Folha de S. Paulo
Medidas de Milei não constituem estelionato
eleitoral; resta saber se não violam a Carta e se serão aprovadas
Javier Milei não
me inspira a menor confiança, mas, até aqui, ele não fez nada que possa ser
descrito como jogada manifestamente ilegal ou golpista. O novo presidente
recebeu um claro mandato dos argentinos para tentar algum tipo de terapia de
choque para os problemas econômicos que devastam o país, e as duras medidas que
ele anunciou buscam fazer justamente isso. O símbolo de sua campanha, vale
lembrar, era a motosserra. Os argentinos votaram nisso.
Há obviamente dúvidas tanto em relação à eficácia dessas medidas como também à sua legalidade. Embora seja mais ou menos consensual que a Argentina precisa parar de imprimir dinheiro para financiar seus gastos, não há garantias de que o plano de Milei, do qual só conhecemos uma parte, esteja à altura do desafio. Tampouco parece haver uma estimativa realista dos danos sociais que as medidas provocarão. Não há saída indolor para a Argentina, mas é preciso pelo menos ter uma ideia dos efeitos que o "remédio" irá causar.
Também não dá para cravar que a forma
escolhida pelo presidente para propor sua legislação, os DNUs (Decreto de
Necessidade e Urgência), que são a versão platina das nossas medidas
provisórias, atenda às exigências constitucionais. O mesmo pode ser dito de cada
medida isoladamente. É preciso ver se não ferem a Carta ou outros pontos da
lei. Mas tudo isso precisará ser analisado pelos órgãos competentes. Não
estamos diante de uma violação manifesta, que justificaria um movimento de
desobediência civil.
O que me preocupa em Milei é que ele fez toda
a campanha pregando contra os políticos e as instituições. Como ele irá reagir
caso o Congresso rejeite suas medidas ou a Justiça as invalide? Não me parece
impossível que, no melhor estilo Trump e Bolsonaro, ele atice seus apoiadores
contra os poderes instituídos. Tudo o que a Argentina não precisa agora é uma
crise constitucional para sobrepor-se à econômica.
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