Valor Econômico
Poder de barganha do Brasil em negociações
sobre o meio ambiente depende da forma como preservamos a Amazônia
Caetano Veloso compôs a canção “O Império da
Lei” após assistir ao filme “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos
lábios”, drama dirigido por Beto Brant e Renato Ciasca, baseado no livro de
mesmo nome pelo jornalista e roteirista Marçal Aquino.
A história se passa no interior do Pará, para onde um fotógrafo paulista se muda em busca de novas experiências. Como pano de fundo do romance, a região vive um surto econômico decorrente da perspectiva de liberação da mineração de ouro no rio que banha a cidade. Com o afluxo de moradores de toda parte, o comércio se expande, assim como as externalidades negativas do “progresso”: conflitos entre garimpeiros e indígenas, crimes violentos e uma epidemia de doenças sexualmente transmissíveis.
Em entrevista a “O Globo” quando lançou o
disco, em 2012, Caetano diz ter se inspirado no assassinato da missionária
Dorothy Stang, assassinada em Anapu (PA) após receber ameaças de madeireiros e
grandes proprietários de terra por seu trabalho na Pastoral da Terra contra o
desmatamento da Amazônia, em 2005 - mesmo ano de lançamento do livro de Marçal
Aquino.
“Vendo o filme, fiquei muito emocionado e
pensando nessa situação do interior do Pará, que a gente acompanha pela
imprensa há muitos anos, com a sensação de que o império da lei ainda não pôs
seus tentáculos ali de modo firme”, disse Caetano.
Na próxima quinta-feira, inicia-se em Dubai,
nos Emirados Árabes Unidos, a 28ª Conferência das Nações Unidas sobre as
Mudanças Climáticas, principal fórum multilateral sobre questões ambientais.
Com Lula, 12 ministros de Estado e mais de
2.400 técnicos do governo, parlamentares, membros de governos estaduais e
municipais, empresários e representantes da sociedade civil, a delegação do
Brasil terá forte presença na COP 28.
Anfitrião da edição que acontecerá daqui a dois anos, o governo brasileiro aposta nos bons números da queda do desmatamento na Amazônia e num pacote de medidas econômicas para acelerar o processo de transição energética para ampliar sua importância na agenda ambiental internacional.
Como cartão de visitas para a COP, o Tesouro
Nacional lançou há duas semanas a primeira emissão de títulos sustentáveis no
mercado. Conhecidos como green bonds, esses papéis são lastreados pelo
compromisso de aplicar os recursos captados na conservação de recursos naturais
e em ações de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. O resultado foi
positivo: com vencimento em 2031, o governo levantou US$ 2 bilhões, a uma taxa
de 6,5% ao ano - com spread de apenas 1,8 ponto percentual acima dos títulos do
Tesouro americano.
A estratégia de lançar títulos públicos
atrelados a iniciativas ambientais traz um parâmetro financeiro para as
entregas concretas do governo brasileiro na área. À medida que apresentar
resultados consistentes na redução do desmatamento e das emissões de gases de
efeito estufa, o país terá condições de atrair recursos crescentes, a taxas
cada vez menores.
A partir de agora, portanto, a reputação do
governo na área ambiental será medida pelos resultados palpáveis, e não mais
pela beleza de seus discursos nas reuniões internacionais. Caso suas palavras
não se reflitam em menores emissões de CO2, os green bonds se desvalorizarão,
com redução dos prazos médios e elevação de seus custos. Aliás, é o que temos
observado na gestão da dívida pública total, desde que, há oito anos, perdemos
a confiança dos investidores internacionais com sucessivos déficits fiscais.
Desde que venceu a eleição, Lula investe na
construção de uma liderança entre os países emergentes nas negociações das COPs
após o retrocesso da era Bolsonaro. Para isso, utiliza como trunfos os imensos
ativos da biodiversidade brasileira. A tática só vai dar certo, porém, se
tivermos resultados a apresentar.
Não são poucos os desafios. Embora a área
desmatada na Amazônia de janeiro a outubro tenha sido reduzida em 49,6% em
relação ao ano passado, graças ao reforço da fiscalização do Ibama, ainda assim
foram quase 5 mil km2 de mata nativa devastados apenas neste ano. Para piorar a
situação, no cerrado brasileiro, onde se concentra a força do agronegócio, o
desmatamento subiu 34%, para mais de 6.800 km2 até o momento em 2023.
Para piorar a situação, o governo Lula
enfrenta dilemas que confrontam a pauta ambiental e sua agenda
desenvolvimentista, como a exploração de petróleo na Margem Equatorial, o
asfaltamento da BR-319 e a construção da Ferrogrão, todas ações com potencial de
afetar a Floresta Amazônica.
As escolhas do governo nessas questões estão
sendo acompanhadas de perto pelas partes interessadas nas medidas de combate ao
aquecimento global e agora também pelos investidores internacionais.
O cacife do país nos fóruns internacionais
depende, portanto, do que acontecerá no país até a COP 30, em 2025, em Belém do
Pará.
O Pará, aliás, é o Estado que apresenta os
piores índices de desmatamento em 2023, segundo dados do Imazon: 31% da perda
florestal na Amazônia brasileira aconteceu lá.
Se quiser ter protagonismo na agenda
ambiental, o governo precisa, primeiro, fazer seu dever de casa e zerar o
desmatamento. Para alcançar a credibilidade que ambiciona ao sediar a COP 30, o
império da lei precisa chegar ao coração do Pará, como diz a canção de Caetano.
*Bruno Carazza é professor associado da
Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do
sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário