O Globo
Elogiado com razão pela condução da
negociação econômica, Haddad errou ao criticar superpoderes de Lira antes da
votação do marco fiscal
Agosto, até aqui, vem sendo um mês de
indefinições e bateção de cabeça na relação entre o governo e seus
interlocutores, notadamente o Congresso. O risco, real, é que o excesso de
confiança e a falta de clareza nos objetivos e na tática levem o bom momento
configurado com as notícias da virada do primeiro semestre a se esvair sem que
se concluam as votações e as definições que levariam a uma melhora mais
concreta das perspectivas econômicas para o país.
A euforia com o ritmo de votações da Câmara
no início de julho parecia prenunciar dias ensolarados na relação com o
Parlamento. Bastava uma reforma ministerial pontual para agregar o Centrão ao
projeto governista.
O mês começou com o vento das boas notícias continuando a soprar, com a decisão do Copom de baixar em 0,5 ponto percentual a taxa básica de juros da economia, dando, enfim, aval para a política econômica praticada a partir da Fazenda.
Acontece que o tempo da política tem seus
caprichos, e ele empacou no cálculo de Arthur Lira. Quando parecia que o
presidente da Câmara destravaria, enfim, a discussão final do arcabouço fiscal
— talvez animado por o Supremo Tribunal Federal, em decisão do ministro Gilmar
Mendes, ter anulado a investigação sobre os kits de robótica, que o mantinha
atrelado a um noticiário negativo de alto poder corrosivo —, o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, que vinha sendo elogiado, com razão, pela condução
política da agenda econômica, errou o cálculo ao falar o que pensava antes da
hora.
Haddad acertou no diagnóstico? Sim. A
Câmara hoje tem uma hipertrofia de prerrogativas diante do Senado, e muito
disso se deve à mão de ferro com que Lira conduz a Casa. Ele foi hábil ao
atrelar um bloco de partidos amplo a seu projeto e ao perpetuar essa
dependência do Executivo a ele, mesmo sem orçamento secreto.
Mas o governo é inocente nisso? Não. Topou
o jogo desde a transição, ao entregar nas mãos de Lira a aprovação da PEC sem a
qual Lula teria dificuldade de governar. Em troca do favor, prometeu apoiar sua
reeleição. O pacto foi feito, e o presidente sabia o que ganharia e o que teria
a perder.
Dali para a frente, a lirodependência foi
acentuada pela dificuldade de a articulação política fazer o seu trabalho
sozinha. O próprio Haddad teve de jogar nessa posição muitas vezes. Por tudo
isso, espanta que o ministro tenha enunciado as críticas que fez a Lira em
reveladora entrevista ao jornalista Reinaldo Azevedo antes de a votação do
marco fiscal ter sido concluída.
Não se trata de defender que Haddad seja
dissimulado e esconda o que pensa a respeito do desequilíbrio de forças entre
os Poderes. Mas ou ele, Lula e o Planalto têm um plano para reverter o que
consideram uma anomalia, ou o risco de apenas lançar a tese é o que aconteceu:
levar Lira a reagir e a paralisar um projeto que estava na boca do gol.
Quais os caminhos para modular os
superpoderes da Câmara? Rever a gestão do Orçamento, e o Executivo se articular
para fazer o sucessor de Lira. O governo Lula não tem bala na agulha para
nenhuma dessas tarefas neste momento.
É preciso, portanto, decidir se fará a reforma
ministerial para tentar contemplar o Centrão, e em que termos, e para salvar o
marco fiscal da bacia das almas do ressentimento político, porque a calmaria
que se estabeleceu com mercado e agências de risco se deveu, em enorme medida,
à expectativa de que a aprovação do projeto eram favas contadas.
Uma reversão dessa tendência leva um a grau
de incerteza capaz de contaminar a maré de previsões otimistas em relação ao
governo. O aumento do preço dos combustíveis, artificialmente contido até
agora, e um apagão para o qual todos oferecem mais chute e narrativa que
explicações técnicas também ajudam a encher de nuvens um céu que antes estava
azul.
3 comentários:
Nos idos dos anos 70, a CEMIG trabalhava intensamente montando subestações de energia elétrica nos pequenos municípios do interior mineiro.
Num deles, promovia uma prestigiada festa noturna, com regabofe e dança à vontade, mas não incluiu o encarregado da obra entre os convidados.
Barrado na porta do baile, não teve dúvidas: foi lá e desligou a subestação.
De volta ao salão, berrava:
"Não quiseram me convidar, seus metidos, então quero ver dançar agora".
Deve ter acontecido de novo, ou então foi só o Lira que abespinhou-se
Não me convidaram pra essa festa pobre...
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