Uso político volta a ameaçar Petrobras
O Globo
Presidente da estatal resiste a pressão para
baixar preço do combustível, mas retoma investimentos questionáveis
O presidente da Petrobras, Jean Paul
Prates, anunciou em agosto que a estatal investiria em 47 projetos
do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Na ocasião, revelou que o
financiamento da estatal geraria encomenda interna de 25 navios e afretamento
de 11 outras embarcações. “Vamos lotar nossos estaleiros de novo”, disse,
exultante.
Na semana
passada, a estatal apresentou seu plano de investimentos para o quadriênio
2024-28. Serão ao todo US$ 102 bilhões, 31% acima do valor
previsto no ano passado. O plano era visto com reservas pelo Planalto, cujo
interesse é criar empregos no curto prazo. O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva critica projetos de longo prazo, querendo resultados logo. Mesmo assim, a
Petrobras atendeu a todos os anseios do desenvolvimentismo estatista que guia
os economistas do PT.
Além dos projetos do PAC, estão lá US$ 16 bilhões destinados a refino, área que a estatal vinha abandonando com a privatização de refinarias, necessária para trazer competição ao mercado brasileiro de combustível. Não apenas as privatizações foram suspensas, mas agora o refino deverá ser ampliado. Vale lembrar que, entre 2007 e 2014, nas gestões petistas, a Petrobras investiu em refino 70% dos recursos destinados à atividade desde a fundação da empresa, em 1953. O retorno foi, segundo estudo do Ibre/FGV, ridículo. Símbolos do desperdício são as inconclusas refinarias Abreu e Lima e Comperj. Focos da corrupção desmascarada na Operação Lava-Jato, voltarão a receber investimentos.
Na visão do governo, a Petrobras, com seu
poder de compra, também deve ser usada para financiar um programa de
substituição de importações de navios e plataformas em alto-mar. Não é a
primeira vez que isso acontece. Gestões anteriores do PT idealizaram a Sete
Brasil, semiestatal criada em torno da Petrobras que encomendou 29 sondas a
estaleiros. Quase nada ficou pronto. A Sete naufragou em dívidas, jamais foi
competitiva no mercado, depois ganhou destaque como outro foco de corrupção.
Claro que o plano da Petrobras também
contempla a exploração de petróleo, com mais de US$ 73 bilhões. Apenas a
controversa prospecção na Margem Equatorial, próxima à foz do Amazonas,
receberá US$ 3,1 bilhões. Ao mesmo tempo, a área de energia limpa contará com
US$ 9,1 bilhões. Um dos pontos de discórdia foi o plano de investir US$ 5,2
bilhões em energia eólica e solar. O projeto é coerente com a estratégia das
grandes petrolíferas em transição para além dos combustíveis fósseis. Mas o
governo Lula não vê nele valor e insiste na visão arcaica de que a empresa deve
usar seus recursos para fortalecer a indústria nacional.
Prates também foi pressionado para derrubar o
preço do combustível. No início de sua gestão, adotou uma nova fórmula de
cálculo, abandonando a paridade com cotações internacionais. Prevalece no
governo a sensação de que os preços estão altos diante da queda global do
barril. Mas Prates convenceu o governo de que sua fórmula exige isso.
Nem investimentos da Petrobras nem o preço da
gasolina deveriam depender do humor do Planalto. Ambos são questões técnicas.
Como gestor de uma empresa aberta, Prates tem o dever de prestar contas delas a
todos os acionistas, e não de satisfazer às necessidades políticas ou às
inclinações ideológicas do governo.
Fraudes digitais demandam atenção de
instituições financeiras e poder público
O Globo
Com 365 milhões de casos estimados no
primeiro trimestre, Brasil se torna campeão em golpes na internet
Campeão de golpes em pessoas físicas por meio
digital — invasão de contas bancárias, clonagem de cartões de crédito etc. —, o
Brasil precisa adotar com urgência políticas mais eficazes contra esses crimes.
