O Estado de S. Paulo
A divisão das Forças Armadas não foi o único determinante para o fracasso das ações golpistas
As últimas revelações das investigações da
Polícia Federal sobre a tentativa de golpe à democracia brasileira mostraram
que o comando militar do governo Bolsonaro estava dividido.
Alguns analistas, inclusive, têm argumentado que o fracasso do golpe foi consequência direta desta divisão. Mais especificamente, da resistência de alguns oficiais, como o general e ex-comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e o tenente-brigadeiro e ex-comandante da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Júnior, que se recusaram a endossar o projeto golpista.
Mas, o que teria acontecido se o projeto
golpista tivesse sido uma unanimidade nas Forças Armadas? Será que o golpe
teria ocorrido? A democracia brasileira teria sucumbido?
Como o golpe fracassou, não temos o
contrafactual para responder plenamente a essas perguntas. Podemos, no entanto,
refletir sobre o real alcance da atuação individual de figuraschave das Forças
Armadas que se posicionaram contra o golpe.
Em agosto de 2018, poucos meses antes das
eleições, ministrei uma disciplina no curso internacional para oficiais de alta
patente na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). Na ocasião,
interagi com oficiais que expressaram grande preocupação com a possível vitória
do então candidato Jair Bolsonaro à Presidência. Para
eles, as Forças Armadas tinham feito um
grande esforço após a redemocratização para “limpar seu nome” e se constituir
como instituições de Estado. Temiam, de forma premonitória, que a vitória de
Bolsonaro viesse a colocar, mais uma vez, as Forças Armadas na política e a
serviço de um determinado governo causando novamente danos à sua imagem e
reputação.
A democracia brasileira é formada por uma
sociedade complexa e sofisticada que, desde a redemocratização, tem a
democracia como crença dominante. Possui um conjunto multifacetado de
instituições (multipartidarismo, federalismo, imprensa livre, Judiciário e
Ministério Público independentes, etc.) com rotinas e procedimentos que
certamente criaram fortes pontos de veto e obstáculos ao projeto golpista de
Bolsonaro, para além da atuação individual de
militares comprometidos com a democracia.
O simples fato de golpistas terem procurado
um “amparo legal” para o golpe é sinal inequívoco de que as restrições
institucionais são em, última instância, o escudo protetor do status quo
democrático e determinante para a não consecução de golpes.
A não adesão de alguns comandantes militares
ao golpe é, portanto, consequência direta dessas restrições institucionais da
democracia brasileira na qual eles estão inseridos. •
*Professor titular da Escola Brasileira de Administração
Pública e de Empresas (FGV Ebape) e sênior fellow do Cebri
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