Folha de S. Paulo
Medidas de Lula-Haddad pegam mal na véspera
de um ano muito mais difícil na política
Levou um tempo para que o governo Lula 3
entendesse que era minoritário no Congresso como nunca antes. Demorou para
compreender, na prática, que era mais isolado em números, em ideias e também em
poder, pois os parlamentares limitaram prerrogativas do Executivo.
Quando entendeu, quando passou a negociar de
acordo com as novas regras e forças em jogo, lá por maio, aprovou muito projeto
importante —até aumento de imposto e reforma
tributária. O primeiro ministro a entender o tamanho da encrenca
foi Fernando
Haddad.
A encrenca continuará grande, com agravantes
em 2024.
Neste final do ano, Haddad propôs um pacotinho fiscal que parece não levar em conta os riscos aumentados para o governo no Congresso de 2024. A trouxinha de impostos do Réveillon pode fazer com que aumente o número de desafetos por convicção ou oportunismo. Mais sobre isso mais adiante.
Haddad disse que o governo vai baixar medida
provisória para fazer com que empresas de certos setores voltem a pagar quase
integralmente a contribuição patronal para a Previdência. O Congresso havia
prorrogado essa desoneração, o que foi vetado por Lula. O veto foi derrubado
por 83% dos deputados e por 82% dos senadores votantes.
A medida de Haddad vai na direção certa de
uniformizar impostos, reduzir isenções fiscais e tapar o déficit. Evita também
um favorzão a pequenos municípios, que deixariam de pagar muita contribuição
para o INSS. Mas é um tiro político no pé, que acertou vários dedos.
O ministro anunciou também a limitação do
aproveitamento de créditos tributários pelas empresas agraciadas por decisões
da Justiça em detrimento de teses tributárias do governo (poderão pagar menos
imposto, centenas de bilhões).
Haddad quer que o aproveitamento seja
parcelado, para que o governo perca menos receita de imediato. Se o Congresso
aprovar tal coisa, empresas já avisam que vão à Justiça. Por fim, o ministro
também que quer dar cabo da isenção de impostos para o setor de eventos,
prorrogada de modo injustificável.
Lula e Haddad
disseram ao Congresso que não vão engolir a desoneração da folha de salários, não
importa quantas vezes os parlamentares reiterem seu voto. Já pegou mal nesta
quinta-feira. Vai piorar, pois:
2024 é ano de eleição. PT e agregados de
esquerda vão se bater contra o centrão dominante no Congresso e nas
prefeituras;
Governo e os centrões vão disputar na faca os
poucos dinheiros que restam livres no Orçamento, pois em tese haverá corte de
gasto para que se reduza o déficit. Os parlamentares reservaram mais dinheiro
para emendas, Lula 3 quer mais dinheiro para o PAC;
No terço final do ano, começam de vez as
campanhas pela eleição dos comandos de Câmara e Senado, no início de 2025. Vai
ter mais chance de ganhar quem agradar à maioria conservadora, reacionária,
antiesquerdista ou negocista do Congresso. Não será um bom ambiente para o
governo;
Em algum momento, por convicção ou
oportunismo, vai voltar a grita contra aumentos de impostos, obra de um governo
que acelerou o aumento de gastos. Não interessa aqui a justiça do argumento,
mas a política. Para piorar, o governo ainda não apresentou de modo
"pop" uma demonstração geral dos beneficiários das centenas de
bilhões de isenções de impostos nem um plano organizado para abatê-las. Vai
perder o momento político de o fazer. Para piorar, no ano que vem tem briga de
faca na regulamentação da reforma tributária e, em tese, a apresentação da
reforma do imposto de renda.
Haddad não pode nem deve abrir mão de seus
planos de justiça e reorganização tributárias. Mas vai ter problema se quiser
fazer a coisa à maneira do pacotinho de Réveillon.
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