O Globo
As confissões da Lava-Jato foram fartas, os
bilhões devolvidos são reais, assim como reais são os bilhões de dólares que o
governo brasileiro pagou a investidores estrangeiros da Petrobras e de outras
estatais.
O Supremo Tribunal Federal (STF) está
abusando do direito de errar por último. Alguém tem de avisar às excelências
que a frase de Rui Barbosa tem o sentido de que o STF tem a palavra final. Mas
e se a palavra final de um mesmo juiz muda como biruta ao vento? Muda o Zeitgeist
(espírito do tempo, em alemão), muda o voto?
O então ex-presidente Lula foi para a cadeia por uma decisão do Supremo de permitir a prisão depois de condenação em segunda instância. Ficou preso 1 ano, 7 meses e 1 dia, período em que vários habeas corpus em seu favor foram recusados pela maioria do Supremo. Um belo dia, ministros mudaram de ideia e de voto, permitindo que se formasse a maioria para liberar Lula: Rosa Weber, que sempre fora contra, mas seguira a maioria na votação anterior, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, alegando que havia abuso na prisão em segunda instância.
O ministro Dias Toffoli, ao tomar a decisão
drástica de anular todos os processos da Lava-Jato, mostrou quão volúvel é.
Umbilicalmente ligado ao PT, de quem foi advogado, e a Lula, foi cruel ao
impedi-lo, preso, de assistir ao funeral de um irmão. Ao assumir a presidência
do STF, inovou ao convidar para assessorá-lo o general Fernando Azevedo, um
militar tão próximo ao então presidente Bolsonaro que acabou nomeado ministro
da Defesa. E passou a chamar o golpe de 64 de “movimento militar”.
O ministro Gilmar Mendes, fluente em
alemão, sabe o que é isso. Classificou de cleptocracia o governo petista, com
base nas descobertas da Operação Lava-Jato. Mudou o Zeitgeist, mudou sua visão.
Classificou de “organização criminosa” o grupo de Curitiba que desnudou a
“cleptocracia”, depois que conversas entre os procuradores e o então juiz
Sergio Moro foram vazadas devido ao hacker, hoje preso, Walter Delgatti.
O ministro Gilmar alega, com razão, que não
se pode combater a corrupção cometendo ilegalidades. Mas por que os processos
contra os corruptos não continuaram até o final, escoimados das ilegalidades? A
velha máxima jurídica de que “o que não está nos autos não está na vida” já não
vale mais. As provas obtidas de maneira ilegal pelo hacker contra os
procuradores de Curitiba e Moro foram usadas em diversos votos por variados
ministros, até liberadas para a defesa de Lula.
O advogado Alberto Toron, de muitos dos
envolvidos na Lava-Jato, aplaudiu a decisão de Toffoli e alegou que não se pode
saber a legalidade das decisões sobre o acordo de leniência da Odebrecht porque
há “incertezas quanto à veracidade das informações que constam dessas
plataformas” (referindo-se aos sistemas MyWebDay e Drousys, que guardavam os
nomes, codinomes e quanto cada corrompido recebeu).
Por acaso foi atestada a veracidade das
mensagens hackeadas dos celulares dos procuradores no Telegram? Também lhes
faltam a “cadeia de custódia”, até por terem sido conseguidas de maneira ilegal.
Além do mais, as confissões foram fartas, os bilhões devolvidos são reais,
assim como reais são os bilhões de dólares que o governo brasileiro pagou a
investidores estrangeiros da Petrobras e de outras estatais. A cleptocracia foi
comprovada vastamente, e agora, com a liberação geral de todos os condenados,
viveremos a esdrúxula situação de ter que devolver dinheiro a corruptos.
Veja-se o caso atual da delação premiada do
tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens do ex-presidente Bolsonaro. Não é
preciso ser bolsonarista para estranhar que nenhum ministro do Supremo tenha se
levantado contra a prisão preventiva alongada do militar, método denunciado
como “tortura psicológica” pelo ministro Toffoli contra a Lava-Jato.
Outra questão que a volubilidade do Supremo
pode provocar: até quando as consequências da delação do assessor de Bolsonaro
valerão? Bolsonaro continuará inelegível ou, se mudar o Zeitgeist, mudarão
também os votos de nossos ministros? Se eventualmente a direita ganhar a
eleição em 2026, as joias acabarão legalizadas? Qual será o Zeitgeist do
momento? São dúvidas que parecem absurdas, mas pertinentes diante da
insegurança jurídica que as mudanças de rumo do Supremo ensejam.
2 comentários:
Perfeito
Pois é,o ser humano e suas estranhezas.
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