Calcula-se que, apenas no primeiro trimestre deste ano, tenha havido mais de
2.800 tentativas de fraudes financeiras via meios eletrônicos por minuto, de
acordo com o portal e-Investidor. No total, foram aproximadamente 365 milhões
de golpes. Não se conhece a taxa de sucesso das quadrilhas que agem por trás
das telas de celulares e computadores. Sabe-se apenas que é proporcional à
desinformação de grande parcela da população sobre cuidados básicos no uso de
cartões e dos recursos digitais.
Várias situações corriqueiras podem esconder
alguém que deseja furtar senhas para obter acesso a contas bancárias e cartões
de crédito de modo a desviar o que puder dos incautos. A cada facilidade que a
tecnologia digital cria, a criminalidade desenvolve métodos para burlar os
sistemas de segurança, muitas vezes com a ajuda involuntária das próprias
vítimas.
A profusão das fraudes já leva os bancos a
produzir anúncios com alertas sobre as falcatruas mais comuns. Assim como a
Justiça Eleitoral veicula campanhas para esclarecer os eleitores, é preciso
fazer o mesmo em relação aos cuidados básicos no acesso aos aplicativos
financeiros.
É essencial todos saberem que nenhuma
instituição financeira pede senhas ou número de cartão por telefone. Deve-se
desconfiar de ofertas mirabolantes de bens, serviços e investimentos. Links que
chegam por e-mails fajutos, mensagens de SMS solicitando chamadas a centrais
0800 controladas por criminosos se passando por atendentes bancários, simulação
de identidades falsas no WhatsApp — a criatividade dos golpes não tem limites.
A lista de riscos no universo financeiro
digital de compras e movimentação em dinheiro não para de crescer. Daí a
necessidade, sem prejuízo de iniciativas pontuais, também de campanhas
institucionais, até com participação do poder público, sobre como transitar com
segurança pela internet. Educadores e pedagogos devem abordar nos currículos
escolares o uso ético e seguro da internet. Em todos os seus aspectos. No
passado, pensava-se apenas em “educação financeira”. O tempo avançou, e a atual
carência é de outra ordem.
Bancos e instituições reguladas pelo Banco
Central começaram no início do mês a trocar informações sobre fraudes, algo que
já acontecia entre os filiados à Federação Brasileira de Bancos (Febraban)
mediante acordos com a Polícia Federal. Agora, o contato entre instituições
financeiras se amplia com a participação da Zetta, associação a que estão
filiadas as empresas financeiras puramente digitais, as fintechs. É um passo na
direção certa. O sistema financeiro como um todo deve agir de forma coordenada
e preventiva contra a criminalidade digital, mas, independentemente das medidas
institucionais, é imprescindível que a população se cerque dos cuidados
devidos.
Pressões indevidas tornam duvidoso futuro da
Petrobras
Valor Econômico
Entre governo e aliados, não falta quem
pretenda radicalizar a política de preços
O presidente Lula escolheu o ex-senador
petista Jean Paul Prates para comandar a Petrobras para mudar a política de
paridade internacional dos preços e “abrasileirá-los”. Além de definir o rumo
da nova política, o governo, como já fizera seu antecessor, Jair Bolsonaro,
atropelou a governança da empresa e a lei das estatais, indicando membros do
Ministério de Minas e Energia para compor seu conselho. Tudo indicava que os
rumos da estatal estavam alinhados com o Planalto, já que Prates está fazendo o
que o governo esperava dele, mas foi um ledo engano. De repente, ministros
resolveram criticar os rumos da empresa em momento inadequado. Às vésperas de
anunciar um plano de investimentos de US$ 102 bilhões (cerca de meio trilhão de
reais), de figuras do centro do poder partiam sugestões de que a cabeça do
presidente da estatal estava a prêmio.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre
Silveira, iniciou novo assédio contra a empresa, ao dizer que a Petrobras
mereceria “puxão de orelhas” por não ter reduzido novamente o preço da
gasolina, do gás de cozinha e do óleo diesel. Prates, que ainda como senador se
insurgiu contra a política da paridade de preços internacionais e
“abrasileirou” preços, respondeu que um dos objetivos da nova política era
evitar volatilidade. Logo, era preciso esperar um pouco até que a nova
tendência das cotações se firmasse. Silveira e seus aliados parecem achar que a
regra, que espaça os reajustes, só vale quando preços sobem - quando caem, o
repasse tem de ser rápido. Ambos divergem sobre a aplicação de uma política
errada.
As cotações do petróleo no mercado
internacional estão oscilando bastante recentemente. Em 16 de novembro, o preço
do barril brent recuou para US$ 77,42. Voltou a subir na semana passada (US$
82,45 no dia 21), porque a Opep indicou que pretende prorrogar os cortes de
produção para sustentar as cotações e impedir novas quedas. No ano o preço
diminuiu 4,03% e no mês, 5,67%.
Há discricionaridade e falta de transparência
no “abrasileiramento” dos preços, e Prates o defende. Mas como os preços de
combustíveis têm repercussão na popularidade do presidente, peso forte na
inflação e influência indireta na determinação do ritmo de queda dos juros,
seus rivais escolheram um flanco sensível a Lula para atacar sua “inação”.
A disputa pelo poder ampliou os desencontros
no governo Lula. Ela envolve o poder de comando e de gestão de recursos
bilionários da maior empresa do país. O plano de investimentos 2024-2028 da
estatal, aprovado na quinta-feira pelo conselho de administração, prevê 11% do
total em gastos com energias alternativas, o dobro do plano 2023-27, com a meta
de atingir 16% em 2028. A Petrobras acelerou esses projetos, completamente
abandonados na gestão Bolsonaro. Como têm lucratividade incerta e influem na
capacidade futura de investimentos da empresa, Prates teria defendido que
fossem feitos por quem já tem projetos prontos, detenha tecnologia e expertise
na área.
Seus rivais prefeririam aporte em projetos
que partissem do zero, com exigências de conteúdo local (Valor, 21 de
novembro). Há demandas também sobre encomendas para a indústria naval - uma
política várias vezes fracassada e uma das grandes fontes de corrupção no
petrolão -, que teriam sido acanhadas perto do que esperavam
“desenvolvimentistas” no Planalto.
Como os projetos da Petrobras compõem a
grande parte dos recursos do novo-velho Programa de Aceleração do Crescimento -
R$ 241,2 bilhões ou mais da metade do subeixo de transição e segurança
energética - as divergências envolvem o ministro da Casa Civil, Rui Costa,
gestor do programa, que teria apoiado as posições do ministro de Minas e
Energia. Costa já havia afrontado o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e
proposto que o novo regime fiscal estreasse com déficit, e não em equilíbrio,
para evitar que os recursos do PAC fossem contingenciados. Nesse debate
interno, foi (provisoriamente) derrotado.
O plano de investimentos 2024-28 é 31% maior
que o anterior, reduz a preponderância quase absoluta dos recursos aplicados em
exploração e produção de 83% para 72%, ou US$ 73 bilhões, e redireciona boa
parte desses recursos para energias alternativas e descarbonização das
operações da própria Petrobras. Mas o desenho da gestão Prates pôs fim aos
desinvestimentos e não venderá mais refinarias, uma opção errada, porém
previsível com a chegada de Lula ao poder. Com isso, se encerram de vez as
possibilidades de abertura do mercado a outras empresas e a Petrobras pode
retomar a concentração de poder econômico da qual nunca se desfez por inteiro.
A liminar que derrubou as exigências para ocupar cargos de direção e conselho nas estatais abriu um flanco na governança da companhia. As indicações políticas já moldaram a atual diretoria. Entre governo e aliados, não falta quem pretenda radicalizar a política de preços para agradar ao presidente e multiplicar obras sem prioridade ou transparência, o que no passado recente se tornou caso de polícia. A interferência do governo tende a ser ruinosa para a maior empresa do país.
Parte da paisagem
Folha de S. Paulo
Nova direita veio para ficar; cumpre combater
riscos e compreender seus anseios
A vitória de
Javier Milei na Argentina e a perspectiva realista do retorno
de Donald Trump à Casa Branca reforçam a hipótese de que uma nova direita
popular e populista, que emergiu em meados da década passada, tornou-se parte
da paisagem das democracias ocidentais.
O fato de o fenômeno favorecer a cavalgada de
outsiders —e de apoiar-se na máquina artificiosa de decantar rivalidades das
redes sociais— pode ter causado a impressão inicial de que seria passageiro. É
forçoso reformar essa visão diante das evidências.
Se a era dos aventureiros não se dissipou, é
porque a massa de eleitores que os sustenta cristalizou preferências
convergentes com as ideias que eles propagam. Simplesmente tachar de ignorante
esse volumoso contingente de cidadãos ofende o espírito republicano.
A melhor abordagem passa pelo reconhecimento
de que se trata de decisões de voto tão refletidas e responsáveis quanto
quaisquer outras. Compreender motivos e implicações dessas escolhas e ampliar o
debate público ajuda a aperfeiçoar o regime democrático.
Os riscos mais evidentes da consolidação
dessas correntes direitistas repousam na sua inclinação ao autoritarismo e à
violência. A pregação agressiva contra o statu quo por vezes atiça a ilusão de
que ações diretas do líder ou de multidões poderão acelerar a consecução de
seus objetivos.
Nesse capítulo não há o que negociar.
Aplica-se a lei aos delinquentes, como ocorreu com quem ousou invadir e
depredar prédios de governo em Washington e Brasília, e antepõe-se a força das
instituições de controle à intentona cesarista do mandatário.
Esse eleitorado, por outro lado, expressa
anseios dignos de respeito, que deveriam fomentar autocrítica. É o caso do
mal-estar pelo enclausuramento
de autoridades, elites e representantes num círculo de pompa e privilégios distante
da maioria da população.
Outro elemento a ser sopesado, derivado do
anterior, é a cobrança de que as burocracias sirvam com eficiência aos cidadãos
que as financiam e de que regramentos excessivos e prevenções ideológicas não
esmaguem direitos como o de empreender e de se expressar.
O princípio fundamental dos regimes abertos
da soberania da legalidade, devendo todos ser tratados com isonomia, concorre
seja para afastar as ameaças carreadas pela ascensão da nova direita, seja para
assimilar as queixas legítimas do movimento.
Abrir um diálogo franco nesses termos,
respeitadas as divergências políticas, fará bem ao Brasil e a outras
democracias que encaram desafio semelhante.
Facilitar o trabalho
Folha de S. Paulo
Decreto que limita atividade aos domingos foi
mais uma medida arcaica do governo
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
insiste em ações retrógradas na área trabalhista. A última tentativa foi
o decreto que
limita o trabalho aos domingos e feriados, publicado em 14 de
novembro e suspenso poucos dias depois devido à reação do Congresso.
A norma reverte a permissão ampla concedida
em 2021, ao exigir previsão em convenção coletiva e aprovação municipal do
trabalho dominical e em feriados para vários setores da economia, como
farmácias, lojas e supermercados.
As exigências valeriam a partir de janeiro,
mas o decreto suscitou movimentação no Parlamento e em associações do setores
afetados. No dia 21, foi aprovada na Câmara a urgência para votação de um projeto de
decreto legislativo para derrubar a portaria do governo.
Percebendo o alto risco de derrota, Luiz
Marinho, ministro do Trabalho, suspendeu temporariamente a mudança e agora diz
que instaurará uma comissão tripartite, com representantes de governo,
sindicatos e associações patronais.
Tanto o ministro como dirigentes sindicais
justificaram a portaria anacrônica como uma tentativa de fortalecer os
sindicatos.
Trata-se, na prática, de dificultar a vida de
trabalhadores e empresas, impondo o intermédio de dirigentes nas soluções. Eis
a receita de sempre para manter a tutela das negociações trabalhistas em
estruturas sindicais ossificadas.
Não procede o argumento de que os direitos
trabalhistas são desrespeitados e precisam ser novamente revistos em
convenções.
Nenhuma norma pode suplantar dispositivos da
CLT que disciplinam a carga máxima de trabalho e o descanso semanal. Já há,
ademais, acordos coletivos para a jornada aos domingos e feriados.
É quase unânime o entendimento de que o
caminho mais sensato e que gera melhores resultados para a economia é ampliar a
liberalização, sob as regras da CLT, mas governo e parceiros sindicais
permanecem corporativistas.
O ministro deveria estar mais preocupado em
implementar uma modernização que fortaleça a representação de classe a longo
prazo. É do interesse dos trabalhadores a existência de sindicatos atuantes,
que atraiam associados e contribuições voluntárias.
Em vez de reforçar estruturas monopolistas arcaicas, o melhor seria liberalizar o sistema e ampliar a concorrência entre as entidades, o que exigiria a revisão da unicidade constitucional. Não serão, por certo, os dirigentes atuais a iniciar tal debate essencial.
A realidade fiscal bate à porta
O Estado de S. Paulo
Piora no déficit primário mostra que o
governo terá de se esforçar muito mais para cumprir a meta. Descrença na
política fiscal afeta projeções de crescimento e pesa na avaliação do governo
O governo reconheceu que o déficit primário
deste ano será pior do que se esperava. Segundo novas projeções do Relatório
Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas, o rombo orçamentário deve
atingir R$ 177,4 bilhões, um valor R$ 35,9 bilhões superior à estimativa
anterior, feita há dois meses.
Se confirmado, o saldo negativo equivalerá a
1,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Oficialmente, o rombo ainda está dentro do
limite de 2% estabelecido na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano,
de até R$ 213,6 bilhões, mas é bem pior que a meta de 1% com a qual o ministro
Fernando Haddad havia se comprometido no início deste ano.
A brutal piora no resultado se deve a muitos
fatores. O governo, como sempre, mencionou eventos extraordinários para
justificar o déficit maior. Parte disso se deve a uma estratégia de aproveitar
o espaço no Orçamento de 2023 para quitar passivos que possam prejudicar a
apuração nos anos seguintes.
Como explicou o economista Marcos Mendes ao
jornal Valor, o governo antecipou o pagamento de compensações a Estados e
municípios, que seria parcelado ao longo dos próximos anos, e adiou a previsão
de entrada de recursos de depósitos judiciais da Caixa. O Executivo também
busca autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para quitar o passivo de
precatórios que herdou do governo Bolsonaro de uma só vez.
Mas o próprio relatório indica que esses
artifícios não serão suficientes para zerar o déficit no ano que vem. Enquanto
a arrecadação de impostos patina há meses, as despesas continuam a aumentar em
termos reais, ou seja, acima da inflação. Essa “frustração” na arrecadação,
consequência de estimativas irreais quanto à recuperação de receitas, levou o
Executivo a bloquear R$ 1,1 bilhão em gastos, elevando o contingenciamento
deste ano a R$ 5 bilhões.
Negando a realidade, o governo não apenas se
recusa a rever gastos estruturais, como planeja aumentá-los. Promessa de
campanha da ministra do Planejamento, Simone Tebet, o programa para incentivar
alunos de baixa renda a concluírem o ensino médio deve custar entre R$ 4
bilhões e R$ 7 bilhões, a depender do alcance e do formato a ser adotado.
Tal proposta certamente é meritória, mas
viabilizá-la requer cortar despesas na mesma proporção, como manda a lei, e não
abrir mais uma exceção para contabilizar os gastos fora dos limites do
arcabouço fiscal. A manobra não apenas desmoraliza toda a articulação de Haddad
para aprovar o novo regime fiscal na Câmara e no Senado, como enfraquece a
âncora que nem começou a vigorar.
Como não poderia deixar de ser, a descrença
em relação à política fiscal do governo só cresce. Depois que Lula da Silva
desqualificou a importância de zerar o déficit em 2024 e o governo passou a
defender limites para o contingenciamento, nada menos que 100% dos
profissionais de mercado consultados na última pesquisa Genial/Quaest acreditam
que o governo não cumprirá a meta. Para 77% dos entrevistados, a falta de uma
política fiscal que funcione é o principal problema a dificultar a melhora da
economia.
