Folha de S. Paulo
Análise de políticas públicas requer mais
racionalidade e transparência
Em seu mais
recente artigo para a Folha,
meu colega Marcos
Mendes voltou a investir contra o BNDES, lançando
uma suspeição indevida sobre a instituição. Para o bem do debate público,
contesto algumas de suas afirmações a seguir.
Em primeiro lugar e mais grave, o uso do
termo "granaduto" lança mão do glossário lava-jatista para associar o
banco a práticas opacas e até ilegais. Evocar a imaginária caixa-preta do BNDES
contrasta com o reconhecimento do banco, pelo TCU e pela CGU, como a
instituição pública mais transparente do Brasil.
Segundo, quanto aos impactos do BNDES na economia brasileira entre 2008 e 2014, o relatório do CMAP (Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas) faz uma avaliação preliminar de custo e benefício dos financiamentos do BNDES entre 2008 e 2014.
O viés de seleção aparece na concentração da
amostra: de um total de 406.326 empresas apoiadas pelo banco no período
2011-2020, consideram-se apenas 653 grandes empresas com capital aberto, cujas
operações com o BNDES representaram 12% a 33% dos desembolsos anuais.
A revisão da literatura sobre o tema feita
por Barboza et al (2023)
mostra que o efeito dos desembolsos do BNDES sobre investimento, emprego e
exportações é positivo e especialmente grande sobre as MPME.
Logo, ao minimizar o peso das micro, pequenas
e médias empresas (MPME), a generalidade do estudo do CMAP fica comprometida.
Ademais, a leitura cuidadosa do relatório não
sustenta a conclusão subjetiva de terem sido "pífios" os resultados
da atuação do BNDES. A partir de múltiplos métodos empregados pelos trabalhos
analisados, os efeitos positivos do BNDES têm importantes impactos
macroeconômicos e benefícios para a sociedade, como a redução do desmatamento.
Sobre a "fragilidade na governança"
do banco, os "40% das operações analisadas [que] não se enquadravam nas
normas internas do BNDES" dizem respeito a sete operações (págs. 58 e 59). É possível inferir tal fragilidade com base
em uma amostra de 18 operações?
Terceiro, o Fundo Nacional de Desenvolvimento
Industrial e Tecnológico (FDNIT) é um fundo privado —e não público—, o que
elimina, por si só, as restrições legais apontadas por Mendes. É, de fato, uma
boa prática que um benefício fiscal exija contrapartidas que sirvam ao país.
Nesse sentido, o programa Mover corretamente
condiciona o benefício tributário à realização de gasto com inovação pela
empresa (o valor global do programa se limita a R$ 19 bilhões até 2028 —MP 1.205/2023).
Já mencionei
aqui que a criação das Letras de Crédito ao Desenvolvimento (LCD) se
inspira em exemplos bem-sucedidos de outros países —como é o caso do KfW, na
Alemanha— para viabilizar funding mais barato para o desenvolvimento
sustentável; também segue a lógica adotada para apoiar os setores agropecuário
(LCA) e imobiliário (LCI) —com isenção tributária que parece não incomodar os
liberais. Se o Congresso autorizar, o BNDES poderá emitir neste ano R$ 10
bilhões em LCDs, ou seja, 0,7% do R$ 1,4 trilhão de dívida que o Tesouro prevê
rolar em 2024.
Os dois instrumentos mencionados, quando
somados, não chegam a R$ 70 bilhões (em recursos privados) até 2028. Por isso,
beira a paranoia imaginar que a LCD do BNDES obstará o financiamento interno da
União ou que o FNDIT seja a antessala do descontrole fiscal.
Governos no mundo inteiro estão apostando em
políticas públicas de industrialização. A revista The Economist admitiu ser essa a receita para
enriquecer no século 21. A atuação do BNDES segue essa linha, com reconhecidas
transparência e prestação de contas à sociedade.
A análise de políticas públicas requer mais
racionalidade e transparência. Selecionar evidências do BNDES do passado para
minar a atual agenda construtiva do banco interdita um debate que pode ser
frutífero.
Desta vez, pode ser diferente.
*Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP
Um comentário:
Excelente!
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