Deflação acrescenta riscos para o crescimento chinês
Valor Econômico
A lenta recuperação chinesa só pode ser
acelerada com injeção do consumo, mas pacotes amplos de estímulos aos gastos
das famílias nunca foram lançados
A China frustrou as expectativas de
desempenho econômico, que eram grandes logo após ter abandonado as rígidas
medidas preventivas contra a covid-19. O crescimento registrado no segundo
trimestre do ano reduziu-se a 0,8% sobre o trimestre anterior, ante 2,2% no
primeiro. Mesmo com a previsão de expansão de 5,5% para o ano, a menor em muito
tempo, surgiram dúvidas de que seja alcançada. Depois de um Produto Interno
Bruto (PIB) modesto, vieram mais um recorde de desemprego entre os jovens
(21,3%) em junho, deflação em julho (-0,3%) e quedas de dois dígitos no
comércio externo, tanto de exportações como importações. Estouro de bolha
imobiliária, baixo consumo, crescimento menor e inflação negativa são sinais de
que a economia aproxima-se de um ponto morto com altos desequilíbrios.
A China está ficando sem motores de crescimento. Nas ocasiões em que teve de enfrentar problemas na economia, as autoridades do Partido Comunista lançaram sucessivos e bilionários estímulos à infraestrutura, que relançaram as atividades. Ainda que possam fazê-lo novamente, o governo agora pensa duas vezes antes de usar os mesmos incentivos. A enorme bolha dos imóveis, agigantada por pacotes anteriores, estourou há dois anos com a falência da Evergrande e o espetacular endividamento das maiores incorporadoras, estancando um setor que produzia algo entre um terço e um quarto de um PIB de US$ 18 trilhões.
O governo chinês sabe que colocar mais
dinheiro em empresas debilitadas pouco ajudará. O que está fazendo é consertar
a bagunça que ajudou a dar origem à bolha. Os governos regionais financiaram
por veículos próprios a expansão imobiliária e a compra de terrenos pelas
incorporadoras, empilhando papéis de valores duvidosos que somam US$ 9
trilhões, metade do PIB. Já há algum tempo, Pequim troca títulos dos governos
regionais para injetar dinheiro nos caixas depauperados pelo estouro da bolha.
A medida visa mais a manter à tona as empresas do setor e evitar falências em
massa do que impulsionar o crescimento.
A via de expansão do mercado interno parece
bloqueada. Aumento do consumo e salários foi a alternativa apresentada pelo PC
chinês para mudar o modelo de desenvolvimento anterior, baseado nas exportações
e nos investimentos em infraestrutura. Até hoje, porém, essas mudanças não
foram significativas, enquanto que a ênfase nos investimentos prosseguiu,
criando excesso de capacidade em vários setores e tornando-os menos lucrativos.
O esperado aumento sustentado do consumo
após a pandemia não aconteceu. Os chineses tornaram-se reticentes após verem
sua principal fonte de poupança, os imóveis, perderem valor ou se transformarem
em prejuízo, depois de serem pagos e não entregues por construtoras
inadimplentes. E, ao contrário do que ocorreu nos países desenvolvidos e outros
emergentes, como o Brasil, os efeitos da pandemia na economia não foram
compensados por grandes pacotes de injeção de renda para as famílias e
empresas. O orçamento doméstico dos consumidores chineses foi estressado pelas
severas quarentenas em várias das principais cidades do país, período no qual a
renda decaiu, sem ingresso de recursos do trabalho.
Com investimentos privados estagnados no
primeiro semestre (-0,2%), consumo amortecido e queda da produção industrial
por quatro meses consecutivos, o comércio exterior, outra tradicional fonte de
impulso ao crescimento chinês, perdeu dinamismo. Em julho, as exportações
declinaram 14,5% e as importações, 12,4%. Vários fatores agiram
desfavoravelmente. Os países desenvolvidos estão crescendo menos devido à
escalada sincronizada dos juros e demandam menos produtos chineses. As sanções
americanas contra a China não só reduziram suas vendas para os EUA como
diminuíram também suas importações dos EUA, pelas restrições de comercialização
de tecnologia e equipamentos sensíveis. Em julho, a queda das exportações da
China foram puxadas pelo recuo das vendas aos EUA (-23,1%).
