Valor Econômico
Debate sobre o fim dos privilégios segue de
forma arrastada
Atribui-se ao imperador Augusto a expressão
“festina lente” que acompanha os afrescos do Palazzo Vecchio, em Florença:
tartarugas com grandes velas enfunadas ao vento sobre as firmes carapaças.
A frase em latim significa “apressa-te
lentamente”, e já foi citada neste espaço como metáfora do estilo de certos
políticos brasileiros. Mas duas interpretações são possíveis para o conceito
que norteou o imperador romano e Cosme I de Médici, que governou Florença e
encomendou o afresco.
De um lado, define o político cauteloso que pensa e reflete antes de agir. De outro, aplica-se aos políticos que até caminham no rumo do interesse público, mas o fazem com lentidão. Na velocidade do barco a vela, enquanto o interesse do cidadão exige uma lancha de alta performance.
É em compasso de adagio que o brasileiro
assiste à aprovação de propostas que reduzem privilégios de agentes públicos.
Até 2013, por exemplo, deputados federais e senadores recebiam 15 salários
anuais. Somente em março daquele ano a vantagem foi extinta. Ainda assim, o
benefício continua sendo pago no início e no fim de cada legislatura.
O debate sobre regalias na esfera pública
vem à tona com a proposta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que o
Congresso conclua a votação do projeto que extingue os supersalários. “Estou
dando um exemplo de algo que eu apoiaria discutir vivamente”, disse na semana
passada, ao fim de uma reunião com as ministras Simone Tebet (Planejamento) e
Esther Dweck (Gestão) sobre reforma administrativa.
O tema volta e meia ressurge no noticiário
e gera perplexidade social. Não faz dois meses, os brasileiros espantaram-se
com a revelação de que 21 desembargadores do Tribunal de Justiça de Goiás
receberam R$ 9,4 milhões - ou R$ 7,9 milhões líquidos - entre abril e junho
deste ano. Uma elite de milionários do serviço público, favorecidos pelo
pagamento de indenizações e outros penduricalhos que o projeto em questão
pretende eliminar.
O projeto começou a tramitar no Senado,
onde foi aprovado em dezembro de 2016, no fim da gestão de Renan Calheiros
(MDB-AL) na presidência da Casa, e disciplinou o pagamento de auxílios que
driblam o teto constitucional. Somente em 2021, cinco anos depois, os deputados
revisaram e aprovaram a matéria. E há dois anos, a proposta espera a palavra
final do Senado.
A lembrança do PL dos supersalários foi a
resposta de Haddad à cobrança do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur
Lira (PP-AL), de que o governo deveria apoiar a reforma administrativa que está
pronta para ser levada ao plenário.
Lira sinalizou a Haddad que ajudará o
governo a aprovar o pacote que mira o aumento da arrecadação, e prevê, por
exemplo, a taxação dos fundos exclusivos e dos fundos offshore. Em
contrapartida, quer acenos de que o governo também tem disposição para cortar
despesas, e não apenas elevar a receita.
A reforma administrativa que Lira quer
votar, entretanto, não tem apoio do colégio de líderes nem do governo nem das
principais associações dos servidores públicos. Embora tenha sido alterado pelo
relator, deputado Arthur Maia (União Brasil-BA), a sua concepção remonta ao
governo Jair Bolsonaro e à infeliz declaração do então ministro da Economia,
Paulo Guedes, comparou os funcionários públicos a “parasitas”.
Mesmo reportando-se ao futuro, sem cortar
direitos dos atuais servidores, o texto desagradou porque institui avaliações
de desempenho que, em tese, fragilizam a estabilidade, além de ampliar as
hipóteses de terceirização e excluir das novas regras as cúpulas do Poder
Judiciário e do Ministério Público.
O governo não quer apoiar a reforma
defendida por Lira por mais de uma razão. Uma percepção é de que a energia do
governo deve se concentrar na aprovação da reforma tributária, que está em
discussão no Senado.
Outro motivo são divergências conceituais.
O governo discorda da leitura de inchaço da máquina. No lugar de enxugar
quadros, acredita-se que é preciso qualificar e aproveitar melhor a mão de obra
disponível, e a ser contratada em novos concursos. Nos bastidores, o que se
defende no governo é a modernização da administração pública para interligar
sistemas, e afinar a comunicação interna - uma ideia velha, jamais colocada em
prática.
É nesse contexto que o governo rejeita a
proposta de Lira, e por isso, instituiu um grupo de trabalho com o compromisso
de apresentar a sua versão de reforma administrativa até o fim do ano.
Em dezembro, o presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tentou pautar o PL dos supersalários, mas o fez
querendo analisar, ao mesmo tempo, a polêmica emenda constitucional (PEC) 63,
que restabelece o pagamento de adicional por tempo de serviço para juízes e
membros do Ministério Público e da Defensoria Pública. Na prática, resgataria o
‘quinquênio’ (adicional de 5% do salário a cada cinco anos), benefício extinto
em 2006.
Pacheco argumentou - em vão - que a
reestruturação evitaria que magistrados no final da carreira recebessem menos
que iniciantes. E assim avança o debate sobre o fim dos privilégios: arrastado,
a passos de tartaruga.
Nenhum comentário:
Postar um comentário