Folha de S. Paulo
Coalizão governativa é condição necessária
mas não suficiente
Governabilidade, em uma definição
minimalista, denota a capacidade do Executivo de aprovar a sua agenda. Arranjos
institucionais e as preferências dos atores influenciam essa capacidade.
Cria-se um impasse, por exemplo, se uma maioria legislativa não aprova uma
iniciativa legal, mas não é ampla o suficiente para derrubar o veto
presidencial (EUA). Em regimes parlamentaristas, pode-se permanecer sem governo
por 589 dias pela incapacidade de os partidos chegarem a um consenso (Bélgica,
2011)
Sim, agenda é endógena: o Executivo apenas propõe o que espera ser aprovado. Ou não. O Executivo pode tentar impor sua agenda. Ocorreu com Allende faz 50 anos nesta semana. O mandatário chileno contava com 1/3 dos votos no Congresso, mas renegou a aliança com os democratas cristãos, que viabilizara sua eleição indireta pelo Congresso. Resolveu "avanzar sin transar", em típico cesarismo plebiscitário, como mostrei aqui .
Allende tinha uma agenda, o que não é o
caso de líderes populistas que apregoam objetivos abstratos. Em democracias de
baixa qualidade a agenda não existe ou é secreta, não é publicizada. Isso
explica em parte a inexistência de acordos programáticos. Ou pode ser ainda
pior: é tecnicamente deficiente.
A governabilidade definida como aprovação
da agenda não produz necessariamente boa governança. A montagem exitosa de
coalizões governativas é precondição para tanto, mas sinaliza apenas ausência
de crise e conflito aberto. Se não estiver ancorada programaticamente, é
enxergada pelo eleitorado como conluio generalizado, "pax
predatória", já tratado em coluna.
Entre nós, Executivo e Legislativo deparam
com incentivos distintos: o primeiro é punido ou premiado pelo desempenho
macroeconômico, inflação e emprego; o segundo, pela atração de investimentos
federais e melhorias locais. A estrutura de incentivos os leva a defender
agendas distintas, criando problemas de ação coletiva e de tragédia dos comuns.
Isto porque os parlamentares não internalizam os custos (fiscais) de suas
ações, como discutido aqui.
Esses problemas são mitigados, nas
democracias, por partidos fortes permitindo o alinhamento de preferências
Executivo-Legislativo e alongando o
horizonte do cálculo político. A opção brasileira face ao partidarismo
débil foi a extensa delegação de poderes ao Executivo da Constituição de 1988,
que dotou os presidentes de prerrogativas procedimentais em relação à agenda
congressual (iniciativa exclusivas, orçamento autorizativo, MPs e outras). Mas
ela só produz boa governança se o presidente tiver uma agenda clara e
publicizada, ancorada em evidências e for apoiado por coalizões legislativas
pré-eleitorais amplas. Na sua ausência, teremos "malaise" política e
insustentabilidade fiscal.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Um comentário:
Estupenda explanação!
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