As cotações das commodities estão em queda
e explicam boa parte do recuo do comércio chinês. A redução de 12,4% nas vendas
externas se deve mais à queda de preço (mais de 10%) do que a do volume (pouco
menos de 2%). O mesmo vale para a importação. Os preços do petróleo caíram 12%,
enquanto o volume importado cresceu na mesma magnitude, por exemplo. O efeito
preço foi preponderante.
A reunião do Politburo do PC no fim de
julho não anunciou medidas fortes para revigorar a economia e boa parte dos
especialistas não acredita que isso vá ocorrer no futuro. O governo, porém,
ainda tem vários trunfos. É um dos menos endividados do mundo e a enorme dívida
dos governos regionais é devida a bancos estatais e pode ser reciclada,
dependendo apenas de uma decisão política. A lenta recuperação chinesa, nesse
contexto, só pode ser acelerada com injeção do consumo, mas pacotes amplos e
arrojados de estímulos aos gastos das famílias, ao contrário dos muitos
destinados aos investimentos, nunca foram lançados. Pode ser a hora.
Apuração da PF fecha cerco sobre trama
golpista
O Globo
Cabe às autoridades aprofundar as
investigações para descobrir quem foi responsável por ataques à democracia
O cerco sobre a trama golpista para evitar
a eleição e a posse de Luiz Inácio Lula da Silva vai se fechando. Crescem as
evidências necessárias para identificar quem eram os operadores da tentativa de
atropelar a vontade popular para manter no poder o ex-presidente Jair
Bolsonaro. Na quarta-feira, a Polícia Federal (PF) prendeu o
ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei
Vasques e cumpriu dez mandados de busca e apreensão contra outros
servidores da PRF e autoridades do Ministério da Justiça na época do pleito.
O inquérito investiga a motivação de blitze
feitas no dia do segundo turno das eleições pela PRF em áreas onde Lula contava
com maior apoio. Um dos suspeitos de comandar o plano para evitar que eleitores
de Lula depositassem seus votos é Anderson
Torres, ministro da Justiça de Bolsonaro, contra quem já pesavam acusações
desde que se descobriu que ele guardava em casa a minuta de um decreto para
permitir intervenção na Justiça Eleitoral. Torres negou qualquer envolvimento.
A PF encontrou no celular da delegada
Marília de Alencar, diretora de Inteligência do Ministério da Justiça na gestão
Torres, a foto de um mapa com detalhes sobre os locais com maior concentração
de eleitores favoráveis a Lula. O documento foi, segundo a PF, apresentado a
Torres 13 dias antes do segundo turno. No dia da eleição, 795 policiais foram
destacados para atuar no Nordeste, região lulista onde 2.185 ônibus foram
fiscalizados. No Sudeste, bem mais populoso, foram apenas 528 e 571, respectivamente.
No início do ano, Torres, já secretário de Segurança Pública do Distrito
Federal, foi uma das autoridades acusadas de omissão na proteção da Praça dos
Três Poderes no 8 de Janeiro.
Torres e Vasques são os últimos nomes
implicados por investigações que têm chegado mais perto de Bolsonaro. O
tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro preso desde maio
sob a acusação de envolvimento em esquema para fraudar o certificado de
vacinação do ex-presidente, guardava em seu celular a minuta de um Decreto de
Garantia da Lei e da Ordem (GLO), mecanismo usado para acionar militares em
situações críticas de segurança. Cid, envolvido na tentativa de liberar as
joias sauditas apreendidas no aeroporto de Guarulhos (SP) e de vender um
relógio Rolex recebido por Bolsonaro em viagem oficial, também manteve
conversas com militares que defendiam o golpe de Estado.
A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP),
outro nome do círculo mais próximo de Bolsonaro, foi alvo de operação da PF no
começo do mês. Ela e o criminoso digital Walter Delgatti são suspeitos de atuar
em trama que mirava o ministro do STF Alexandre de Moraes, resultando na
invasão dos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e na inserção de
documentos falsos no Banco Nacional de Mandados de Prisão.
