quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Bernardo Mello Franco - Millôr Fernandes foi comentarista mordaz da política brasileira

O Globo

"Livre como um táxi", humorista criticou poderosos, desafiou a censura e deixou lições para o jornalismo

“Fiquem tranquilos os poderosos que têm medo de nós: nenhum humorista atira para matar.”

O aviso é de Millôr Fernandes, o genial guru do Méier. Mas vá perguntar aos poderosos que viveram a desventura de entrar em sua mira.

Millôr faria cem anos hoje. A imprensa gosta de efemérides e já celebrou seu talento como frasista, desenhista, dramaturgo, tradutor e poeta. Faltou lembrar o comentarista mordaz da política brasileira.

Prefeitos, governadores, deputados: ninguém escapava ao risco de uma pedrada. “Política é a mais antiga das profissões”, dizia.

Suas tiradas revelam um espírito insubmisso a qualquer regime: “As principais formas de governo são as ruins e as muito piores”; “A diferença entre a galinha e o político é que o político cacareja e não bota o ovo”; “Todo governante se compõe de 3% de Lincoln e 97% de Pinochet”.

Era perda de tempo tentar enquadrá-lo em caixinhas ideológicas. “A definição mais próxima que você pode dar de mim é de anarquista”, disse, numa rara entrevista na TV.

Millôr tinha predileção por zombar dos inquilinos do Planalto. Enquanto os mortais escreviam longos artigos, ele fulminava presidentes com uma só frase. Sobre Collor: “Deu ao povo uma coroa de espinhos e ainda ficou com os 30 dinheiros”. Sobre FH: “Fernando Henrique Cardoso acha que essas são as três palavras mais bonitas do mundo”. Sobre Lula: “A ignorância lhe subiu à cabeça”.

Quando Sarney assumiu no lugar de Tancredo, o guru resumiu o sentimento nacional com duas palavras: “Fomos bigodeados”.

Na ditadura, Millôr debochou dos militares e fundiu a cuca dos censores. “Quem é de oposição é porque não é de muito falar”, ironizou, em 1973. Em outros momentos, ele não conseguiu driblar a tesoura. Sua revista Pif-Paf, lançada um mês depois do golpe de 1964, sobreviveu por apenas oito edições.

Todo jornalista já ouviu sua máxima “Imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”. O guru também deixou outras lições sobre o ofício. Uma delas: “Em política, o que te dizem nunca é tão importante quanto o que você ouve sem querer”.

Sua independência era inegociável. Para preservá-la, evitava se enturmar e até atender ligações de poderosos. Millôr morreu em 2012, fiel ao lema que bolou para O Pasquim: “Livre como um táxi”

 

2 comentários:

hisayo nanami disse...

MILLÔR TEM QUE SER VERBETE

ADEMAR AMANCIO disse...

Adoro,li ''Hamlet'' traduzido por ele.