A divulgação da prévia do PIB pelo Banco
Central (BC) confirmou a perda do vigor da atividade na segunda metade do ano.
Sem o apoio do agro, indicadores antecedentes do comércio e dos serviços e a
confiança dos empresários e consumidores não permitem otimismo. O próprio
governo reduziu sua projeção para o crescimento do PIB neste ano de 3,2% para
3% e, entre os analistas, há quem já preveja recessão técnica no segundo
semestre.
O pessimismo em relação à economia não vem
apenas do mercado. Entre a população, as avaliações negativas sobre o governo
Lula já superam as positivas, segundo a mais recente pesquisa Atlas – e isso em
pleno primeiro ano de mandato, quando a paciência do eleitor costuma ser maior.
Nesse cenário turvo, é urgente que o governo
comece a entregar algo do que prometeu e a cumprir as metas fiscais que ele
mesmo propôs. Abrir a torneira dos gastos não resolverá o problema e vai
retroalimentar um contexto de crescimento medíocre, baixo investimento e juros
elevados com o qual o País convive há anos.
Receita para sair da mediocridade
O Estado de S. Paulo
Ensino técnico pode levar o desenvolvimento
econômico a outro patamar no longo prazo, como mostra recente pesquisa do
Insper, mas para isso é preciso fortalecer essa modalidade de ensino
O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado
em 2014, estabelecia entre suas 20 metas a de triplicar as matrículas na
Educação Profissional Técnica até 2024, com uma quantidade de novos alunos
superior a 5 milhões. Um recente estudo do Insper mostrou que, se isso
acontecer, pode representar um acréscimo de 2,3% no PIB. Para ficar ainda mais
clara a relevância desse aumento, convertendo a valores nominais, pelo PIB
atual, estaríamos falando em algo perto de R$ 209 bilhões a mais na roda da
economia.
Infelizmente, a probabilidade de chegar
àquela meta no ano que vem é praticamente nula. Embora o País tenha registrado
pequenos avanços, no ano passado o número de matriculados no ensino técnico
ficou pouco acima de 2 milhões, de acordo com dados do MEC. É uma lástima, mas
o resultado não pode ser encarado como uma derrota definitiva. O caráter
decenal do plano de Estado tem esse horizonte largo justamente para atravessar
governos sem colocar em risco a importância do cumprimento das metas para a
Educação. Em 2024, é fundamental renovar o compromisso.
Os cálculos feitos pelo Insper confirmam o
que já se sabia por intuição. A defesa do ensino técnico, que este jornal não
cansa de legitimar, favorece não somente os interesses dos jovens, mas toda a
política macroeconômica do País. Reduz desigualdades, eleva os salários de quem
traz no currículo também a formação técnica e empurra a economia para a frente.
Preterir este modelo de ensino é, antes de tudo, abdicar de patamares maiores
de crescimento ao longo dos anos, atitude que o Brasil não está em condições de
adotar.
Já dissemos aqui que a média de estudantes
com formação técnica profissional entre os países da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) está em torno de 40%, enquanto no
Brasil menos de 10% dos estudantes do ensino médio buscam a formação técnica.
Para estes, o mercado de trabalho se abre com mais facilidade e os salários
são, em média, 32% maiores, de acordo com a pesquisa do Insper, feita a pedido
do Itaú Educação e Trabalho.
Torna-se necessária uma intensa campanha para
retirar do ensino técnico o estigma de modalidade menor de ensino. Ao
contrário, é o mais ancorado à atual revolução tecnológica que virou o setor
produtivo do avesso, com automação e digitalização sem precedentes. Sem ampliar
esse universo educacional, o País ficará para trás, condenado à mediocridade
econômica e à estagnação social. É uma questão que afeta diretamente os jovens,
mas, por extensão, rebate em toda a sociedade.
É preciso parar de ver o ensino técnico
apenas como uma alternativa ao ensino universitário; pelo contrário, trata-se
de um bom caminho também para o ensino superior. Essa busca por excelência tem
de ser um tópico prioritário da política pública de Educação, que coordena e
organiza os critérios em todos os entes federativos. Como mostrou recente
reportagem do Estadão, países desenvolvidos investem para que os alunos cursem
o ensino profissional junto com o médio. Não à toa, também alcançam melhores
resultados em produção e competitividade. É inadmissível que um país carente de
mão de obra qualificada como o Brasil relegue a segundo plano a importância da
especialização.
