Folha de S. Paulo
Sem ouvir população, governos de esquerda
ficarão condenados a repetir práticas violentas e ineficazes da direita
"Um verdadeiro desastre
comunicacional". É assim que Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum
de Segurança Pública, classificou a resposta do governo à
escalada de violência na Bahia.
Para Lima, o revés teve início com o posicionamento de Rui Costa,
ministro da Casa Civil e
ex-governador da Bahia, que tentou negar o óbvio ao ignorar
o problema e desacreditar as estatísticas.
Após os recentes episódios de explosão de
violência no Rio
de Janeiro, o governo passou a ser ainda mais questionado em relação à
segurança pública. De acordo com uma pesquisa da Atlas Intel, divulgada no dia
21, a taxa de desaprovação
do governo superou a de aprovação pela primeira vez. E o que move tal
descontentamento é justamente a questão da segurança pública e o combate
à corrupção.
O aumento da indignação dos brasileiros em relação a tais temas não é algo novo. O Ibope criou um índice de conservadorismo baseado em cinco pautas: legalização do aborto; casamento entre pessoas do mesmo sexo; pena de morte; prisão perpétua; e redução da maioridade penal, e aplicou o mesmo questionário sobre tais temas em 2010 e em 2016. A escala varia de 0, liberal, a 1, conservadorismo máximo.
Entre 2010 e 2016, o índice de
conservadorismo do brasileiro subiu de 0,657 para 0,686, e foram as questões
ligadas à segurança, e não à moral, as responsáveis por tal crescimento. Em
seis anos, o apoio à pena de morte subiu de 31% para 49%; o apoio à redução da
maioridade penal, de 63% para 78%; e o apoio à prisão perpétua para crimes
hediondos, de 66% para 78%.
Tendo isso em vista, é possível perceber que
a ideia de que ativistas de direitos
humanos só protegem bandidos, bem como o apoio ao mote "direitos
humanos para humanos direitos", não é restrito à extrema
direita.
Em 2019, na pesquisa "O
Conservadorismo e as questões sociais", realizada pela empresa Plano CDE e
pela Fundação Tide Setubal, foi consensual o sentimento de abandono por
parte dos defensores dos direitos humanos. Na visão dos entrevistados, a luta
pelos direitos humanos estaria equivocada pois representaria uma inversão de
valores: foco em quem comete crime e não em quem sofre com ele; defesa de quem
não cumpre a lei e desprezo por quem cumpre a lei.
Além do risco cotidiano à integridade física
e psíquica, a falta de segurança também implica a dificuldade das pessoas em
acessar outros direitos, como saúde e educação. Em
uma entrevista que realizei no mês de outubro com moradoras de Fortaleza que
votaram em Lula,
todas se mostraram pessimistas em relação à atuação do governo na área da
segurança.
Uma das entrevistadas não consegue mais levar
o filho à creche porque seu local de moradia e o da creche são dominados por
diferentes facções. Outra afirmou que assaltos estão ocorrendo até mesmo dentro
de hospitais e clínicas. Também é comum a desistência de compromissos sociais e
atividades de lazer no espaço público, ou mesmo na porta de casa, como um
churrasco, por conta do
medo da violência.
Para que o país possa avançar de fato na
segurança pública, é imprescindível ouvir a população. Para tanto, é preciso
abrigar no âmbito do Estado iniciativas
como o Fórum Popular de Segurança Pública do Nordeste, que procura
promover debates a partir das experiências e da realidade local de quem sofre,
cotidianamente, com a violência e a ausência de garantia de direitos básicos.
Sem que isso seja feito, governos de esquerda ficarão condenados a repetir as
mesmas práticas violentas e ineficazes da direita e continuarão reféns dos
mesmos "desastres comunicacionais".
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