Cabe às autoridades aprofundar todas essas
investigações e estabelecer as punições devidas sempre que houver provas de
violação da lei. O Brasil precisa saber em detalhes o que aconteceu entre a
campanha eleitoral e o 8 de Janeiro, quem foram os mentores e operadores das
tentativas de golpe e quanto Bolsonaro estava ciente ou foi conivente com o que
ocorria. Será o antídoto mais eficaz contra a repetição de ataques à democracia
brasileira.
Governo acerta ao enfim impor restrição a
voos no Santos Dumont
O Globo
Portaria vai na direção certa, mas ainda há
muito a fazer para reequilibrar tráfego com Galeão
Demorou, mas enfim o governo do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva editou uma portaria restringindo voos no Aeroporto
Santos Dumont, hoje saturado, com o objetivo de recuperar o Tom Jobim/Galeão,
esvaziado nos últimos anos. Anunciada ontem no Rio, a portaria atende a
reivindicações do governo fluminense e da prefeitura carioca, em detrimento da
posição antes defendida pelo Ministério dos Portos e Aeroportos.
A ideia é que fiquem no Santos Dumont
apenas voos com destino a cidades próximas como São Paulo (Congonhas) ou Belo
Horizonte. No caso específico de Brasília, que está a uma distância superior ao
raio estipulado na portaria (400 quilômetros), a proposta teria de passar pelo
Congresso. Mas não fazia sentido usar esse argumento para adiar ainda mais a
restrição dos demais voos, como defendia o ministério. O governo planeja
urgência na tramitação do projeto, e espera-se que o desdobramento não impeça
os voos do Santos Dumont para a capital federal.
Antes de a portaria entrar em vigor, em
janeiro, as companhias aéreas deverão reduzir o movimento no aeroporto em um
terço a partir de outubro. Diminuir os voos no Santos Dumont é fundamental para
reequilibrar os aeroportos do Rio, beneficiando não apenas o turismo e a
economia locais, mas também ajudando a otimizar o tráfego aéreo no país. Com
capacidade para 37 milhões de passageiros, o Galeão recebeu vultosos
investimentos públicos e privados nas últimas décadas. Os planos de expansão
não seguiram como se imaginava. Quando veio a pandemia, em 2020, com a queda
drástica dos voos em todo o mundo, a situação se agravou. O movimento no Santos
Dumont, em compensação, cresceu acima da capacidade, situação que se reflete em
filas e atrasos. Entre 2019 e 2022, o aeroporto doméstico ganhou 1 milhão de
passageiros, enquanto o internacional perdeu 7,9 milhões.
A portaria vai na direção certa, mas ainda
há muito a fazer para que os dois aeroportos do Rio funcionem de forma
complementar, como noutras cidades do mundo. Primeiro, há um imbróglio a
resolver com a Changi, empresa de Cingapura concessionária do Galeão. Ela
desistiu do negócio em 2022, mas voltou atrás neste ano. Respaldado pelo
Tribunal de Contas da União (TCU), o governo negocia a permanência da
operadora.
Segundo, será preciso sentar à mesa com as
companhias aéreas. O CEO da Latam, Jerome Cadier, criticou a portaria, sob o
argumento de que não cabe ao governo decidir de que aeroporto o passageiro deve
voar. Não é bem assim. Se a escolha fosse apenas do usuário, todos os voos
partiriam do Santos Dumont, por ser mais acessível. Há outros fatores importantes
a considerar, como as limitações de um terminal localizado no centro da cidade.
O problema não será resolvido de uma hora para outra. Governos, companhias aéreas e Agência Nacional de Aviação Civil terão de se entender para atingir um ponto de equilíbrio. Qualquer solução passa necessariamente pela restrição de voos no Santos Dumont. Do contrário, não se muda nada.
Sangue nos Andes
Folha de S. Paulo
Assassinato de candidato a presidente
agrava degradação política no Equador
Um dos países mais instáveis da América
Latina, o Equador experimentou novo patamar de degradação institucional nesta
quarta (9), com o assassinato
a tiros do segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto para
o pleito presidencial do próximo dia 20.
Fernando Villavicencio, 59, era um
conhecido jornalista e ex-deputado cuja atuação ativista era marcada pelo
enfrentamento público da grave violência associada ao narcotráfico no país.
