segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Bruno Carazza* - Reforma ministerial quase nunca dá mais votos

Valor Econômico

Histórico de votações revela que apoio partidário pouco muda após a entrada no governo

Na próxima quinta-feira completam-se dois meses em que só se fala de uma coisa nos corredores do Congresso Nacional: a reforma ministerial. No dia 7 de julho, após aprovar na Câmara a reforma tributária e o projeto de lei que altera as regras de votação do Carf, Lula recebeu no Palácio do Planalto Arthur Lira e os líderes do PP, André Fufuca, e do Republicanos, Hugo Motta.

Além de comemorar as vitórias no Legislativo, foi selada ali a entrada do Centrão no governo Lula. Desde então, já houve até o anúncio dos ministros indicados - o próprio Fufuca e Silvio Costa Filho -, mas o presidente mantém o mistério de quais pastas e estatais distribuirá aos novos parceiros. A novela se arrasta há semanas.

Construir gabinetes ministeriais que garantam uma coalizão sólida no Congresso Nacional é um desafio que assombra todos os presidentes da República desde a redemocratização. Curioso com o potencial de votos que a entrada do Centrão no ministério pode trazer para Lula, resolvi mergulhar na história e nos números. Comecei pelo levantamento que o cientista político Acir Almeida, do Ipea, fez sobre trocas ministeriais e proporcionalidade partidária em cada mandato presidencial de Sarney a Bolsonaro. Em seguida, coletei os dados de votações individuais e orientações de bancada disponibilizado pelo portal de dados abertos da Câmara.

A ideia era simples: identificar se a entrada ou a saída de um grande partido da coalizão presidencial alterava o padrão de votos daquela legenda a favor ou contra o governo. Os resultados são muito interessantes.

No início de 2002, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, figurava em segundo lugar nas pesquisas para a sucessão de Fernando Henrique Cardoso, num empate técnico com Lula (27% a 24%, segundo o Datafolha).

Uma operação da PF, porém, encontrou R$ 1,3 milhão em dinheiro vivo no escritório da empresa que ela possuía com o marido - um escândalo capaz de destruir suas aspirações eleitorais. Para expressar seu descontentamento, seu partido, o PFL, decidiu romper uma aliança política de 7 anos com FHC e entregar os três ministérios que possuía no governo.

Com 105 deputados, o PFL era o maior partido no Congresso à época. A decisão de deixar a base aliada, porém, não alterou sua lealdade a FHC. Nas quatro deliberações sobre PECs e projetos de lei complementar que ocorreram no restante de 2002, a legenda de ACM, Jorge Bornhausen e Roseana Sarney continuou entregando em peso seus votos de acordo com a orientação do Planalto.

Já no primeiro mandato de Lula, depois de mais de um ano de insistência do seu ministro da Casa Civil, o então todo-poderoso José Dirceu, o presidente ofereceu dois importantes ministérios (Comunicações e Previdência Social) ao PMDB de Renan Calheiros e Michel Temer.

Com uma bancada de 75 deputados, o PMDB havia votado majoritariamente com o governo durante todo o ano de 2003, com uma impressionante média de 95,6% de adesão segundo a orientação de Lula. Porém, depois de ganhar as duas pastas na Esplanada dos Ministérios, em janeiro de 2004, a adesão caiu para 83,3% e, com a eclosão do escândalo do mensalão em 2005, encolheu para 80,3%.

Gilberto Kassab fundou o PSD em março de 2011. A proposta da nova legenda, segundo o seu criador, era não ser “nem de direita, nem de esquerda e nem de centro”. Com 55 deputados, o PSD já nasceu como a terceira maior bancada da Câmara. E ingressou oficialmente no governo Dilma em maio de 2013, ao assumir a Secretaria da Micro e Pequena Empresa, que tinha status de ministério.

Enquanto negociava sua entrada para a base dilmista, o PSD havia garantido uma média de 76,2% dos votos de seus integrantes. Depois de jurar fidelidade à presidente, o índice de entrega no plenário da Câmara caiu para 68,1% até o final do primeiro mandato.

Após a Câmara autorizar a instauração do processo de impeachment de Dilma Rousseff, em abril de 2016, seu vice, Michel Temer, assumiu a Presidência e nomeou um novo ministério com três integrantes do PSDB: o futuro ministro do STF Alexandre de Moraes (Justiça), José Serra (Relações Exteriores) e Bruno Araújo (Cidades).

Na sequência de um longo desgaste que começou com o famoso Joesley Day, em 17 de maio de 2017, e já se posicionando para as eleições do ano seguinte, o PSDB anunciou o rompimento com Temer em dezembro daquele ano.

Analisando o comportamento dos afiliados ao PSDB antes e após sua saída do governo, nota-se uma incrível coerência. Enquanto eram o maior partido da base de sustentação de Temer, os tucanos ofereceram 94,9590% de votos na Câmara. Depois de entregarem os cargos, a média variou para... 94,9593%.

Os episódios e resultados acima revelam que não se deve esperar grande variação no apoio a Lula após a distribuição de ministérios ao Centrão.

Na história republicana recente, presidentes abrem espaço para partidos de forma muito mais preventiva - para evitar pautas-bomba, CPIs e impeachment - do que proativamente. Da sua parte, não importa quantos cargos e bilhões do Orçamento assegurarem, Arthur Lira e o Centrão continuarão vendendo caro seu apoio a cada votação importante. A novela não vai terminar.

*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.

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