O Estado de S. Paulo
Livro desmantela narrativa de que mais tecnologia resulta em ganhos imediatos a todos
Nossa vida é hoje, certamente, melhor e
mais confortável do que a dos nossos antepassados. Devemos isso, em grande
medida, ao avanço tecnológico dos últimos séculos. Contudo, o aumento da
tecnologia não foi por si só condição suficiente para isso.
O progresso tecnológico resultou em uma melhora da qualidade de vida das pessoas porque houve organização das classes subjugadas, que pressionaram as elites para compartilhar de maneira mais equitativa os benefícios dos avanços técnicos.
Em outras palavras, nem toda nova
tecnologia resulta em avanço da qualidade de vida das pessoas. Isso acontece
somente quando há distribuição dos frutos dessa tecnologia. Essa é a tese
principal defendida por Daron Acemoglu e Simon Johnson no novo livro Power and
Progress (Poder e Progresso, em tradução livre).
O livro é repleto de bons exemplos de
avanços tecnológicos que resultaram em perdas significativas para determinados
grupos sociais. Para compreender o ponto dos autores, é importante considerar o
que eles entendem por progresso. Para eles, progresso é a prosperidade que é
compartilhada. Ou seja, a “torta” aumentou e todos – ou, pelo menos, a maioria
– estão desfrutando de uma fatia maior. Não é suficiente haver progresso no
bem-estar de um grupo se isso implicar piora significativa no de outro.
O enfoque dos autores do livro é
desconstruir a narrativa de que mais tecnologia implica progresso. Desse modo,
eles acreditam que será possível fazermos melhores escolhas a respeito de que
tecnologia promover e sobre como lidar com as mudanças tecnológicas. De outra
forma: como podemos promover melhorias tecnológicas que complementem o trabalho
humano?
Se a prosperidade aconteceu porque as
elites dominantes foram pressionadas e tiveram de repartir mais os lucros, o
que possibilitou o surgimento do poder dos trabalhadores? Penso que a
democracia é a causa e a consequência desse fenômeno. Ampliando um pouco a
narrativa dos autores, se os futuros avanços tecnológicos aumentarem a
desigualdade, como alguns acreditam que já está acontecendo, a própria
democracia poderá estar em risco.
Então, o que podemos fazer?
Além de dialogar e desmantelar a narrativa
de que mais tecnologia automaticamente resulta em prosperidade para todos,
precisamos entender por que permitimos que apenas empresas de alta tecnologia
participem do debate político sobre a regulamentação das novas tecnologias.
Quem mais deveria fazer parte desse debate? Eu acrescentaria que também
desejamos debater o papel do Estado em fornecer reciclagem profissional e
segurança para aqueles que serão afetados pelos avanços tecnológicos.
*PROFESSORA DO INSPER, PH.D. EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE NOVA YORK EM STONY BROOK
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