De centro-direita, ele tinha 13,5% das
intenções na mais recente sondagem sobre a eleição, atrás da esquerdista Luisa
González, nome apoiado pelo influente ex-presidente Rafael Correa —que governou
o país de 2007 a 2017, período de rara constância na vida equatoriana.
Mas tal estabilidade teve como preço a
cristalização de grupos no poder, com alta da corrupção e, agora, da violência.
Atuam na nação diversos cartéis ligados ao tráfico dos grandes produtores de
cocaína do mundo, os vizinhos Peru e Colômbia, além de grupos locais.
A criminalidade explodiu, e o número de homicídios
é 245% maior neste ano, em comparação ao mesmo período de 2021. Guayaquil,
principal porto do país, entrou de vez no mapa do fluxo internacional de
narcóticos.
Um grupo ligado ao tráfico assumiu a
autoria do atentado, em mensagem de autenticidade ainda duvidosa. O comunicado
insinua que o assassinato de Villavicencio decorreu de um acordo não cumprido
por ele com os criminosos.
É incerto se a alegação procede ou se é
cortina de fumaça, dada a retórica pública agressiva do candidato contra os
traficantes. O impacto da barbárie ainda terá de ser medido do ponto de vista
eleitoral —em tese ao menos, o clima de medo favorece nomes da direita.
Mais evidente é o estado precário da
democracia equatoriana, que teve 15 presidentes desde que foi restabelecida, em
1979. Cinco deles nunca viram o segundo ano completo de seu mandato.
O atual, o direitista Guillermo Lasso,
encarna tal balbúrdia. Em seu governo, iniciado em 2021, o fracasso em
robustecer a economia após o tombo da pandemia de Covid-19 ajudou a fomentar
protestos de rua, organizados principalmente por associações indígenas —como em
toda a região, atores centrais do processo político.
Para escapar de um impeachment por
denúncias de corrupção, Lasso recorreu em maio pela primeira vez a um
instrumento de dissolução do Parlamento e convocação de eleições gerais.
Apesar de o presidente dizer que o pleito
do dia 20 está garantido, o estado
de exceção decretado devido ao assassinato de Villavicencio joga
ainda mais sombras sobre a tortuosa via institucional do país.
Brasil mais indígena
Folha de S. Paulo
Nova metodologia do censo apura números
maiores, o que pode aprimorar políticas
Segundo o censo de 2022, os indígenas
são quase 1,7 milhão dos 203,1 milhões de brasileiros, o que
representa alta de 88,8% em relação ao recenseamento anterior, que registrou
896,9 mil em 2010.
Não se sabe o papel dos fatores
demográficos (nascimentos e mortes), que ainda serão divulgados, para tamanho
salto. Mas mudanças na metodologia do levantamento ajudam a entender os
números.
Para a contagem, pesquisadores perguntam
sobre raça ou cor, com as opções branca, preta, parda, amarela e indígena a
assinalar
Em 2022, se o entrevistado estivesse em uma
área indígena (terra, agrupamento ou outro tipo de localidade) e não se
declarasse como tal, era submetido a uma questão específica sobre essa condição.
Em 2010, essa segunda
questão só era feita em terra indígena oficialmente demarcada, o que
pode ter prejudicado a contagem. De um censo para outro, aumentou
expressivamente a parcela dos indígenas contados a partir da segunda pergunta,
de 8,8% para 27,58%.
A abordagem também mudou. Houve
participação de guias comunitários e intérpretes, além de reuniões com
lideranças para facilitar o acesso e a comunicação.
As alterações implementadas pelo IBGE são
bem-vindas, já que políticas públicas dependem de dados estatísticos
confiáveis, e parte das comunidades indígenas, principalmente aquelas distantes
dos centros urbanos, vive em situação de vulnerabilidade social.
Não mais de 37% (622,1 mil) dos indígenas
habitam territórios com alguma delimitação formal; 51,2% (867,9 mil) estão na
Amazônia Legal. De 573 áreas oficialmente demarcadas até o final de julho do
ano passado, a mais populosa é a Terra Indígena Yanomami, que se espalha pelos
estados do Amazonas e de Roraima
No início deste ano, os mais de 27 mil
indígenas que vivem no local passaram por uma crise humanitária, com surtos de
malária e desnutrição. A região
sofre com o garimpo ilegal, cujo alcance quase triplicou entre 2020 e 2022.
