O Globo
Que tal aproveitar o encontro de Natal e
resgatar o espírito cristão?
Nossas famílias estão dilaceradas por
disputas pessoais e divergências políticas. Que tal aproveitar o encontro de
Natal e resgatar o espírito cristão?
Sempre me surpreendo como a mensagem cristã
mais basilar, de amor ao próximo e perdão aos inimigos, pode ser soterrada e
obliterada no discurso de alguns pregadores por cobranças prepotentes. O
cristianismo do nosso dia a dia está muito mais preocupado em policiar e
condenar condutas —sobretudo as sexuais —do que em compreender, amar e perdoar.
Isso, para mim, é o avesso da mensagem cristã. Tendemos a ser duros com quem nos ofende e complacentes com nossos erros. O amor aos inimigos e o perdão às ofensas exigem atuar em sentido contrário: evitar julgar o próximo e ser mais severo com nossos próprios equívocos.
Jesus não escondeu a essência de sua
mensagem. Disse para perdoar não apenas sete vezes, como já não conseguia o
impaciente Pedro, mas 70 vezes sete. Disse para fazermos o bem a quem nos odeia
e que se alguém nos ferir a face ofereçamos a outra. Disse para não
respondermos ao mal com o mal e nem a ofensa com ofensa. A mensagem dos
evangelhos é muito clara: devemos perdoar, compreender e não responder o mal
com o mal. É uma exigência moral elevada, difícil de sustentar, mas é um norte
que deveríamos nos esforçar por perseguir.
O perdão é uma força moral pujante.
Desorganiza e reorienta as relações viciadas. Muitas vezes estamos presos em
ciclos de ódio em nossas relações pessoais —e na política também. Vivemos
respondendo com cotoveladas às cotoveladas que recebemos, num ciclo longo de
ofensa e resposta, cuja origem se perde no tempo. Cada lado acha que há uma
ofensa primordial justificando as respostas, assim o ciclo se sustenta
envolvendo os dois lados numa espiral crescente que faz mal a todos. Sempre que
respondemos ao mal com o mal, aumentamos a quantidade de mal no mundo. O perdão
interrompe unilateralmente esse ciclo. Não quer nada em troca, não pede
reciprocidade, não exige reparação ou desculpas. É um ato de generosidade, uma
grandeza d’alma que, pela força moral, desconcerta e reorganiza a relação entre
as partes. O perdão cura. E o perdão transforma.
Quem já perdoou ou recebeu perdão, o perdão
genuíno, sabe como ele desarranja, depois reorganiza, recupera. Quem conhece a
história da independência da Índia ou do movimento pelos direitos civis nos
Estados Unidos sabe como o princípio de não responder ao mal com o mal pode ser
revolucionário —pode desfazer estruturas que toneladas de bombas seriam
incapazes de demolir.
Quando era mais jovem, não conseguia
compreender a mensagem cristã. Acreditava que o cristianismo celebrava a apatia
e cultivava a submissão. Esses preceitos me pareciam simplesmente execráveis.
Eu odiava aquela mensagem e não conseguia entender seu apelo.
Só muito tempo depois pude perceber que, onde
achava que havia celebração da apatia, havia na verdade um compromisso moral
inabalável, uma firmeza de caráter a toda prova. Onde enxergava submissão,
opressão e humilhação vergonhosa, havia na verdade grandeza, generosidade e
altivez. Às vezes a pressa da juventude nos faz surdos e só com a paciência do
tempo aprendemos a escutar.
Feliz Natal!
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