Com a aprovação neste ano da lei que
estabelece novas diretrizes para a política de educação profissional e
tecnológica, que desde 2019 tramitava no Congresso, é possível que haja um
avanço mais efetivo, a partir da integração do ensino técnico com o médio e o
superior, e aproveitamento de créditos de áreas afins. O MEC já anunciou
considerar prioritário o ensino técnico e já foi encaminhada ao Congresso uma
proposta de carga horária mais flexível para o currículo.
Espera-se que as reformulações em andamento
neste ano, o aumento na oferta de vagas, novas formas de financiamento e,
inclusive, a participação do setor produtivo na formação técnica e na oferta de
emprego aos alunos vindos do ensino técnico possam traçar um cenário mais
promissor para a meta a ser fixada no Plano Nacional de Educação do ano que
vem.
O incrível Juscelino
O Estado de S. Paulo
Acumulam-se suspeitas sobre o ministro, que
já deveria ter sido demitido há muito tempo
Talvez o presidente Lula da Silva considere
Juscelino Filho seu melhor ministro. Só isso explica por que razão o sr.
Juscelino continua no cargo de ministro das Comunicações, mesmo tendo sobre ele
diversas e robustas suspeitas de malfeitos.
No caso mais recente, noticiou-se que a
Polícia Federal (PF) constatou que duas de suas emendas parlamentares, quando
era deputado federal, favoreceram uma empreiteira da qual ele é o verdadeiro
dono.
A investigação da PF aponta que Antonio Tito
Salem Soares, proprietário da empresa destinatária das emendas, a Arco
Construções e Incorporações, não passa de um testa de ferro do atual ministro
das Comunicações. A firma foi beneficiada por contratos de obras bancadas pela
Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba
(Codevasf) na prefeitura de Vitorino Freire (MA), governada por Luanna Freire,
irmã de Juscelino. O ministro disse ao Estadão não ter nada a ver com a
empreiteira, criada no mesmo ano em que ele entrou no Congresso como deputado.
Restará brigar na Justiça contra as evidências colhidas.
O caso da propriedade da empreiteira Arco
coroa uma série de estripulias de Juscelino no uso de recursos públicos para
obras no seu reduto eleitoral, em benefício próprio e de seus familiares. O
esquema desvendado pela PF, entretanto, mostra-se bem mais amplo e ramificado.
No organograma aparecem a estatal Codevasf, há muito conhecida como o celeiro
do Centrão para suas políticas eleitoreiras, várias empresas cujos donos eram
ligados a Juscelino e a prefeitura de Vitorino Freire, onde brotam obras superfaturadas.
As duas emendas de Juscelino Filho permitiram
a recuperação e a pavimentação de uma estrada vicinal que, sem causar assombro,
liga o povoado de São João do Grajaú às porteiras das fazendas do ministro e de
seus familiares, caso que foi revelado por este jornal. Não à toa, o Supremo
Tribunal Federal atendeu a um pedido da PF e bloqueou os bens do ministro das
Comunicações em setembro passado.
A sobrevida de Juscelino no Ministério das
Comunicações causa especial estranheza quando comparada à facilidade com que o
presidente Lula da Silva se desvencilhou de três colaboradoras – sobre as quais
não pesavam dúvidas sobre a integridade e a competência – para ceder seus
cargos ao Centrão.
Faz tempo que esperar por uma eventual condenação do atual ministro pela Justiça deixou de ser opção para o presidente agir. Já em janeiro, o sr. Juscelino havia dado motivos para sua demissão, ao usar um avião da Força Aérea Brasileira para participar de um leilão de cavalos. Depois, soube-se que o ministro empregou o piloto de sua aeronave particular e o gerente de seu haras, em Vitorino Freire, como funcionários de seu gabinete na Câmara. Agora, aparecem mais suspeitas de favorecimento pessoal no direcionamento de emendas parlamentares. Ou seja, a cada dia que Lula mantém Juscelino Filho em sua equipe, mais forte se torna a mensagem de que o presidente, em nome de sabe-se lá qual imperativo, é conivente com a malversação de recursos públicos.