O enfraquecimento dos órgãos de
fiscalização e o desmonte de programas ambientais e indigenistas sob o governo
de Jair Bolsonaro (PL) agravaram a situação no território, que historicamente
enfrenta graves problemas.
Espera-se que os dados do último censo sejam de fato mais precisos e contribuam para que o poder público atenda com maior eficácia essa parcela da sociedade brasileira.
Governo amarra a Petrobras
O Estado de S. Paulo
Falas do ministro de Minas e Energia expõem
a mão pesada do governo na Petrobras e evidenciam controle artificial de
preços; há risco de desabastecimento de diesel
A Petrobras está “no limite do preço
marginal” dos combustíveis e qualquer alta dos preços internacionais será
repassada ao mercado doméstico. Essa declaração do ministro de Minas e Energia,
Alexandre Silveira, em entrevista recente, leva a duas conclusões óbvias. A
primeira é o iminente reajuste de gasolina e diesel, diante dos preços
aquecidos no mercado externo. A segunda é que a política de preços da Petrobras
extrapola os limites da companhia. É uma decisão do governo, atada a interesses
políticos.
Desde a extinção da Política de Paridade
Internacional (PPI), em maio, ficou clara a ausência de critérios para balizar
os preços da Petrobras. Antes, apesar de a fórmula exata não ser conhecida,
havia alguma previsibilidade ao atrelar a evolução dos preços domésticos aos
padrões do câmbio e das cotações de petróleo e derivados. “Abrasileirar” os
preços, como havia prometido o presidente Lula da Silva na campanha do ano
passado, significou, afinal, dar ao governo o poder de decidir o momento e a
intensidade dos reajustes.
Nos últimos dois meses os preços do
petróleo registraram altas consecutivas. Em julho, o produto do tipo Brent,
usado como referência pela Petrobras, subiu mais de 12%. Passa de US$ 86 o
barril e deve continuar subindo. O Departamento de Energia dos Estados Unidos
elevou a previsão de alta do barril neste segundo semestre, como consequência
de cortes de oferta por Arábia Saudita e Rússia. Apesar do cenário persistente,
o discurso do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, é de que não repassará
aos preços essa volatilidade.
O diesel segue inalterado há quase três
meses, e a defasagem em relação aos preços internacionais beira os 25%. Como
mostrou reportagem do Estadão, o descasamento eleva o risco de
desabastecimento, já que mais de 24% do combustível consumido no País é
importado. A gasolina, depois dos cortes de maio e junho – este último sem
impacto ao consumidor, apenas para compensar a reoneração dos impostos federais
dos combustíveis –, também mantém estáveis os preços.
O freio teve grande contribuição no
controle da inflação e, por tabela, no relaxamento da política monetária, com o
início do ciclo de queda de juros. Trata-se, portanto, de política de governo,
apesar da negativa retórica de representantes da empresa e do Executivo. O
detalhe é que, embora o controle acionário seja exercido pela União, o capital
privado responde por 63,4% do total de ações da companhia, e a estes
investidores a empresa deve transparência e previsibilidade.
O ministro Silveira disse que estava
querendo “tranquilizar os investidores” ao reconhecer que a Petrobras está
atuando “no limite da competitividade externa”. Ora, mas este é um sinal
inverso, de clara interferência. Não cabe a ele, ou a qualquer outro integrante
do governo, falar sobre o tema. Somente a Petrobras deveria falar pela
Petrobras.
O balanço financeiro do segundo trimestre,
o primeiro depois do fim da PPI, revelou queda de 47% no lucro da empresa em
relação ao mesmo período de 2022, de R$ 54,3 bilhões para R$ 28,8 bilhões.
Alguns analistas atribuíram o resultado, em parte, à mudança na política de
preços. O desconforto é natural, diante de experiências passadas malsucedidas
de controle artificial de preços. Tanto a empresa quanto o governo alegam que a
Petrobras não está perdendo dinheiro. Não convencem.
O fim da política de paridade também foi
uma medida governamental. “PPI é um verdadeiro absurdo”, disse o ministro de
Minas e Energia em abril, em entrevista inflamada à Globonews, quando declarou
que a política de preços iria mudar. “Vamos exigir, como controladores, que ela
(Petrobras) respeite o povo brasileiro”, disse. Parecia discursar de um
palanque. As ações despencaram de imediato.
A Petrobras foi obrigada a desmentir
formalmente o ministro. Estancou momentaneamente a queda na bolsa e se viu
livre de uma eventual punição pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que
regula e fiscaliza o mercado de ações. Menos de um mês depois, a política de
preços de fato mudou, deixando patente quem decide. O nó estatal, que continua
a amarrar e limitar a Petrobras, precisa ser desatado.
Golpismo em estado latente
O Estado de S. Paulo
Obtidos pela PF, os estarrecedores detalhes
de suposta trama da chefia da Polícia Rodoviária Federal para prejudicar Lula
na eleição seguem perfeitamente o padrão bolsonarista
“Constituição Cidadã”. Não havia nome mais
apropriado para a operação da Polícia Federal (PF) que, no dia 9 passado,
prendeu preventivamente o ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF)
Silvinei Vasques. Diante de tudo o que veio à tona até aqui a partir das
investigações, não resta dúvida de que a maior vítima da gravíssima trama
golpista da qual o sr. Vasques é suspeito de fazer parte seria a ordem
democrática inaugurada pela Constituição de 1988 – um pacto amparado, entre
outros pilares, por eleições livres, justas e periódicas.
Ainda há muito a ser investigado e
comprovado, mas alguns dos detalhes trazidos pelo trabalho da PF são de
abismar. Ali está, com impressionante riqueza de detalhes, uma suposta
maquinação dentro da PRF para comprometer a lisura da eleição passada,
favorecendo Bolsonaro. A fim de dificultar a votação no adversário do
ex-presidente no segundo turno, Lula da Silva, nos locais em que o petista
obteve 75% ou mais dos votos no primeiro turno, a PRF realizou uma série de
blitze que retardaram o acesso dos eleitores às seções eleitorais. Conforme
afirmou um agente da PRF em depoimento à PF, a isso o sr. Vasques chamou de
“policiamento direcionado”.
Ao que parece, em conluio com servidores
públicos subordinados ao então ministro da Justiça, Anderson Torres, agentes da
PRF produziram um relatório de “inteligência” mapeando os municípios em que
Lula foi mais bem votado na Região Nordeste e, a partir dessa informação,
deflagraram bloqueios para dificultar o deslocamento de eleitores. Se
comprovado, não há condição de um crime desses passar sem rigorosa punição.
Tudo isso pode estarrecer, mas não
surpreende. O golpismo de Jair Bolsonaro e de seus leais fâmulos é um dado da
realidade muito tempo antes do mau militar convertido em mau político ter
assumido a Presidência da República. Ao longo dos penosos quatro anos de seu
mandato, Bolsonaro tudo fez para desqualificar as instituições republicanas e o
processo eleitoral democrático, de modo a criar um ambiente em que a ruptura
fosse quase uma consequência natural. A ruptura não veio, hoje se sabe, porque
o Exército se manteve fiel a sua missão constitucional, mas vontade de
tumultuar não faltou, seja durante o governo, seja ao longo da campanha
eleitoral, seja depois que Bolsonaro foi derrotado nas urnas.
O sr. Vasques é, em tais circunstâncias, um
poderoso símbolo desse estado de ânimo bolsonarista. Ele foi um dos tantos
pigmeus morais que Bolsonaro instalou em postos importantes da administração
federal para atender a seus desígnios antidemocráticos. E o sr. Vasques assim o
fez, transformando a Polícia Rodoviária Federal em guarda pretoriana de
Bolsonaro.
Eis a dimensão da audácia dessa turma. Por
apego ao poder e volição de bagunçar o País, não se inibiram diante da ordem
jurídica nem de uma ideia de decência para tentar cassar o direito ao voto, a
mais sagrada das liberdades democráticas, de milhares de brasileiros.
