Valor Econômico
Um
novo mandato de Trump não será bonito; mas esperem turbulência (de novo), não
ditadura
Os
americanos preocupam-se com a possibilidade de seus presidentes se tornarem
ditadores (ou, antigamente, tiranos) desde a fundação dos Estados Unidos. Os
autores da Constituição dos EUA compreenderam que nas democracias e repúblicas
clássicas, alguns líderes muitas vezes tentaram tomar o poder do Congresso e
outras assembleias. É por esse motivo que criaram um sistema de freios e
contrapesos dentro do poder governamental.
Até agora, tudo bem. Nunca houve um ditador na presidência dos EUA. Porém, acusar o candidato do outro lado de procurar poderes ditatoriais tornou-se um ritual quadrienal, que desta vez começou cedo. Em comentário amplamente divulgado no “Washington Post”, Robert Kagan, repetindo sua previsão anterior de que o ex-presidente Donald Trump se tornaria um líder fascista, alertou que ele poderia vir a se transformar em ditador caso fosse eleito novamente em 2024. Kagan compara uma vitória de Trump a um asteróide colidindo com a Terra, fazendo eco ao comentário muito ridicularizado de Michael Anton, que comparou a vitória de Hillary Clinton em 2016 a um ataque suicida a um avião comercial.
Trump
foi e é muitas coisas, a maioria delas ruins. Mas ele não era fascista quando
presidente e não será ditador se for eleito pela segunda vez. Longe de ser um
homem forte, Trump foi fraco durante o seu mandato anterior. Suas principais
realizações - uma redução de impostos, um pacote de estímulo durante a pandemia
e nomeações de juízes conservadores (mas em grande parte convencionais) -
passaram todas através dos ritos constitucionais normais, com o Congresso
plenamente envolvido. Entretanto, o Congresso frustrou as promessas de Trump de
revogar o “Affordable Care Act” (“Obamacare”) e de construir um muro na
fronteira com o México.
Da
mesma forma, as tentativas mais notáveis de Trump de agir unilateralmente -
acabar com o programa de imigração, Ação Postergada para Chegadas Infantis,
adicionar uma questão do estatuto da cidadania ao censo e cortar regulações
ambientais - foram todas barradas pelos tribunais ou reduzidas em resposta a
desafios judiciais. Os próprios subordinados de Trump desobedeceram suas ordens
de bloquear as investigações das suas atividades e propor frívolas ações
judiciais contra seus oponentes. E as mais importantes decisões de política
externa de Trump - retirar os EUA do acordo climático de Paris e do acordo
nuclear com o Irã, por exemplo - enquadraram-se solidamente na tradição da
autoridade presidencial nesse campo.
Trump
foi um presidente fraco porque a maioria dos eleitores não gostava dele. Todos
os democratas e mesmo alguns republicanos conseguiam dar-se ao luxo de se opor
a ele. Incapaz de obter o apoio popular da maioria, ele só conseguiu fingir.
Embora tivesse tentado intimidar o Judiciário, esses esforços falharam. “Meus
juízes”, como ele os chamava, decidiram contra ele repetidamente ao contestar
os resultados das eleições presidenciais de 2020. Ele não conseguiu que a
enorme burocracia federal cumprisse suas ordens porque lhe faltava a sabedoria
e a paciência para administrá-la.
Trump
tentou reverter as eleições de 2020 espalhando mentiras e instigando uma
multidão. Mas falhou completamente, novamente frustrado por seus principais
subordinados e pelos tribunais, bem como pelos funcionários da Justiça
Eleitoral de ambos os partidos. Hoje, Trump e os seus capangas foram
indiciados, seus advogados enfrentam processos disciplinares e centenas de seus
apoiadores foram condenados à prisão.
Kagan
responde que desta vez é diferente. A Heritage Foundation, um importante
“think-tank” de direita, está compilando uma lista de milhares de radicais de
direita que preencherão vagas na burocracia federal - especialmente no
Departamento de Justiça - que Trump terá liberado através de uma nova manobra
legal. Também produziu uma lista de desejos conservadores chamada Projeto 2025.
Mas a noção de que Trump prestará atenção às propostas dos “think-tanks” e aos
livros brancos é fantasiosa - será que ninguém aprendeu nada?
Os
autores da Constituição dos EUA compreenderam que, nas democracias e repúblicas
clássicas, alguns líderes muitas vezes tentaram tomar o poder do Congresso e
outras assembleias; é por esse motivo que criaram um sistema de freios e
contrapesos
Kagan
pisa em terreno mais forte, argumentando que Trump comandará investigações e
julgamentos de seus oponentes políticos - uma típica jogada do manual do
ditador. Trump de fato ameaçou fazê-lo, jurando processar seu antigo
procurador-geral, William Barr, e seu ex-chefe de gabinete, John Kelly, entre
outros.
Mas
se aprendemos alguma coisa sobre Trump é que devemos encarar suas promessas com
cautela. Afinal, ele nunca realmente mandou “prender” Hillary Clinton e já
tentou esvaziar a burocracia federal com a notória ordem executiva, “Anexo F”,
no final do seu mandato. Nada resultou disso, exceto confusão burocrática.
O
problema para Trump e seu círculo pessoal é que simplesmente não existem
advogados e decisores políticos de direita competentes em número suficiente que
possam entrar numa agência desconhecida e redirecioná-la de forma eficaz. Os
chefes das agências, que recebem ordens conflitantes para implementar a
política draconiana de Trump e substituir milhares de experientes funcionários
por hackers, muito provavelmente não conseguirão nenhuma das duas coisas,
encontrando-se, em vez disso, envolvidos em processos judiciais de funcionários
demitidos.
Além
disso, Trump já anunciou que não quer advogados da Sociedade Federalista no seu
governo, uma vez que muitos deles - incluindo os seus dois procuradores-gerais,
Jeff Sessions e Barr - revelaram-se mais leais ao país do que a ele. Mas onde,
então, ele encontrará conhecimento jurídico? Com a Sociedade Federalista
estabelecendo-se como a principal fonte de ambiciosos advogados conservadores,
Trump tem se comprometido com um grupo cada vez menor de talentos.
Trump
não sabe nem se importa que o presidente em exercício não possa simplesmente
dar ordens à burocracia federal. O presidente precisa persuadir, fazer
concessões e implorar. Mas mesmo que Trump faça isso, os investigadores e
procuradores do governo não abrirão processos contra pessoas como Barr e Kelly,
se não tiverem cometido crimes. Se forem de alguma forma forçados a fazê-lo,
esperem demissões em massa, vazamentos de informações, repúdios públicos e um
dia agitado para a imprensa. Os juízes descartarão os casos e os júris não
condenarão. Kagan acredita que se Trump sair vencedor nos atuais processos, os
juízes terão medo de decidir contra ele caso ele se eleja presidente. Isto
tanto exagera o atual risco legal de Trump como subestima demais a integridade
do Poder Judiciário.
Não
se enganem: um segundo mandato de Trump não será bonito. Mas esperem
turbulência (de novo), não ditadura. (Tradução de Anna Maria Dalle Luche)
*Eric Posner é professor da Faculdade de Direito da Universidade de Chicago, autor de “How Antitrust Failed Workers”, da Oxford University Press, 2021.
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