Um compromisso pela paz
Correio Braziliense
Estudo da Sociedade Alemã de Política
Internacional (DGAP) alerta para a deflagração de um novo conflito generalizado
entre Rússia e os países da Otan
O mundo está próximo de assistir a um novo
conflito generalizado entre países da Europa, e restam apenas cinco anos para
tentar evitar a escalada de uma guerra que teria consequências devastadoras,
envolvendo a Rússia e os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte
(Otan). O alerta é da Sociedade Alemã de Política Internacional (DGAP, na sigla
em alemão), uma think tank de Berlim que divulgou, nos últimos dias, um estudo
com o nome de Evitando a próxima guerra.
Segundo os autores do estudo, Christian
Mölling e Torben Schütz, os países da Otan estão subestimando a capacidade
russa de se transformar em uma economia de guerra, o que inclusive já estaria
em andamento, provocado principalmente pelos dois anos de confronto com a
Ucrânia. Esse movimento, eles alertam, seria capaz de levar o poderio bélico de
Moscou a superar o poder de intimidação da Otan, o que pode provocar uma
inevitável invasão a outros territórios na Europa. O alvo principal do governo
de Vladimir Putin seriam os países bálticos – Estônia, Letônia e Lituânia –,
que faziam parte do Império Russo e da União Soviética.
A motivação, segundo os pesquisadores, é uma
ideologia chamada Russkiy Mir ("mundo russo", em tradução livre),
apoiada pelos principais líderes do país e que propõe que todos os lugares que
já foram governados ou aliados de Moscou – o que inclui, entre outros
territórios, Finlândia, Polônia, Romênia, Hungria e parte da Alemanha – deve
voltar à esfera de influência do Kremlin. O termo já apareceu, inclusive, em
discursos de Putin, para justificar a invasão da Ucrânia.
O documento ainda afirma que não é mais uma
questão de "se", e sim de "quando" a Rússia vai atacar os
países da Otan, e estima que, em no máximo seis anos, Putin já terá
reconstruído o seu exército, o que daria um prazo de cinco anos para os demais
países europeus se prepararem adequadamente para o ataque.
As conclusões do estudo estão alinhadas com o
pensamento de alguns líderes europeus. Em uma apresentação sobre políticas de
defesa no início de novembro, o ministro da Defesa da Alemanha, Boris
Pistorius, afirmou que as forças armadas de seu país devem estar "hábeis
para a guerra".
É fundamental lembrar que uma eventual
invasão russa a algum país da Otan provocaria uma guerra em larga escala, já
que o Artigo 5 do Tratado de Washington estabelece que um ataque a um membro é
considerado um ataque a todos os outros 31 países da aliança, entre eles os
Estados Unidos. A Ucrânia, não sendo membro da Otan, está fora desse
compromisso.
A natureza imprevisível das ações russas,
somada à retórica beligerante de Putin e à demonstração de força, tem criado um
ambiente tenso e instável. Além de suas implicações regionais, uma nova
agressão de Moscou teria ramificações globais, em clara ameaça à estabilidade
internacional.
O grande problema é que em mundo
interconectado, a paz e a segurança não podem ser garantidas isoladamente: são
esforços conjuntos de todos, que exigem cooperação e diplomacia. Diante desse
cenário, é necessário que a comunidade internacional intensifique os esforços
para evitar uma escalada ainda maior, com um compromisso global que promova o
diálogo para encontrar soluções pacíficas.
Rússia, Otan e a comunidade internacional precisam ter sabedoria e responsabilidade para escolherem o caminho da razão sobre o da destruição que uma guerra em larga escala causaria no mundo. A situação é grave e o prazo é curto, e por isso a necessidade de um compromisso genuíno com a paz é mais urgente do que nunca.
Nenhum comentário:
Postar um comentário