Leio no Jornal de Brasília: o
empresário Luiz Felipe
D’Avila, político do partido Novo, admitiu em um podcast gravado
dois meses atrás que ele, André Esteves, Rubens Ometto e Abilio Diniz, sogro de
D’Avila, buscam meios para comprar o jornal O Estado de S. Paulo, o Estadão. A
ideia do grupo bilionário seria “juntar todo mundo”: Estadão, revista Oeste,
Brasil Paralelo, Jovem Pan, em um grupo nos moldes daquele comandado por Rupert
Murdoch. A ideia seria combater “este governo perverso”, falando do PT.
Tempos atrás, o filósofo Jürgen Habermas escreveu nas páginas do jornal alemão Die Zeit um artigo que assustou os leitores com o título “O quarto poder corre perigo?” Tratava-se da notícia alarmante de que o Süddeutsche Zeitung rumava para um futuro econômico de incertezas.
A maioria dos acionistas queria ver-se livre
do jornal. Caso as coisas se encaminhassem para a venda, seria possível que um
dos bons diários suprarregionais da Alemanha, o outro é o Frankfurter Allgemeine,
caísse nas mãos de investidores privados, fundos de investimento ou
conglomerados de mídia. Haverá quem diga: business as usual. O que poderia
haver de alarmante no fato de que os proprietários queiram fazer uso de seu
direito de se desfazer de seus negócios, sejam quais forem os motivos?”
Paul Virilio, em sua obra A Arte do Motor,
observando as transformações do papel dos meios de comunicação na moderna
sociedade capitalista de massa, não foi capaz de evitar uma conclusão drástica:
a mídia é o único poder que tem a prerrogativa de editar suas próprias leis, ao
mesmo tempo que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma
outra. Essa reivindicação torna-se mais agressiva na medida em que os
meios de divulgação e de formação de opinião vêm se concentrando, de forma
brutal, no mundo inteiro, nas mãos da grande finança capitalista.
Esse processo nasce no século XIX, exacerbando-se no século XX,
acompanhando, aliás, as tendências centrais do capitalismo.
No caso da mídia, dada a peculiaridade da
mercadoria colocada à venda, o objetivo natural de ganhar dinheiro formou,
porém, uma unidade inseparável e ameaçadora com o desejo de ampliar a
influência e o poder sobre a sociedade e sobre a política. Daí a
impossibilidade, amplamente reconhecida pelos setores mais atentos da
sociedade, de os meios de comunicação, estruturados sob a forma capitalista,
exercerem com integridade a sua função original de vigiar e criticar os grupos
que controlam o dinheiro e o poder. A sua função essencial de circulação de
informações, do exercício da crítica e de estímulo à controvérsia, foi de
há muito abandonada em proveito da mera defesa de interesses particularistas e
privados.
Não é verdade, porém, que esses produtores de
ideologia estejam abusando do seu direito de informar e de opinar. Eles estão
exercendo a sua liberdade privilegiada, com eficiência crescente, nos marcos de
uma sociedade encantada pela “inversão” de significados e pelo ilusionismo da
liberdade de escolha do indivíduo – consumidor. Não se trata de uma
mistificação vulgar, da intenção de enganar, mas de uma ilusão necessária, em
que a manipulação, a construção da notícia, a censura da opinião alheia e a
intimidação sistemática devem “aparecer” aos olhos do público consumidor como
legítimo exercício dos direitos de opinar e de informar.
Este, diga-se, é o sentido profundo
da pretensão dos meios, apontado por Virilio, de não só se alçar acima da
lei, mas de fazer as suas próprias leis. Sob a aparência da democracia
plebiscitária e da justiça popular, perecem os direitos individuais,
fundamentos da cidadania moderna, tais como foram construídos ao longo da
ascensão burguesa e consolidados pelas duas revoluções do século XVIII, a
política e a econômica.
É tragicamente curioso que os valores
mais caros ao projeto do Iluminismo, as liberdades de expressão e de opinião,
tenham se transformado em instrumentos destinados a conter e cercear o objetivo
maior da revolução das luzes, o avanço da autonomia do indivíduo. Não bastasse
isso, os ímpetos plebiscitários autorizados pelas leis da imprensa colocam em
risco o sistema de garantias destinado a proteger o cidadão das arbitrariedades
do poder, seja ele público ou privado.
Encerro com Barbara Erenreich: “Imagine
o tipo de mídia que uma sociedade democrática merece: mídia que nos traz uma
riqueza de opiniões diversas e opções de entretenimento; meios de comunicação
social que têm a responsabilidade de fornecer a informação de que necessitamos
para funcionarmos como cidadãos informados; mídia onde as ideias fluem em ambas
as direções e onde as pessoas comuns rotineiramente têm a chance de expressar
suas preocupações”.
Publicado na edição n° 1288 de CartaCapital, em 06 de dezembro de 2023.
Um comentário:
Então tá!
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