terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Humberto Saccomandi - Eleição americana é o evento de 2024, e Trump o principal fator de risco

Valor Econômico

Há ainda duas guerras, na Ucrânia e na Faixa de Gaza, que ainda não está claro como vão transcorrer, e o risco de um conflito regional no Oriente Médio

Bem-vindo a 2024. O ano começa com uma escalada de bombardeios entre Rússia e Ucrânia e a continuidade dos ataques israelenses na Faixa de Gaza. Há dúvidas importantes com relação à economia dos EUA e da China, assim como com a exuberância dos mercados financeiros, especialmente o americano. Mas o evento previsível mais importante no mundo será sem dúvida a eleição presidencial nos EUA, em novembro, principalmente pela sua capacidade de trazer mudanças globais profundas e duradouras. O fator Donald Trump estará em todas as avaliações de risco.

Claro, haverá outros eventos importantes em 2024. Existem as duas guerras de amplo impacto em andamento, na Ucrânia e em entre Israel e o grupo palestino Hamas, e não está claro ainda como elas vão transcorrer. Há o risco de um conflito regional no Oriente Médio. Além disso, as duas maiores economias nacionais do mundo, EUA e China, devem desacelerar neste ano, e esse processo, que afetará diretamente a vida de boa parte da população do planeta, também é incerto.

Este ano será também repleto de eleições importantes. Na Índia, que possivelmente já é o país mais populoso do mundo, o premiê nacionalista Narendra Modi tentará uma nova reeleição (em data a ser definida). Em junho, a União Europeia (área que detém o maior PIB do mundo) vai renovar o seu Parlamento, numa votação que é importante tanto para a definição de políticas da UE (como a taxa de carbono) como para a política interna dos países-membros. Há uma probabilidade grande de eleição antecipada no Japão. No Reino Unido, há uma boa chance de a oposição trabalhista (esquerda) voltar ao poder após 14 anos nas eleições parlamentares (em data a ser definida). E haverá em março a eleição presidencial na Rússia, que se sabe que será vencida pelo presidente Vladimir Putin, uma vez que qualquer oposição de fato está impedida de participar.

 

Ainda assim, nada disso terá tanta relevância para o mundo quanto as eleições americanas, já que os EUA são a maior potência econômica, política e militar.

É claro que eleições presidenciais nos EUA são sempre importantes. É por isso que, a cada quatro anos, ganham destaque na mídia global. Mas esta será particularmente crucial, devido à possibilidade de determinar mudanças profundas e duradouras no país e no mundo, caso o ex-presidente Donald Trump seja eleito. As pesquisas indicam hoje que ele lidera com folga a corrida pela candidatura do Partido Republicano (o processo de prévias partidárias começa em duas semanas) e que seria um adversário difícil de ser batido nas eleições de novembro.

Sim, Trump já foi eleito uma vez e governou por quatro anos, e tanto os EUA como o mundo continuam mais ou menos como eram antes. Mas na primeira eleição não estava claro o que ele pretendia de fato ou conseguiria fazer. Hoje já sabemos o significa uma Presidência Trump. E os sinais emitidos até agora pelo ex-presidente são de que ele pretende insistir e aprofundar as suas políticas, e não moderá-las.

Trump é famoso por suas bravatas verbais, e nem tudo o que ele defende torna-se realidade. Na atual campanha eleitoral, por exemplo, ele vem repetindo sua proposta de que saqueadores de lojas deveriam ser mortos no local, seja pela polícia ou por qualquer pessoa armada. Segundo relatos de ex-assessores, Trump propôs no seu governo um ataque nuclear à Coreia do Norte. Como até partidários republicanos admitem, Trump propõe toda semana vários absurdos, muitos ilegais, e nem tudo deve ser levado a sério.

Mas parte do que ele diz é levado muito a sério. Governos, empresas e os mercados pelo mundo já estão fazendo isso. Trump é o fator número um nas análises de risco relativas a este ano. E os riscos mais importantes associados a um novo governo Trump são os seguintes:

Político. Trump tentou ativamente reverter a derrota eleitoral de 2020 e impedir a posse de Joe Biden. Não conseguiu. Ele irá a julgamento (num dos quatro processos criminais que enfrenta) acusado de estimular a invasão do prédio do Congresso, em 2001. Nada indica, muito menos o próprio, que ele não tentará novamente subverter o sistema político americano com uma guinada autoritária. Além disso, mesmo não sendo a causa, e sim uma consequência da atual polarização política nos EUA, o ex-presidente promove essa divisão e dela se alimenta politicamente. E esse ambiente polarizado ameaça tornar o país ingovernável.

Econômico. Sem ir a debates e esquivando-se de entrevistas difíceis, Trump tem dado poucas dicas sobre sua eventual política econômica. Mas já adiantou que pretende sobretaxar em 10% todos os produtos importados pelos EUA para zerar o déficit comercial. Segundo analistas, isso provocaria instabilidade na economia global. Ele anunciou também que pressionaria o Fed a reduzir os juros. Agir contra a independência do banco central americano possivelmente geraria tensão nos mercados.

Segurança. Trump chamou Putin de “genial” pela invasão da Ucrânia e tem criticado o apoio ocidental ao país na guerra contra a Rússia. Essa posição preocupa os aliados europeus, segundo relatos da mídia europeia. Muitos na Europa temem que Trump retire os EUA da Otan, a aliança militar ocidental, o que liquidaria o sistema de segurança internacional do pós-Segunda Guerra.

Relação com a China. Uma vitória de Trump possivelmente aumentaria muito o antagonismo com Pequim, que já é grande. Ele disse que pretende acabar gradualmente com as importações de uma série de produtos chineses, como eletrônicos e farmacêuticos, entre outros. E proibir empresas chinesas de muitos setores de operarem nos EUA. Há o risco de uma aceleração da corrida armamentista entre as duas potências e no descolamento das duas economias. Biden manteve algumas das medidas de Trump contra Pequim, mas vem tentando apaziguar as relações, numa estratégia de morder e assoprar.

Questão climática. O ex-presidente não acredita em mudanças climáticas causadas pelo homem. No primeiro mandato, ele retirou os EUA do acordo de Paris. Deve fazê-lo novamente. Trump promete dar os incentivos necessários para aumentar a produção de petróleo dos EUA e deve reverter políticas de Biden para redução de emissões de gases. E, sem a participação dos EUA, a possibilidade de avanços internacionais em questões ambientais é mínima.

 

 

 

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