quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Vera Rosa - A divisão no governo sobre meio ambiente

O Estado de S. Paulo


Discurso na ONU destaca transição energética, mas governo ainda diverge sobre foz do Amazonas 

 

Ao fazer sua reestreia na tribuna da Assembleia Geral da ONU, ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu vários recados. Tentou consertar derrapadas quando disse que a guerra na Ucrânia escancara a “incapacidade coletiva de mediar conflitos”, criticou a aposta das grandes potências mundiais em gastos militares e condenou, mais uma vez, o embargo dos Estados Unidos a Cuba. 


Mas foi ao bater na tecla da necessidade de reforma do Conselho de Segurança da ONU para combater as desigualdades que Lula fez a conexão com os pilares do G-20, grupo que terá o Brasil no comando a partir de dezembro. 


A promoção do desenvolvimento sustentável, que passa pela transição energética, é justamente uma dessas diretrizes. “Estamos na vanguarda da transição energética e nossa matriz já é uma das mais limpas do mundo”, destacou o presidente. 


Lula não disse nem poderia dizer naquele palanque, mas esse é um dos temas que têm despertado choro e ranger de dentes no governo. E os dois ministros que protagonizam a queda de braço estavam na plateia da ONU, assistindo ao discurso de Lula: Marina Silva, do Meio Ambiente, e Alexandre Silveira, de Minas e Energia. 


A polêmica da vez envolve a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas. A autorização foi negada pelo Ibama em maio, a Petrobras recorreu, com apoio de Silveira, e Marina afirmou que decisão técnica precisa ser respeitada. “Muitas vezes os atalhos nos levam a abismos e o percurso mais longo nos leva ao porto desejado”, comparou ela.

 

Embora costume emitir sinais trocados em público, Lula é a favor da exploração do potencial petrolífero na chamada Margem Equatorial. Cabe, então, a pergunta: isso não contradiz seu discurso na ONU que, sob o slogan “O Brasil voltou”, empunha a bandeira de um modelo ambientalmente sustentável? 


Na prática, o setor de petróleo e gás vai financiar essa transição por muito tempo. “É um paradoxo com o qual a gente vai ter de viver”, admite o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates. “Transição energética é uma metamorfose ambulante. Vamos furar lá no fundo do mar, tirar talvez o último petróleo do mundo para pagar e estruturar uma economia de floresta em pé.” 


O Planalto quer chamar a atenção sobre o tema para a cúpula do G-20 no Rio, em 2024. No discurso, todos concordam que a economia de baixo carbono é a aposta para as próximas décadas. Resta saber se o Brasil será capaz de fazer o dever de casa para mitigar os danos da exploração do combustível fóssil e atrair investimentos estrangeiros. Ao que tudo indica, Lula terá de combinar a estratégia com os russos do próprio governo.  

 

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