O Estado de S. Paulo
Um duelo insano, e baseado na desinformação, entre a esquerda e a direita pode gerar a paralisia institucional
O Brasil parou no tempo pela pouca reflexão
sobre o mundo do século 21. Isso se traduz em ferramentas inadequadas para
intervenção numa realidade que é cada dia mais complexa e competitiva. Mas,
como sempre, pode ser pior: um duelo insano, e baseado na desinformação, entre
a esquerda e a direita pode gerar a paralisia institucional. Crucial visitar
aspectos desta imersão brasileira no conflito e na inação para gerar uma
reflexão que permita construir consensos e políticas estruturais.
Um conflito político que assumiu roupagem econômica nos primeiros meses do governo Lula versou sobre a taxa de juros básica da economia. O Banco Central (BC) se fechou em copas por uma Selic que já não tinha nada que ver com a realidade da economia brasileira. O nível da taxa de juro real foi tão alto que construiu fortunas e detonou as contas fiscais.
Só para ter uma ideia do que isso significou,
de janeiro a setembro de 2021, o déficit nominal do setor público foi de 4,22%
do Produto Interno Bruto (PIB). No mesmo período de 2023, o rombo atingiu 8,13%
do PIB, segundo o Banco Central. Como a conta derivada dos juros subiu de 4,43%
para 6,91% do PIB, no mesmo período de comparação, temse que 63% da expansão do
déficit nominal foi derivada da conta juros.
Um custo absurdo para as contas públicas,
apenas porque a autoridade monetária nacional e setores afinados com a ideia de
que a autonomia resolve todos os problemas entraram em conflito contra a
pressão do governo Lula por uma queda mais rápida da taxa Selic, dado que a
inflação despencava. E convenhamos que a inflação despencou muito mais em
decorrência dos custos macroeconômicos (petróleo à frente) do que pela ação da
política monetária contracionista.
De toda maneira, não é razoável que o setor
público brasileiro perca bilhões de reais porque duas forças políticas estão
radicalizando suas posições. Isso, sim, desacredita o Brasil diante de
analistas e investidores internacionais.
Não é só o conservadorismo que joga lenha na
fogueira dos desequilíbrios da economia brasileira. O que parecia mais ou menos
administrado por meio da proposta governamental para o novo arcabouço fiscal
acabou questionado pelo próprio Poder Executivo. Por seu lado, o presidente
Lula externou o caráter relativo da
necessidade de equilíbrio das contas públicas, jogando um balde de querosene
nos esforços fiscais do Ministério da Fazenda.
O problema maior, no entanto, é que a Fazenda
conseguiu complicar ainda mais. A meta de déficit para 2023 está escapando ao
controle, rumando mais para os 2% do PIB do que para a previsão inicial de 1%.
Pior, Ministério da Fazenda e Banco Central agora têm uma disputa pelos
conceitos de medida do déficit. O Tesouro Nacional resolveu tratar como receita
genuína um valor de R$ 26 bilhões que reflete as contas individuais de
PIS/Pasep não reclamadas por seus detentores originais. Já o BC não considera
esses dados como receita primária.
A queda de braço seguirá sem vencedores, mas
com um grande perdedor. Um cálculo tão complexo e sujeito a imensas discussões
como o déficit público passa a receber um olhar de dúvida dos agentes
econômicos. Vale lembrar que a “contabilidade criativa” produziu um
impeachment, mas seu principal malefício foi a deterioração da credibilidade
das instituições públicas.
Não há dúvida de que a taxa de juros e o
equilíbrio das contas públicas são essenciais para um desenvolvimento econômico
ancorado na sustentabilidade, mas outro ponto tem de ser explorado: a falta de
rumo que nossa estrutura econômica tem vivido. Por décadas, nosso principal
ativo foi a amplitude de um mercado interno. E esse ativo foi gerido como
grande atrativo na negociação com as empresas líderes do mundo, na busca por
investimentos.
Já tivemos uma indústria solidamente
implantada, com capacidade de produzir uma gama muito ampla do leque de
mercadorias produzidas na base industrial dos países centrais. Mas a
modernidade da economia digital trouxe mudanças radicais. A integração entre
produtos e serviços atingiu patamares inimagináveis. O mesmo vale para o ritmo
de produção e difusão da inovação, tanto em bens como em serviços.
Dizer que essa é uma obra da economia de
mercado é uma meia verdade, pois os governos estiveram ancorando
financeiramente os novos bens e serviços, uma vez que muitas inovações só
chegaram ao mercado porque tiveram seus movimentos iniciais nos laboratórios
governamentais, notadamente norte-americanos, com destaque para a saúde, a
energia e a defesa.
A fantasia de que basta o Estado se retirar
para que a economia floresça é o indicador maior da falta de noção do que é a
economia digital. Ao mesmo tempo, uma economia dirigida pelo Estado representa
o compromisso com a estagnação e o retrocesso. Ao Brasil cabe reconhecer que
todos os países buscam formas de articulação públicoprivado, assim com buscam
clareza sobre setores em que se pode apostar num mundo cada vez mais
competitivo.
*Economista
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