Valor Econômico
Efeitos diretos e indiretos da renda de
commodities explicam boa parte dos erros de projeção do PIB; impulso fiscal
também ajuda a entender os equívocos
A economia brasileira caminha para terminar
2023 com um crescimento de 3% ou mais, depois de uma expansão de 2,9% em 2022.
Nos dois casos, um avanço do PIB significativamente maior do que o esperado
pelos economistas no fim do ano anterior. Em dezembro de 2021, o consenso de
mercado apontava uma alta de apenas 0,36% em 2022; no fim do ano passado, as
apostas eram de 0,8% em 2023.
A dificuldade em estimar o impacto dos setores de commodities na economia, em especial da agropecuária, parece um dos principais motivos para os erros de projeção. O impulso fiscal a partir do segundo semestre do ano passado também pode ajudar a explicar os equívocos nas estimativas, num cenário em que os juros básicos subiram de 2% em março de 2021 para 13,75% ao ano em agosto de 2022 - agora, estão em 13,25%.
O desempenho da agropecuária tem sido
excepcional. No primeiro semestre, cresceu 17,9% em relação ao mesmo período de
2022. Os economistas Bráulio Borges e Rodrigo Nishida, da LCA Consultores,
destacam em relatório “a importância da expansão da agropecuária e seus
transbordamentos para o restante da economia”, num país em que o agronegócio
responde por quase um quarto do PIB, segundo estimativas do Centro de Estudos
Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, em parceria com a
Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA). Borges e Nishida observam que
“houve uma alta expressiva” da renda gerada a partir da exploração de recursos
naturais nos últimos anos, incluindo da indústria extrativa, “que se sustentou
na primeira metade de 2023”. Segundo os dois, entre o fim de 2020 e meados de
2022, boa parte do aumento dessa renda refletiu a mudança de nível do câmbio
pós-pandemia, com o dólar saindo de poucos menos de R$ 4 para algo entre R$ 5 e
R$ 5,50, e a elevação dos preços de commodities. “Em 2023, a forte alta dos
volumes vem contrabalançando, em boa medida, a queda dos preços internacionais
e a valorização cambial”, apontam eles, avaliando, contudo, que essa
“compensação” não deverá se sustentar nos próximos trimestres. Para a LCA, a
renda gerada pela exploração de recursos naturais deve recuar cerca de 15% até
o fim de 2024, descontada a inflação, “passando a representar um vetor de
desaceleração do crescimento do PIB, tanto pelos efeitos diretos como pelos
indiretos”.
Sócio e economista-chefe da JGP Gestão de
Recursos, Fernando Rocha também ressalta o papel da renda gerada por esses
segmentos no PIB deste ano. “Em relação ao setor agropecuário, além do forte
crescimento da produção, deve-se destacar também o bom comportamento da renda,
sustentada por preços bastante favoráveis. O mesmo vale para o setor de
extrativa mineral. Há um transbordamento dessa renda para outros serviços, como
comércio, transportes, armazenagem”, escreve ele.
Nesse cenário, haveria dificuldades para
estimar o efeito indireto das commodities sobre o PIB total. Esses produtos
também têm impulsionado o saldo comercial, que atingiu US$ 63,3 bilhões de janeiro
a agosto, quase 45% a mais do que no mesmo período de 2022. No PIB do primeiro
semestre, as vendas ao exterior cresceram 9,7% na comparação com a primeira
metade do ano passado, uma alta expressiva. “Esse comportamento forte das
exportações é a contrapartida, pelo lado da demanda, dos desempenhos da
agropecuária e da indústria extrativa pelo lado da oferta”, diz Borges, para
quem os efeitos diretos e indiretos da renda de commodities é que explicam boa
parte das surpresas favoráveis consecutivas no PIB desde 2020.
Além disso, há um estímulo fiscal
considerável desde a segunda metade de 2022, como diz Alberto Ramos, diretor de
pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs. De janeiro a julho, as
despesas não financeiras da União cresceram 8,7%, descontada a inflação. Parte
desses gastos se reflete em aumento do consumo das famílias. É o caso de
programas de transferência de renda como o Bolsa Família, que se consolidou no
valor de R$ 600, contando ainda, a partir de março, com um benefício de R$ 150
por criança de até seis anos. Com o impacto também da força do mercado de
trabalho e da inflação cadente, o consumo das famílias cresceu 3,2% no primeiro
semestre.
Já o aumento dos investimentos da União
aparece na chamada formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se
investe em construção civil, máquinas e equipamentos e inovação), como diz
Borges. O governo federal tem investido mais neste ano, mas o valor é baixo
para impactar a FBCF, que recuou 0,9% no primeiro semestre. De janeiro a julho,
os gastos de capital da União subiram 21,4% acima da inflação, para R$ 29,2
bilhões.
No segundo trimestre, o consumo do governo
teve uma alta de 0,7% na comparação com os três meses anteriores. Reajustes do
funcionalismo público são captados por esse componente da demanda, por refletir
os gastos com pessoal e custeio de todos os níveis de governo, segundo Borges.
Vale lembrar que os servidores federais civis tiveram um aumento linear de 9% a
partir de maio, enquanto os 26 Estados e o Distrito Federal elevaram os gastos
com pessoal em 6,6% acima da inflação no primeiro semestre.
Com uma política fiscal expansionista, o
efeito da Selic elevada sobre a atividade é menor do que seria num cenário de
gastos mais controlados, embora os juros altos, tudo indica, estejam inibindo
investimentos do setor privado, o que se reflete no desempenho fraco da
formação bruta de capital fixo. Não há uma coordenação mais efetiva entre a
política monetária e a política fiscal, ainda que o novo arcabouço tenha
reduzido o risco de cenários mais extremos.
Nesse quadro, o PIB tem crescido mais do
que sugerem os modelos dos economistas. Se os setores de commodities mantiverem
o fôlego, a economia em 2024 também poderá ter um resultado mais forte do que
se projeta atualmente - antes da divulgação do PIB na sexta-feira, o consenso
era de um avanço de 1,33%. Já no caso da política fiscal, a insistência no
expansionismo é contraproducente, por estreitar o espaço para a queda dos juros
e por poder levar a uma piora da percepção de risco - uma combinação obviamente
negativa para o crescimento.
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