O Estado de S. Paulo
Necessitamos de líderes capazes de desenhar
caminhos de superação e, ao mesmo tempo, qualificados a projetar horizontes
sustentáveis e promissores
Se, por si só, a mudança do calendário não
transforma automaticamente o curso dos dias, que a chegada de um ano novo nos
inspire a exercitar aquela visão de tempo peculiar que nos foi ofertada por
Santo Agostinho. Assim, que neste posto do presente, o único tempo que
realmente temos, possamos elaborar um olhar estratégico sobre a atualidade,
considerando os ecos dos caminhos que nos trouxeram até aqui e também as
inspirações e oportunidades que nos movem adiante.
Fragmentado e polarizado, o planeta padece sob emergência climática. Ficou no retrovisor a larga avenida da globalização acelerada, que ensejou desinflação e crescimento. A catástrofe sanitária da pandemia acentuou os desgastes nas engrenagens globalizantes, desorganizou cadeias de suprimentos, turbinou inflação e juros mundialmente.
A polarização política e seus extremismos
abalam as bases da democracia liberal. A disputa, sem perspectiva de fim, pela
hegemonia global opõe os gigantes China e EUA, este a caminho de uma eleição
decisiva para os rumos político-democráticos e ambientais no mundo. A invasão
da Ucrânia pela Rússia e o conflito entre Hamas e Israel somam ainda mais
complexidade.
Falando em horizonte, o comprometimento da
viabilidade do planeta para as atuais e próximas gerações resta cada vez mais
evidente. Com passos lentos e inações trágicas, o mundo, fazendo pouco-caso ou
ignorando as ousadias históricas da Rio92 e da COP21-Paris, patina sobre uma
realidade ambiental de gravidade inédita na caminhada humana.
Quanto ao Brasil, experimentamos os
resultados positivos da jornada reformista nos últimos anos, herança bendita de
diferentes matizes político-partidários. Posso citar a autonomia do Banco
Central e sua qualificada gestão da política monetária; a reforma da
Previdência; e os avanços na estruturação de modernos marcos regulatórios, como
na área de saneamento, que vêm promovendo o incremento de investimentos
privados. A recente aprovação da reforma tributária, que tem fundamentos
corretos, é uma conquista que se soma a esse patrimônio nacional. Mas é preciso
ter em conta que, em razão de inúmeras exceções, a taxação do consumo poderá
figurar entre as mais altas no mundo, comprometendo a aceitação social das
mudanças.
Se os exemplos bem-sucedidos são consistentes
e múltiplos, também o são os desafios de uma agenda impositiva. O dever de casa
vai da qualificação e atualização da educação básica, passa por melhorais no
ambiente de negócios e alcança os campos da segurança, saúde e infraestruturas
essenciais. Uma pedra no meio do caminho é a questão das contas públicas. Ter
uma regra é importante, mas o arcabouço fiscal tem sérias fragilidades, entre
elas sua ancoragem em incertas e dificultosas receitas novas e seu descuido com
a qualificação no gasto público.
É preciso um olhar focado nas oportunidades,
tanto as decorrentes dos avanços como aquelas ensejadas pelos desafios. Nesse
sentido, na mitigação das mudanças climáticas, o Brasil tem tudo para se
colocar com protagonismo, com enfrentamentos urgentes, como o combate ao
desmatamento, à grilagem e ao garimpo ilegal. Temos ativos ambientais únicos: a
maior floresta tropical do mundo, 20% da biodiversidade do planeta e 12% de
todas as reservas de água doce, além de metais fundamentais para a transição
energética, como lítio, cobre e níquel.
Nossa energia já é 47% renovável, índice
invejável à maioria dos países, diante da inadiável aceleração da
descarbonização. O Brasil tem vento, sol, um parque hidrelétrico consolidado e
experiência notável com biomassa. A oferta de energia limpa, como o hidrogênio
de baixo carbono, biogás e etanol de segunda geração, pode significar ao Brasil
a exploração de um mercado potencial de mais de US$ 125 bilhões. Cabe ao País
estimular soluções baseadas na natureza, entre elas a instituição do mercado
regulado de carbono nacional, que acolha o mercado voluntário já existente e
dialogue com as melhores práticas mundiais, como a europeia.
Já suprindo 10% da demanda mundial por
alimentos, temos condições de ir além, como provedores de comida, fibras e
bioenergia. Isso, sem necessidade de derrubar florestas, uma vez que temos mais
de 80 milhões de hectares de terras com algum nível de degradação e passíveis
de serem convertidas à agricultura. Também é preciso destacar as oportunidades
da digitalidade, além das frentes abertas pela demanda por infraestruturas no
País.
Em todo esse movimento, um requisito básico:
precisamos de lideranças habilitadas a vislumbrar e conduzir as travessias que
se impõem. Necessitamos de líderes capazes de desenhar caminhos de superação e,
ao mesmo tempo, qualificados a projetar horizontes sustentáveis e promissores,
com vocação para comunicação e mobilização insistentes da Nação no processo de
construção de melhores dias para todas e todos.
Neste percurso, que tem na virada de ano um
momento tão inspirador, e retomando a referência agostiniana, que a “visão
presente das coisas presentes” e “a esperança presente das coisas futuras”
estejam cada vez mais aprimoradas pelo aprendizado “presente das coisas
passadas” e crescentemente tocadas por estratégias fundadas em nossas
oportunidades. Um 2024 de muita lucidez, trabalho e conquistas na direção do
Brasil que podemos e merecemos ser.
*Economista, presidente da indústria
brasileira de árvores (IBÁ), foi governador do espírito santo (2003-2010 e
2015-2018)
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