segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Sergio Lamucci - A força da balança comercial e a blindagem das contas externas

Valor Econômico

O déficit das transações de bens, serviços e rendas com o exterior deve ficar na casa de 1% a 1,5% do PIB neste ano, bem abaixo dos 2,8% do PIB de 2022

O superávit comercial neste ano deve superar US$ 90 bilhões, podendo alcançar US$ 100 bilhões, segundo as estimativas mais otimistas. A diferença crescente entre exportações e importações tem fortalecido as contas externas do Brasil, que já tem reservas internacionais elevadas, de US$ 345 bilhões. Neste ano, o déficit em conta corrente, que mostra o resultado das transações de bens, serviços e rendas com o exterior, tende a ficar entre 1% e 1,5% do PIB, bem inferior aos 2,8% do PIB de 2022.

É um desempenho que ajuda a blindar o Brasil num cenário de juros mais altos nos países desenvolvidos, sempre um quadro mais adverso para países emergentes, ainda que o ambiente global esteja mais benigno nas últimas semanas. As contas externas saudáveis contribuem para manter o dólar abaixo de R$ 5, preservando espaço para a continuidade da queda dos juros, embora a situação das contas públicas esteja longe de resolvida.

O desempenho da balança comercial tem impressionado. Em outubro, o saldo ficou positivo em US$ 9 bilhões, superando em US$ 5,6 bilhões o do mesmo mês de 2022, como lembra o boletim deste mês do Indicador de Comércio Exterior (Icomex) da Fundação Getulio Vargas (FGV). De janeiro a outubro, o superávit acumulado ficou em US$ 80,2 bilhões, já bem superior ao recorde de US$ 62 bilhões de todo o ano passado. “Com esses resultados, o superávit de 2023 deverá ficar entre US$ 95 bilhões e US$ 100 bilhões”, apontam os economistas do Icomex.

Nas exportações, o destaque deste ano é o aumento do volume de commodities vendido ao exterior, que subiu 12,5% em relação ao intervalo de janeiro a outubro do ano passado. Como os preços desses produtos caíram 9,2% no período, a alta das exportações em valor ficou em 1,8%. Entre as três principais commodities exportadas, soja e petróleo registram aumento em valor, enquanto o minério de ferro teve um pequeno recuo, observa o boletim do Icomex.

Nesse cenário, superávits comerciais expressivos devem ocorrer neste ano e no próximo, segundo analistas. A economista-chefe da Armor Capital, Andrea Damico, projeta um saldo de US$ 94 bilhões em 2023 e de US$ 83 bilhões em 2024, enquanto o Bradesco estima US$ 93 bilhões neste ano e US$ 76 bilhões no ano que vem. Nos dois casos essas previsões levam em conta os critérios da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).

Para o cálculo das contas externas, o Banco Central (BC) adota outra metodologia, considerando em seus números compras externas de pequeno valor, investimento em criptomoedas e importações de plataformas de petróleo pelo Repetro. Isso diminui o superávit comercial que entra nas estatísticas do setor externo. Pelo critério do BC, as projeções de Andrea são de um saldo de US$ 82 bilhões neste ano e de US$ 71 bilhões no ano que vem. Para ela, o país terá um déficit em conta corrente de 1,4% do PIB em 2023 e de 1,8% do PIB em 2024. O Bradesco projeta números próximos, de 1,2% e 1,7% do PIB.

Haverá uma queda forte em relação aos rombos registrados em 2021 e 2022, os dois na casa de 2,8% do PIB. Além disso, o Brasil terá um déficit em conta corrente neste ano menor que os de países emergentes como Chile, Colômbia e Turquia. Pelas estimativas da Economist Intelligence Unit (EIU), os dois países sul-americanos devem ter um buraco de 4% do PIB em 2023; a Turquia, de 4,6% do PIB.

Em maio de 2013, o então presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Ben Bernanke, acenou com a redução dos estímulos monetários, provocando uma alta abrupta dos juros dos títulos do Tesouro dos EUA, o que levou a uma forte desvalorização de moedas emergentes, especialmente de países com elevados déficits em conta corrente. Naquela época, o rombo brasileiro estava próximo a 4% do PIB, beirando US$ 100 bilhões. No fim de 2014, o número chegou a 4,5% do PIB, atingindo US$ 110 bilhões. A partir do ano seguinte, passou a diminuir. Para comparar, o déficit neste ano deve ficar em US$ 25 bilhões nas contas do Bradesco, o equivalente ao já mencionado 1,2% do PIB.

O déficit em conta corrente brasileiro segue financiado com folga pelos investimentos estrangeiros diretos no país (IDP), mesmo com o recuo desse fluxo de recursos ao longo de 2023. De janeiro a setembro deste ano, o investimento direto ficou em 2,6% do PIB, o dobro do 1,3% do PIB do rombo em conta corrente no período. Nos nove primeiros meses de 2022, o IDP foi de 4,8% do PIB. Para completar, o nível de reservas do país é bem superior à dívida externa do setor público, ultrapassando também o valor do endividamento externo total, que inclui o do setor privado.

A situação confortável desses indicadores é levada em conta especialmente pelos investidores estrangeiros, que veem um país com baixa vulnerabilidade externa. Os participantes do mercado local também têm dado mais peso a esse aspecto, avalia Andrea.

Para ela, a solidez das contas externas funciona como um colchão, ajudando a manter o dólar abaixo de R$ 5 mesmo num momento de redução da diferença entre os juros externos e internos. A distância encurta devido ao ciclo de queda da Selic, o que pode afetar o fluxo financeiro para o país.

Os economistas do Bradesco ressaltam que a dinâmica favorável das contas externas contribui para o bom desempenho do real em relação a outras moedas emergentes, levando o banco a manter a expectativa de que a cotação do dólar cairá para R$ 4,80. Na sexta-feira, fechou em R$ 4,8984.

As condições saudáveis das contas externas, contudo, não devem ser motivo para um relaxamento da condução das contas públicas. Se as incertezas fiscais permanecerem elevadas, elas podem impedir uma valorização adicional do câmbio, que facilitaria quedas maiores dos juros. E, se o cenário global voltar a piorar, com um eventual retorno da expectativa de que os juros ficarão mais altos por bem mais tempo nos EUA, por exemplo, é importante que o quadro fiscal seja menos incerto, para que o país não seja visto como frágil nesse campo. Isso requer controle de gastos, e não apenas elevação de receitas.

A solidez das contas externas é obviamente um trunfo, mas não torna menos relevante uma política econômica que tenha como prioridade buscar o equilíbrio das contas públicas. Sem isso, não será possível uma redução estrutural dos juros para níveis mais baixos.

 

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