terça-feira, 29 de agosto de 2023

João Gabriel de Lima* - A Terra é azul, e o Brasil é verde

O Globo

Em democracias modernas e maduras, a discussão política não se limita à dança de coligações dentro dos parlamentos

O beijo forçado do cartola Luis Rubiales na jogadora Jenni Hermoso, campeã mundial de futebol pela seleção espanhola, ocupou o espaço dos jornais e o tempo das televisões na Europa. Houve quem criticasse o fato de a violência machista expulsar do noticiário a crise política na Espanha — um empate técnico nas eleições tem dificultado a formação de um novo governo. A atenção dada ao caso, no entanto, mostra uma bem-vinda expansão do debate público.

Em democracias modernas e maduras, a discussão política não se limita à dança de coligações dentro dos parlamentos. Ruas e redes propõem temas, e o debate se expande. O caso de Jenni Hermoso entrou na agenda pela força do feminismo espanhol. Outro tema, por coincidência vindo também do futebol, ocupou recentemente as manchetes no país. As ofensas contra o jogador brasileiro Vini Jr. colocaram o racismo em pauta na discussão política. Nos dois casos, o presidente do governo da Espanha (equivalente ao primeiro-ministro) foi obrigado a se manifestar — e a se posicionar.

Com os novos temas, os conceitos de direita e esquerda se tornaram mais complexos, indo além das questões econômica e social. A discussão hoje não se limita a maior ou menor interferência do Estado, ou a priorizar igualdade ou prosperidade. Os cientistas políticos criaram a escala GAL-TAN para dar conta da expansão do debate. De um lado, verdes, alternativos e liberais. Do outro, tradicionalistas, nacionalistas e autoritários. Além das questões de gênero e raça, outro tema da escala GAL-TAN veio para ficar: o combate à mudança climática. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, resumiu num slogan as prioridades da União Europeia:

— O futuro será verde e digital.

O G que abre a GAL-TAN vem de green, e o debate sobre a economia do futuro transcende os conceitos tradicionais de direita e esquerda. A alemã Von der Leyen tem origem na democracia cristã de seu país.

Temas como racismo, machismo e mudança climática não são exclusivos de democracias maduras europeias. Somos um país diverso, multirracial — e abrigar o maior pedaço da Floresta Amazônica é uma das coisas que nos definem aos olhos do mundo. Temos a oportunidade de exercer um papel importante na nova política e na nova economia. Há uma demanda para isso, como fica claro quando se acompanham os noticiários internacionais.

Na reunião do Brics, na semana passada, o Brasil foi ator secundário. A imprensa internacional só teve olhos para a China, que expandiu o grupo à sua imagem e semelhança, incorporando nações autoritárias ou com péssimo histórico em liberdade de expressão e direitos humanos — a porção “iliberal” da democracia, no jargão dos cientistas políticos. O Brasil se viu compelido a fazer parte de um clube em que não tem afinidade com os outros sócios.

Tudo muda de figura quando o Brasil participa de discussões ambientais. A recente Cúpula da Amazônia repercutiu na televisão europeia, e nossa posição a favor do desmatamento zero foi elogiada. Visitas de lideranças indígenas ao Parlamento Europeu são sempre notícia, principalmente nas emissoras alemãs e francesas.

O Brasil também foi manchete na Europa nas duas últimas COPs, em Glasgow e em Sharm El-Sheikh, por ser o único país a ter um pavilhão “alternativo”, além da representação oficial. Cientistas, empresários, líderes indígenas e de ONGs não quiseram se misturar aos representantes do governo de Jair Bolsonaro, considerado pária ambiental. Os debates vibrantes e multiculturais do “Brazil Hub”, o pavilhão alternativo, forneceram um contraponto colorido às discussões austeras das COPs.

A política será cada vez mais múltipla, a economia cada vez mais verde — e o Brasil tem a oportunidade de ser interlocutor importante na política e na economia do futuro.

— Eu vejo a Terra. Ela é azul.

A frase famosa do astronauta Iuri Gagárin expressa, com a objetividade dos cientistas, o que é nosso planeta visto de longe. Visto de longe, pelas lentes da imprensa internacional, o Brasil é um país de cores múltiplas — e a que predomina, aos olhos do mundo, é o verde da floresta que nos define.

*João Gabriel de Lima, ex-diretor de redação de Época, é jornalista e integrante do Observatório da Qualidade da Democracia da Universidade de Lisboa

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Eu vejo o Brasil e ele é verde.