terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Carlos Andreazza - Uma mensagem de otimismo

O Globo

O Congresso aprovou R$ 53 bilhões para emendas parlamentares no Orçamento de 2024 — valor próximo ao que a Fazenda, não prevalecentes os puxadinhos, terá de bloquear no próximo ano, jornada em que o presunto do natimorto arcabouço fiscal será exposto, o compromisso com a meta zero tendo cumprido o papel de fantasiar uma regra que alivia o controle de despesas, garante aumento de gastos e pretende sobreviver via arrecadação exclusivamente.

A conta não fecha; daí Haddad a despejar, mal saído o Papai Noel, Medida Provisória por meio da qual promoverá justiça tributária limitando a compensação a quem pagara mais em decorrência de cobrança ilegal. A empresa tungada, na hora de usar créditos tributários para abater impostos, a receber uma espécie de tunga da tungada. Faz lembrar Guedes e o teto pedalador dos precatórios, contra o que — calote — a grita fora imensa. Como a democracia voltou, ora se faz justiça.

A conta não fechará. Também porque ninguém — o Judiciário e seus penduricalhos acima de todos — parece disposto a sacrificar o próprio orçamento. O Parlamento joga o jogo haddadiano e lhe aprova os projetos caça-níqueis, se esse for o caminho para que não faltem os dinheiros. (Até para cassino, atividade ilegal, a taxação — em sua versão on-line — foi aprovada.) Como — mesmo sob a criatividade petista — há limites para a multiplicação das receitas, o Congresso se blinda. Porque faltarão os dinheiros. Que não sejam os meus!

Os R$ 53 bilhões em emendas serão, na prática, impositivos. Divididos em porções de impositividade formais e informais. Os mais de R$ 16 bilhões para as emendas de comissão, cuja distribuição não é obrigatória, serão obrigatoriamente disparados. Ou não terá a imprensa noticiado — sem que o Planalto contestasse — um acordo entre Lirão e governo para que sejam pagos à margem dos contingenciamentos?

É a impositividade informal. Que fundamenta a nova versão do orçamento secreto. Dezesseis bilhões de reais a ser, sob a fachada do comando das comissões, distribuídos opaca, autoritária e (agora) obrigatoriamente a aliados dos donos do Congresso: Lira, Alcolumbre e seus elmares e pachecos. No ano de eleições municipais.

E quem indica o comando das comissões? O Lirão concentrador de poder se blinda. Aprendeu com o ano que terminou.

Recapitule-se. Quando da formulação do Orçamento de 2023 e da costura pela PEC da Transição, e em função de o Supremo haver interditado a perversão da emenda do relator, o futuro governo Lula e o Lirão permanente firmaram acordo pela continuidade do orçamento secreto; que, deslocando-se, teria como nova fachada os gastos discricionários dos ministérios. As granas, formalmente sob os cuidados das pastas, seriam — conforme repartido antes da intervenção do STF — propriedade dos parlamentares.

O governo destratou esse acordo pelo mais que pôde. Queria influir nas destinações. Sem sucesso. E se chegou a dezembro com Alexandre Padilha prestando conta aos chefes sobre quantos dinheiros lhes liberara e como soltaria os que faltavam. Foi nessa afobação — por aprovar as medidas arrecadatórias — que se pactuaria pela impositividade informal das emendas de comissão.

O Lirão, afinal, levou tudo. Não sem se expor ministrando paralisias à agenda governista. Razão por que também força pelo calendário de empenho para emendas. Quer secar o poder de o Executivo gerir ao menos o tempo de processamento das demandas. Vai que descumpra novamente o acordo...

O descasamento — a desconfiança — entre governo e Lirão tem boa medida no choque entre expectativas e o que se aprovou no Orçamento. O Planalto gostaria de que os parlamentares destinassem emendas para robustecer projetos do PAC. O Congresso chancelou texto que não apenas ignora esse desejo, como robustece as emendas tomando bilhões do PAC. (Descasados orçamentariamente, casam-se na confiança em como o Supremo decidirá sobre a Lei das Estatais, a saber se o senador Dino, a ser líder do governo na Corte constitucional, cumprirá a profecia de encarnar o desenvolvimento de Lewandowski.)

Dezesseis bilhões sob a fachada das emendas de comissão. Pense-se nos quase R$ 5 bilhões definidos para o fundo eleitoral e se estime o potencial de valor triplamente maior para financiamento paralelo das campanhas do Lirão Brasil adentro.

Gleisi Hoffmann, presidente do PT, sacou. Donde o ataque à distorção gerada pelo parlamentarismo orçamentário. Menos por valores conceituais, de defesa do equilíbrio da República, e mais por preocupações objetivas; com essa espécie raríssima de aliados, que ganha ministérios, codevasfs e caixas sem formar base de apoio confiável no Congresso e que — quase imune aos mecanismos de fiscalização — disporá de bilhões para remeter, ao gosto alcolúmbrico, a suas pontas.

Será surra nas urnas, surrada — sem precedentes até para os padrões deste país — a qualidade do gasto público.

 

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