quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Martin Wolf * - Não é o fim da ascensão da China, ainda

Valor Econômico 


O problema econômico mais intratável é a dependência excessiva dos investimentos alimentados pelo crédito, e não pelo consumo 


Qual será o futuro da China? Ela se tornará uma economia de alta renda e, portanto, inevitavelmente, a maior do mundo por um período prolongado, ou ficará presa na armadilha da “renda média”, com crescimento comparável ao dos Estados Unidos? Esta é uma questão vital para o futuro da economia mundial. Também não é menos vital para o futuro da política global. 


As implicações podem ser vistas de uma maneira bem simples. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) o PIB per capita da China (medido pelo poder de compra) foi 28% do nível dos EUA em 2022. Isso é quase exatamente a metade do PIB per capita relativo da Polônia. Também classifica o PIB per capita da China em 76º lugar no mundo, entre o de Antigua e Barbuda, acima, e o da Tailândia, abaixo. No entanto, apesar de sua relativa pobreza, o PIB da China (medido desta maneira) é o maior do mundo. Agora, suponha que seu PIB relativo per capita dobrou, igualando o da Polônia. Então, seu PIB seria mais que o dobro do dos EUA e maior que o dos EUA e o da União Europeia juntos. 


Tamanho importa. A China certamente continuará sendo um país muito populoso por um longo período. Em 2050, por exemplo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), ela ainda terá 1,3 bilhão de habitantes. 


Portanto, a questão sobre o futuro da China no mundo pode ser reafirmada da seguinte forma: conseguirá ela alcançar o mesmo nível de prosperidade em relação aos EUA que a Polônia já tem? Isso representaria mais uma duplicação de seu PIB per capita relativo. Isso realmente será tão difícil? Antes de concluir que será, vale observar que o PIB per capita da China em relação ao dos EUA passou de 2% para 28% dos níveis dos EUA em 42 anos, de 1980 a 2022. Isso representa pouco menos que quatro duplicações. Será outra duplicação em, digamos, 20 anos, inconcebível? 


Uma comparação pode ajudar a responder essa pergunta. Um país que chegou perto de igualar o desempenho da China na era pós-Segunda Guerra Mundial é a Coreia do Sul. No começo dos anos 60, seu PIB per capita era cerca de 9% do nível dos EUA. Demorou cerca de um quarto de século, partindo de 1980, para a China chegar nesse ponto. A Coreia chegou a 28% do nível dos EUA, onde a China está hoje, em 1988. Ela atingiu 57% do nível dos EUA, onde a Polônia está hoje, em 2007. Agora, ela atingiu 70%. Se a China igualasse isso, alcançaria o nível relativo da Polônia em 2022 na década de 2040, e 70% dos níveis dos EUA na década de 2050. Isso seria um novo mundo. 


O problema econômico mais intratável é a dependência excessiva dos investimentos alimentados pelo crédito, enquanto fonte de demanda, e a dependência excessiva do acúmulo de capital, e não da inovação, como fonte de aumento da oferta 


Antes de rejeitar imediatamente essa comparação, alguns erros precisam ser evitados. Neste momento, uma grande atenção vem sendo dada à desaceleração econômica da China, sua dependência excessiva dos investimentos no setor imobiliário e sua fragilidade financeira. Tudo isso é compreensível. Mas também pode ser exagerado. A Coreia do Sul foi atingida por várias grandes crises, notadamente a crise da dívida de 1982 e a crise financeira asiática de 1997. Mesmo assim, em resposta a esses choques, a Coreia se ajustou e avançou. Ela não experimentou uma estagnação relativa prolongada como o Japão depois de 1990. Pelo contrário: a Coreia, cujo PIB per capita era um terço do do Japão na década de 50, é hoje mais rica que seu antigo senhor imperial. Taiwan, a propósito, saiu-se ainda melhor que a Coreia do Sul. Não admira que muitos taiwaneses queiram permanecer independentes. 


É verdade que se pode apresentar uma longa lista de razões pelas quais a China deve ter chegado ao fim da linha em sua corrida surpreendentemente acelerada para alcançar as economias tecnologicamente mais desenvolvidas. Estas incluem o envelhecimento da população, desequilíbrios estruturais, fragilidade financeira, um cenário global em deterioração e o governo arbitrário e opressivo de hoje. Todos esses são pontos perfeitamente legítimos.

 

O problema econômico mais intratável é a dependência excessiva dos investimentos alimentados pelo crédito, e não pelo consumo, enquanto fonte de demanda e, paralelamente, a dependência excessiva do acúmulo de capital, e não da inovação, como fonte do aumento da oferta. Assim, de 2009 a 2022 (inclusive), a contribuição dos aumentos na “produtividade total dos fatores” (uma medida a eficiência no uso de recursos) foi em média de cerca de 0,5 ponto percentual por ano, bem abaixo dos dois pontos percentuais por ano alcançados de 2000 a 2008. Isso também é muito lento. 


No entanto, vale lembrar os pontos fortes desse país enorme, que forma 1,4 milhão de engenheiros por ano, tem o escritório de patentes mais movimentado do mundo, possui uma população altamente empreendedora e está demonstrando potencial de liderança mundial na produção de veículos elétricos, para citar apenas um exemplo. Na Tecnologia da Informação (TI), ela já parece estar muito à frente dos europeus. Em resumo, poderá a China realmente não se igualar à Polônia? 


As maiores questões sobre o futuro da economia chinesa dizem respeito às políticas interna e global. Internamente, a China tem uma liderança que quer continuar com o crescimento acelerado, ou está agora inclinada a ver a estabilidade como algo mais desejável? Estará ela preparada para adotar as medidas necessárias para não só aumentar a demanda agora, mas também enfrentar os problemas estruturais do excesso de poupança e excesso de investimentos, a dependência excessiva do mercado imobiliário, a alavancagem excessiva e assim por diante? Estará ela preparada para dar liberdade de ação às empresas privadas novamente, ou está determinada a mantê-las sob um controle firme e inevitavelmente assustador?

Conseguirá ela convencer a população chinesa de que depois dos traumas da covid-19 ela pode ter confiança no futuro novamente? 

Adam Posen, do Peterson Institute of International Economics, argumentou veementemente que não. Eu não estou convencido. Eles mudaram no fim dos anos 70, em uma escala muito maior. É claro que a liderança também mudou. Mudará também desta vez? Ou ela está definida para os anos à frente? 


De igual importância é o cenário global adverso. O acesso da China aos mercados mundiais e à tecnologia está piorando. Existe até mesmo o risco de uma guerra. Ela precisará de muita determinação para superar este primeiro ponto, e de sabedoria para evitar o segundo. 


Portanto, sim, de fato é possível que estejamos assistindo o fim da ascensão da China. Mas isso não é inevitável. Acima de tudo, o que acontecer vai depender mais das escolhas chinesas do que dos desejos ocidentais. (Tradução de Mário Zamarian) 

*Martin Wolf é editor e principal analista de economia do Financial Times 

 

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