É disso que cuida a Operação Constituição
Cidadã. Não se trata, pois, de uma investigação policial qualquer. Pela
gravidade dos danos a que a sociedade foi exposta e pelo desassombro dos
investigados para levar até as últimas consequências seu desiderato golpista, é
imperioso que a PF apure com rigor toda a cadeia dessa trama sórdida e,
principalmente, todos os envolvidos, sem exceção.
Por mais cínicos que sejam, não é crível
que Silvinei Vasques e outros bolsonaristas encalacrados na Justiça, como
Anderson Torres e Mauro Cesar Cid, tenham feito o que se suspeita que fizeram
de moto próprio. É preciso investigar até que ponto houve a participação do sr.
Jair Messias Bolsonaro, direta ou indireta, nessa tentativa de subversão da
ordem democrática. Afinal, seria ele o maior beneficiário de um golpe
bem-sucedido.
Quando se trata de ataques contra o Estado
Democrático de Direito, o fracasso não serve de atenuante para ninguém.
Apetite insaciável
O Estado de S. Paulo
Partidos ignoram as mazelas nacionais e
querem fundo eleitoral ainda mais polpudo
Não há dinheiro que baste para saciar a
fome pantagruélica dos partidos por mais recursos públicos. De olho nas
eleições municipais do ano que vem e em meio à discussão do Orçamento de 2024,
os mandachuvas de quase todas as legendas têm articulado um novo aumento do
Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o chamado fundo eleitoral. Para a
eleição geral de 2022, vale lembrar, os partidos tiveram R$ 5 bilhões para
gastar – um recorde. Mas o que é um recorde, afinal, senão algo a ser batido?
Para as eleições que se avizinham, as
legendas pleiteiam um valor próximo dos R$ 5,5 bilhões, considerando apenas a
inflação no período. Se esse despautério avançar – e não há razões para ter fé
no contrário, haja vista que, quando querem, os caciques se unem na desfaçatez
para aprovar qualquer coisa que atenda a seus interesses comuns –, será, mais
que um desrespeito aos contribuintes, mais uma declaração de absoluto
alheamento à realidade do País, além de uma profunda desconsideração pela
indignação de muitos brasileiros com essa farra envolvendo os fundos
bilionários que engordam, ano após ano, o caixa dos partidos políticos.
Os partidos, é importante deixar claro, não
precisam de mais dinheiro; nem para manter suas atividades
político-administrativas, bancadas pelo fundo partidário, nem para custear as
campanhas, via fundo eleitoral. O que devem fazer, mas não fazem porque não
lhes interessa, é buscar meios de financiamento privado. Ou, enquanto durar o
jorro de dinheiro público, gastar menos, com mais eficiência, e realizar
campanhas mais baratas. É algo absolutamente possível.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, bem
que tenta colocar um freio na ânsia das legendas por mais recursos públicos,
limitando o fundo eleitoral para as eleições de 2024 aos R$ 5 bilhões
destinados às campanhas para o pleito de 2022. Mas, por óbvio, Haddad tem enfrentado
forte resistência. Não é improvável que o ministro saia derrotado dessa
contenda.
A vida de dirigente partidário é
extremamente cômoda no Brasil. Malgrado serem líderes de organizações privadas
que deveriam, portanto, viver de recursos privados, os caciques desfrutam de um
conforto que só aqueles que têm a certeza do dinheiro líquido e certo pingando
todos os meses, e sem ser necessário esforço algum, conhecem. Não movem um dedo
para aproximar os partidos dos eleitores e, desse modo, angariar apoios na
sociedade que se traduzam em doações de filiados ou simpatizantes. É uma
lástima.
A democracia representativa será mais
madura na exata medida em que os partidos se sentirem compelidos a transmitir
melhor aos eleitores os seus valores, ideias e propostas para o desenvolvimento
econômico e social do País, supondo que os tenham, é claro. Assim, serão
capazes de atrair filiados ou simpatizantes dispostos a contribuir para suas
atividades. Contudo, a eterna fonte de recursos públicos que abastecem as agremiações,
virtualmente inesgotável, inibe esse movimento civilizatório.
Passa da hora de a sociedade se insurgir
contra essa esbórnia e pugnar pelo fim dos fundos públicos para os partidos
políticos. A passividade joga a favor dos aproveitadores.
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