciência e Tecnologia, quase um
feudo histórico do PSB, mas confronta o PCdoB, aliado de primeira hora, ao
remanejar a ministra Luciana Santos para outro posto.
Ou Lula afasta o ministro do
Desenvolvimento Social, Wellington Dias, cede a pasta para o PP de Arthur Lira,
e se indispõe com Dias - um amigo de muitas décadas -, com Janja e com o PT; ou
mantém Dias no cargo, não contraria Janja nem o PT, mas entra em rota de colisão
com Lira, que tem o controle da pauta.
Ou Lula opta por fracionar o
Desenvolvimento Social, cede a lauta fatia da assistência social para o PP,
mantém o Bolsa Família e o combate à fome com Dias, e liquida a fatura parcial
da reforma.
Ou Lula cede todo o Ministério do
Desenvolvimento Social - ou a maior fração dele - para o PP, ou Lira pode criar
obstáculos à votação das duas propostas essenciais para o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, encaminhadas ontem ao Legislativo: a medida provisória de
taxação dos fundos exclusivos, e o projeto de lei que tributa offshores e
trusts.
Ou Lula atende Lira e seu grupo político e,
indiretamente, também atenderá Haddad, porque essas propostas deverão tramitar
sem sobressaltos na Câmara; ou Lula contraria Lira e seus aliados, e,
indiretamente, contraria Haddad, porque as duas propostas caminharão aos
solavancos.
Ou ainda uma outra alternativa: Lula
entrega o Desenvolvimento Social completo para o PP, com Bolsa Família,
contraria Janja e o PT, e nomeia Dias para a futura pasta da Micro e Pequena
Empresa.
“Quem sobe nos ares não fica no chão; quem
fica no chão não sobe nos ares. É uma grande pena que não se possa estar ao
mesmo tempo nos dois lugares!”, diz uma estrofe do poema de Cecília.
É uma grande pena que eu não possa acomodar
ao mesmo tempo dois ministros no mesmo lugar!, diria Lula (num exercício de
imaginação da coluna).
“Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo... E
vivo escolhendo o dia inteiro!”, escreveu Cecília, em frase que define a
aflição de Lula.
“Ou isto ou aquilo” é o título do poema que
inspirou esta coluna. Publicado no ano da morte da escritora, em 1964, logo
tornou-se referência na literatura infantil brasileira. E deu título ao
respectivo livro, uma coletânea de poemas que entrou para a memória afetiva de
várias gerações de leitores.
Não sei se viajo, não sei se despacho, não
sei se saio de Brasília ou fico tranquilo, deve avaliar Lula. Não sei se deixo
como está, não sei se troco os ministros, se fico bem com o Lira, com o
Centrão, ou se crio confusão com Janja, PT e Wellington Dias, deve refletir.
“Mas não consegui entender ainda qual é
melhor: se é isto ou aquilo”, questiona Cecília, no último verso do poema. Uma
frase que resume com lirismo o conflito pessoal de Lula.
Cecília entendia as crianças, escreveu o
editor na apresentação da obra. Arrisca-se dizer, apelando ao bom humor, que
talvez entendesse os políticos também. Ao menos, os indecisos.
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