Folha de S. Paulo
Decisão do STF que responsabiliza jornais por
falas de entrevistados desconsidera o 'chilling effect'
Em relação à liberdade de expressão e de
imprensa, o mundo jurídico de língua inglesa tem se valido desde os anos 1950
do conceito de "chilling effect" —em tradução literal, seria
"efeito resfriador", mas significa de fato "efeito
inibidor". A metáfora indica o fenômeno no qual indivíduos ou grupos se
abstêm de se expressarem por medo de transgredirem alguma lei ou regulamento.
No âmbito privado, tal comportamento não é de todo nefasto. O problema ocorre com figuras públicas e discursos de interesse social. Jornais podem ser dissuadidos de divulgarem informações necessárias para o controle cidadão do governo.
Decisões da Suprema Corte dos EUA apontam que normas vagas ou muito
amplas tendem a gerar "chilling effect", levando inclusive a uma
inibição estrutural, profunda e sutil.
A decisão do Supremo
Tribunal Federal brasileiro a respeito da responsabilização
de empresas jornalísticas sobre falas de entrevistados que
imputam crime a alguém contém as duas características.
Segundo a corte, o veículo pode ser punido se, "à época
da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação" e se o
jornal não seguiu "o dever de cuidado na verificação da veracidade dos
fatos".
Vagueza. O que seriam esses indícios? Decisão
judicial de inocência? Ou documentos, recibos, correspondências, testemunhas?
Crimes como os de corrupção, por exemplo, tendem a deixar rastros escassos.
Amplidão. O STF alargou o entendimento sobre
julgamento específico de prática jornalística deplorável para criar norma geral,
enquanto o tratamento deveria ser caso a caso.
Abre-se a porteira para a judicialização do
jornalismo, que, pior, poderá ficar à mercê de relações nada republicanas entre
juízes de instâncias inferiores, políticos e empresários, notadamente em
cidades pequenas.
Faria bem se o STF ao menos pesquisasse sobre
o conceito de "chilling effect" —dado o histórico recente de suas
decisões e do TSE sobre liberdade de expressão, sabemos o quanto é necessário.
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