Valor Econômico
Histórico de votações revela que apoio
partidário pouco muda após a entrada no governo
Na próxima quinta-feira completam-se dois
meses em que só se fala de uma coisa nos corredores do Congresso Nacional: a
reforma ministerial. No dia 7 de julho, após aprovar na Câmara a reforma
tributária e o projeto de lei que altera as regras de votação do Carf, Lula
recebeu no Palácio do Planalto Arthur Lira e os líderes do PP, André Fufuca, e
do Republicanos, Hugo Motta.
Além de comemorar as vitórias no Legislativo, foi selada ali a entrada do Centrão no governo Lula. Desde então, já houve até o anúncio dos ministros indicados - o próprio Fufuca e Silvio Costa Filho -, mas o presidente mantém o mistério de quais pastas e estatais distribuirá aos novos parceiros. A novela se arrasta há semanas.
Construir gabinetes ministeriais que
garantam uma coalizão sólida no Congresso Nacional é um desafio que assombra
todos os presidentes da República desde a redemocratização. Curioso com o
potencial de votos que a entrada do Centrão no ministério pode trazer para
Lula, resolvi mergulhar na história e nos números. Comecei pelo levantamento
que o cientista político Acir Almeida, do Ipea, fez sobre trocas ministeriais e
proporcionalidade partidária em cada mandato presidencial de Sarney a
Bolsonaro. Em seguida, coletei os dados de votações individuais e orientações
de bancada disponibilizado pelo portal de dados abertos da Câmara.
A ideia era simples: identificar se a
entrada ou a saída de um grande partido da coalizão presidencial alterava o
padrão de votos daquela legenda a favor ou contra o governo. Os resultados são
muito interessantes.
No início de 2002, a governadora do
Maranhão, Roseana Sarney, figurava em segundo lugar nas pesquisas para a
sucessão de Fernando Henrique Cardoso, num empate técnico com Lula (27% a 24%,
segundo o Datafolha).
Uma operação da PF, porém, encontrou R$ 1,3
milhão em dinheiro vivo no escritório da empresa que ela possuía com o marido -
um escândalo capaz de destruir suas aspirações eleitorais. Para expressar seu
descontentamento, seu partido, o PFL, decidiu romper uma aliança política de 7
anos com FHC e entregar os três ministérios que possuía no governo.
Com 105 deputados, o PFL era o maior
partido no Congresso à época. A decisão de deixar a base aliada, porém, não
alterou sua lealdade a FHC. Nas quatro deliberações sobre PECs e projetos de
lei complementar que ocorreram no restante de 2002, a legenda de ACM, Jorge
Bornhausen e Roseana Sarney continuou entregando em peso seus votos de acordo
com a orientação do Planalto.
Já no primeiro mandato de Lula, depois de
mais de um ano de insistência do seu ministro da Casa Civil, o então
todo-poderoso José Dirceu, o presidente ofereceu dois importantes ministérios
(Comunicações e Previdência Social) ao PMDB de Renan Calheiros e Michel Temer.
Com uma bancada de 75 deputados, o PMDB
havia votado majoritariamente com o governo durante todo o ano de 2003, com uma
impressionante média de 95,6% de adesão segundo a orientação de Lula. Porém,
depois de ganhar as duas pastas na Esplanada dos Ministérios, em janeiro de
2004, a adesão caiu para 83,3% e, com a eclosão do escândalo do mensalão em
2005, encolheu para 80,3%.
Gilberto Kassab fundou o PSD em março de
2011. A proposta da nova legenda, segundo o seu criador, era não ser “nem de
direita, nem de esquerda e nem de centro”. Com 55 deputados, o PSD já nasceu
como a terceira maior bancada da Câmara. E ingressou oficialmente no governo
Dilma em maio de 2013, ao assumir a Secretaria da Micro e Pequena Empresa, que
tinha status de ministério.
Enquanto negociava sua entrada para a base
dilmista, o PSD havia garantido uma média de 76,2% dos votos de seus
integrantes. Depois de jurar fidelidade à presidente, o índice de entrega no
plenário da Câmara caiu para 68,1% até o final do primeiro mandato.
Após a Câmara autorizar a instauração do
processo de impeachment de Dilma Rousseff, em abril de 2016, seu vice, Michel
Temer, assumiu a Presidência e nomeou um novo ministério com três integrantes
do PSDB: o futuro ministro do STF Alexandre de Moraes (Justiça), José Serra
(Relações Exteriores) e Bruno Araújo (Cidades).
Na sequência de um longo desgaste que
começou com o famoso Joesley Day, em 17 de maio de 2017, e já se posicionando
para as eleições do ano seguinte, o PSDB anunciou o rompimento com Temer em
dezembro daquele ano.
Analisando o comportamento dos afiliados ao
PSDB antes e após sua saída do governo, nota-se uma incrível coerência.
Enquanto eram o maior partido da base de sustentação de Temer, os tucanos
ofereceram 94,9590% de votos na Câmara. Depois de entregarem os cargos, a média
variou para... 94,9593%.
Os episódios e resultados acima revelam que
não se deve esperar grande variação no apoio a Lula após a distribuição de
ministérios ao Centrão.
Na história republicana recente,
presidentes abrem espaço para partidos de forma muito mais preventiva - para
evitar pautas-bomba, CPIs e impeachment - do que proativamente. Da sua parte,
não importa quantos cargos e bilhões do Orçamento assegurarem, Arthur Lira e o
Centrão continuarão vendendo caro seu apoio a cada votação importante. A novela
não vai terminar.
*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Um comentário:
Pois é!
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