O Globo
Somos um retrato da civilização
contemporânea: defendemos equilíbrio ecológico e comemoramos produzir mais
petróleo
A civilização contemporânea caminha com um
olho na COP e
os pés na Opep; assustada com as consequências do aquecimento global e viciada
no aumento do PIB. A cada ano, os líderes nacionais se reúnem por alguns dias
com intenção de frear a marcha do planeta rumo ao desastre ecológico e, ao
longo de anos, buscam atender aos desejos de seus eleitores nacionais para
aumentar a produção usando combustível fóssil. O Brasil é um retrato dessa
civilização. Defendemos o equilíbrio ecológico e comemoramos produzir mais
petróleo.
O discurso de nosso governo em Dubai oscilou entre guardião do meio ambiente na próxima COP e promotor de parte do desastre simbolizado pela Opep. Na COP, falou-se em desenvolvimento sustentável; na Opep, em exploração de petróleo na Amazônia. Prometeram-se cuidados para evitar vazamento na exploração, negando que o impacto ecológico seja derivado dos resíduos. Fala-se nos milhões de pobres que precisam de emprego, e esconde-se que os benefícios da exploração de petróleo não se espalham localmente e que seus efeitos nocivos se espalham planetariamente.
Na política nacional, baseada no voto de cada
indivíduo desejoso de aumentar seu consumo, eleitores e eleitos não levam em
conta que o mundo não é mais a soma de países; cada país agora é um pedaço do
mundo. A humanidade passou a exigir propósitos planetários no longo prazo, mas
a política continua sendo praticada conforme interesses nacionais e imediatos
ditados pelos desejos de cada pessoa, família e nação com ambição de consumir
cada vez mais. Como se o Homo sapiens fosse inimigo da humanidade e a Terra não
coubesse na ágora.
O Brasil vive realidade privilegiada para
formular um novo rumo civilizatório alternativo à “civilização Copep”. Somos o
país que mais se parece com a civilização: valor da renda per capita,
concentração de renda, ânsia de consumo, persistência da pobreza, degradação da
natureza, eleitor imediatista. Já avançamos muito, mas não atingimos níveis
mais altos do desenvolvimento; somos parte do G20 sem estarmos entre os mais
ricos de acordo com a renda per capita. Temos os problemas dos países pobres e
os recursos para superá-los.
Ao sediar o G20 e a COP30, devemos propor
estratégias para o desenvolvimento sustentável, justo, eficiente,
humanocrático; assumir compromissos para sairmos da insustentável civilização
do combustível fóssil; definir prazos para mudar a matriz energética dos
transportes; abolir a dependência baseada no petróleo.
Nenhum país tem melhores condições de
recursos naturais, humanos e tecnológicos para ser formulador e exemplo.
Difícil ter condições políticas, no curto prazo, para obter essa reorientação,
mas seu fundamento estará na construção de uma mentalidade que substitua o
indicador do progresso baseado no PIB e adote o propósito de bem-estar, com
eficiência econômica, harmonia social e respeito ao equilíbrio ecológico e à
natureza, em geral, da qual somos parte. Quaisquer que sejam os outros passos
necessários, a superação da esquizofrenia civilizatória entre COP e Opep
exigirá esforço educacional em escala mundial, para todas as crianças,
independentemente do país onde nasceram ou vivem.
*Cristovam Buarque, professor emérito da Universidade de Brasília, foi governador do Distrito Federal e ministro da Educação.
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