Folha de S. Paulo
Tentei ler O Estrangeiro, do modernista
Plinio Salgado. Parei para não entrar em rigor mortis
Tirei o fim de ano para pagar uma dívida de
séculos comigo mesmo: ler "O Estrangeiro", de Plinio Salgado. É um romance de 1926, no apogeu do Modernismo,
do qual ele fazia parte. Incrível como a antipatia por alguém faz com que
tentemos apagá-lo da história, não? Como se ele não devesse ter existido. O
problema é que ele existiu e, pior, continuou existindo.
Plínio Salgado, como se sabe, ficaria famoso pelo integralismo, o movimento político de extrema direita que ele lançou em 1932. Plínio e seus seguidores se fardavam, usavam braçadeiras com um símbolo tipo suástica e se saudavam esticando o braço e gritando "Anauê!", palavra talvez tupi que podia significar "Salve!". Suas ideias se inspiravam no nazifascismo, com o qual ele mantinha cordiais relações. Em cinco anos de existência, o integralismo atraiu centenas de milhares de militantes e esteve muito perto do poder. Bolsonaro foi um sucessor do integralismo.
Plinio foi um dos poetas da Semana de Arte Moderna,
em 1922, e colaborou na Revista de Antropofagia, de Oswald de Andrade. Como a exigente
revista é de 1928-29, deduz-se que, em 1926, ano de "O Estrangeiro",
ele ainda integrava alegremente o movimento. E com razão: o livro é todo
escrito na decantada "prosa telegráfica", típica dos modernistas.
Exemplos:
"Os cabos tratores assobiavam como
gemidos de frio da serra invernosa na manhã brumosa. Homens brancos e mulheres
de tamancos. Sol." "Paisagem ciranda, montanhas rodando à roda, mãos
dadas. Velocidade, ta-ra-tã, ta-ra-tã, e o espírito corre-corre da saudade e da
esperança." "O silêncio pesado, com arrepios de plátanos e o ritmo
das respirações no dormitório travassanguíneo." "As ruas trepavam
estreitas no morro, com alpendres em flor, como presépios e idílios. Planície,
cartazes, chalés."
Corrigindo: continuo sem ler "O
Estrangeiro". Parei na página 20, antes de entrar em rigor mortis.
2 comentários:
😅😅😅
Não sabia que ele tivesse morrido,rs.
Postar um comentário