Folha de S. Paulo
Vitórias de Haddad e indicadores contrariaram pitonisas informadas
Na visão de analistas e de economistas de instituições
financeiras, 2023 começou como um desastre anunciado. Nuvens carregadas
prefiguravam para o ano um cenário de estagnação do PIB, inflação
resistente em alta, juros futuros ascendentes e descontrole governamental, com
ameaçador retorno aos padrões mais preocupantes do passado.
Ainda em março, as expectativas da maioria dos entendidos, não a
simples opinião, continuavam bastante negativas. E equivocadas. A mediana do
boletim Focus, uma consulta que o Banco Central faz
ao oráculo de seus pares do mercado, apontava para um crescimento do PIB de
0,84% até o fim do ano.
Diante dos números divulgados, influentes analistas, na confortável tarefa de prestigiar o boletim de bancos e financeiras, afirmavam que seria isso mesmo e que não haveria motivo para imaginar alguma coisa diferente. Sob Lula o crescimento não chegaria nem sequer a 1%.
Aos primeiros sinais de que as expectativas estavam furadas,
vieram reações. "Ah, foi o agro", disseram alguns quase em tom
acusatório. A "culpa" era da supersafra, financiada, aliás, por
vultosos recursos públicos. Mas, afinal, os economistas e seus modelos não
sabiam o que estava acontecendo no agro?
Logo vieram também os sinais de desinflação. O Focus foi mais uma
vez surpreendido. "Mas o núcleo resiste, o núcleo resiste",
sussurravam pelos corredores da Faria Lima. Para piorar, verificou-se uma
retomada significativa dos negócios na Bolsa de Valores, que aliás termina o
ano com recorde de
pontos. Paralelamente, as manchetes da imprensa foram se aproximando
do recorde do uso da fórmula "indicador surpreende". PIB surpreende,
IPCA surpreende, Bolsa surpreende...
Claro que resultados melhores não garantem um panorama róseo. Mas
a aprovação da reforma tributária, que ainda vai dar trabalho, e a de propostas
cruciais para a Fazenda não inspiram pessimismo. Agências de avaliação de
risco, por duvidosas que sejam, subiram a nota do Brasil.
Com as recentes vitórias no Congresso e novas medidas para a
arrecadação, Lula e seu ministro Fernando Haddad ampliaram o placar no final do
tempo regulamentar e vão para 2024 com vantagem clara. Sim, sofrerão cobranças
sobre o déficit zero, que na verdade ninguém espera (tudo bem, desde que o
resultado seja comportado), e continuará a ladainha por cortes na carne, com
choro e ranger de dentes. O que não é ruim, diga-se, como contraponto político.
Os tiros n'água dos especialistas têm, na realidade, um passado de
reincidências. Para 2022 mesmo, o último ano de Jair
Bolsonaro, as pitonisas estimavam crescimento de 0,4% do PIB —e
terminou em 2,9%.
Bernardo
Guimarães tratou do tema numa coluna
nesta Folha. Comparou o histórico de desacertos do Focus sobre
crescimento com o que seria um chute desinformado razoável, ou seja, a aposta
que o PIB iria aumentar o mesmo que havia aumentado no ano anterior. "Um
chute desinformado erraria muito mais. A diferença, porém, não é tão grande
assim: a média dos erros das expectativas de mercado é 58% da média dos erros
dos chutes", mostrou. Lembrou também que "com exceção de 2017 e 2021,
nos últimos dez anos, os erros de previsão das expectativas de mercado e do
chute desinformado foram muito parecidos".
O economista levanta algumas hipóteses para o fiasco, mas afirma
que parte da explicação "é que não entendemos tanto sobre o que acontece
na economia".
Eis uma constatação intelectualmente honesta e humilde, que talvez por si seja
um bom convite a moderar as atenções dispensadas a tais prognósticos, que já
recomeçam, aliás, a se arriscar para 2024. Afinal, o que vale mesmo é a prova
do pudim.
*Editor da Ilustríssima e autor de '1922 - A Semana que Não Terminou' (Companhia das Letras, 2012)
Um comentário:
Excelente!
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