quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Zeina Latif - Ah se fosse fácil assim

O Globo

A extensa lista de obras do PAC não chega a constituir um programa estruturado. Faltam diagnósticos para definir prioridades

O estado como indutor direto do crescimento teve seus dias de glória. O Brasil estava em um outro estágio de desenvolvimento. Com reduzido estoque de capital, o país se beneficiou do ativismo estatal e saiu da pobreza, mas não sem grandes custos, como inflação descontrolada e crises frequentes, e grandes erros — exemplo emblemático é a Transamazônica.

Tornar o país rico demanda outro desenho, com protagonismo do setor privado, investindo e inovando, e colhendo ganhos de produtividade — é o que mostra a experiência internacional. O dinamismo do setor privado demanda, porém, um estado forte, que oferte serviços públicos de qualidade e marcos jurídicos que propiciem um ambiente de negócios saudável e de competição entre os players.

É nesse caminho que o Brasil precisa insistir. E há bons exemplos de políticas públicas bem-sucedidas que precisam ser replicadas (como a educação em alguns estados) e aprimoradas (como o SUS). Não se justifica um plano grandioso, como o Novo PAC. Pelo contrário, cabe eliminar gastos que não entregam o prometido, causam distorções e injustiças, e pesam na carga tributária.

Da cifra de R$ 1,7 trilhão (R$ 1,4 trilhão nesta gestão), R$ 371 milhões provêm do orçamento federal (R$ 349 nesta gestão), ou 3,6% do PIB. Não há definição de fonte de financiamento, o que constitui uma grande falha. Bancos públicos entrarão com expressivos R$ 362 bilhões, que demandarão funding e capital das instituições. De onde virão?

O programa traz nove eixos de ação, cobrindo 41 itens e algumas centenas de obras. Tem de tudo ali, de atenção primária na saúde a investimento na indústria de defesa. É verdade que no Brasil tudo parece urgente, mas a ausência de definição de prioridades denuncia a falta de planejamento.

Muitas obras nem deveriam ser incluídas, devendo o foco ser a melhor alocação e gestão de recursos, inclusive nos entes subnacionais, e não sua ampliação.

É didática a comparação com o ambicioso Inflation Reduction Act dos EUA. Em que pesem as dúvidas quanto à sua eficácia para reduzir o custo de vida, o desenho do programa traz lições importantes. O documento é detalhado, refletindo seu planejamento; seu escopo é bem definido, tendo como objetivos principais a redução do custo da energia e a transição para energia limpa, para diminuir a emissão de carbono em cerca de 40% até 2030; há definição de fonte de recursos; e prevê mudanças de regras de licenciamento.

O orçamento equivale a 3,5% do PIB, a ser dispendido em dez anos. Nada que lembre o PAC.

A extensa lista de obras do PAC não chega a constituir um programa estruturado. Faltam diagnósticos para definição de prioridades, e não se fala em análise de custo-benefício de cada obra, algo necessário mesmo para as inacabadas.

Tampouco se trata de um plano de aceleração do crescimento. Convém não confundir o impulso econômico de curto prazo, por conta dos dispêndios governamentais, com a promoção do crescimento sustentado de longo prazo.

Este requer formação de capital humano, fomento à pesquisa e à inovação, oferta de infraestrutura com retorno social superior ao privado e serviços públicos de qualidade.

A palavra que resume os pré-requisitos para boas políticas públicas é governança, um ponto de grande fragilidade da nossa administração pública, como ensina Claudio Frischtak. Como apontado pelo Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (Ibraop), uma das falhas mais presentes nas obras públicas é a deficiência de planejamento, com projetos inexistentes ou deficientes, sobrepreço ou serviço de baixa qualidade técnica.

A pesquisadora Adriana Portugal conclui que “em decorrência de empreendimentos mal planejados, as licitações irregulares levam a contratos, inevitavelmente, irregulares. A distorção de uma etapa se propaga em outra, dando lugar a outras irregularidades durante a fase contratual”.

É meritória a menção à necessidade de adequar o ambiente regulatório, o licenciamento ambiental, e os mecanismos de concessão e de parcerias público-privadas. É crucial pois a concretização desses planos como pré-requisito às obras do PAC.

Por ora, as preocupações geradas excedem os méritos.

Enquanto o governo fala em projetos do “Brasil grande”, a sociedade se impressiona menos com cifras trilionárias e anseia por melhorar sua vida e prosperar.

 

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