segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Diogo Schelp - Trump e a eleição no Brasil

O Estado de S. Paulo

O que ocorrer com o americano em 2024 será apresentado como um espelho de Bolsonaro e seu grupo

Deve-se sempre ministrar uma dose de ceticismo à ideia de que tendências políticas propagam-se como ondas através das fronteiras, com eleições em um país influenciando votações em outro. Em alguns casos, porém, essa influência pode existir, ainda que apenas pelo simbolismo ou pela imitação de estratégias de campanha.

Em 2015, os venezuelanos foram às urnas para a difícil missão de derrotar o chavismo nas eleições legislativas. No dia do pleito, este colunista ouviu de eleitores em Caracas que eles se sentiram incentivados a sair de casa para votar por inspiração dos argentinos que, uma semana antes, haviam derrotado o kirchnerismo nas urnas.

Em 2016, Donald Trump ganhou a presidência explorando insatisfações do eleitorado americano semelhantes àquelas que levaram os britânicos a decidir pelo Brexit meses antes.

Lula e Jair Bolsonaro já demonstraram a intenção de reeditar, nas eleições municipais deste novo ano, a polarização da campanha presidencial de 2022. Eles acreditam serem capazes de eleger prefeitos graças à influência que exercem sobre seus apoiadores.

O discurso a gente já conhece. Pelo lado do petista, todos que estiverem associados a Bolsonaro serão colocados na categoria do mal absoluto. Pelo lado do bolsonarismo, haverá uma tentativa de replicar em nível municipal a ideia de que o “sistema” favorece a esquerda. É aí que Donald

Trump entra na campanha pelas prefeituras brasileiras.

Assim como ocorreu no período em que exerceram a presidência simultaneamente, o que quer que aconteça com o americano ao longo de 2024 será apresentado como um espelho de Bolsonaro e de seu grupo político.

Acusações mirabolantes de fraude eleitoral serão adaptadas à realidade brasileira. Decisões judiciais que impeçam Trump de disputar um segundo mandato, como as que já ocorreram em dois Estados, serão apresentadas como evidência de que, lá como aqui, a esquerda joga sujo para impedir que a direita governe.

Já eventuais sucessos de Trump durante a campanha serão usados para energizar o campo bolsonarista, mostrando que, se é possível enfrentar o tal “sistema” no país mais poderoso do mundo, o mesmo poderá ser feito nas cidades brasileiras.

Esse simbolismo já está sendo explorado nas comemorações bolsonaristas à eleição de Javier Milei, o novo presidente antissistema da Argentina. Com Trump, a comparação ganha um rosto mais conhecido e o timing perfeito. •

 

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