Folha de S. Paulo
A investigação sobre a conspiração contra a
democracia é crucial para responsabilizações penais, mas tem valor limitado
para a análise de sua sobrevivência
Já discuti na coluna os riscos à democracia no Brasil. Argumentei que muitos analistas os exageraram aqui. Há uma onda revisionista que traz evidências de que estes riscos são menores do que se pensava. Steve Levitsky, autor de "Como as Democracias Morrem", reconheceu que "a erosão democrática no presente século tem sido modesta", e que o exagero se devia à eleição de líderes com tendências autocráticas, o que de fato "aumenta os riscos de erosão, mas não equivale a evidência de erosão". E conclui, como discuti aqui, que os casos de erosão têm vida breve em sua vasta maioria e eclipsam os numerosos casos de avanços.
A investigação ilumina o papel de atores
individuais e é crucial para responsabilizações penais. Mas não agregam
informação institucional nova e sim detalhes; tem assim pouca valia para a
análise da sobrevivência da democracia. Decisões tomadas por um ator adquirem
sentido em função do contexto.
Por exemplo, em um país pobre sem tradição democrática, sociedade civil débil,
e instituições fracas, elas têm significado inteiramente distinto onde estes
parâmetros são outros. E o cálculo estratégico dos atores é condicional a estes
parâmetros.
Se a não adesão individual a uma conspiração se deve ao risco envolvido; a sua
baixa probabilidade de sucesso e, portanto, temor de punição futura; ou a
preferências normativas pela democracia; o não evento (morte da democracia) é o
resultado que interessa. E mais: a não consumação da aventura não é garantia
que teria sido exitosa.
Sim, os indivíduos importam. Kurt Weyland argumenta que os líderes populistas são
ineptos, o que acarreta consequências em vários níveis: são inábeis para montar
e gerir coalizões; são mais propensos em aderir a propostas de políticas
públicas deficientes ou tresloucadas; são mais avessos ao risco: agirão, mas
serão contidos; são incapazes de governar, produzindo instabilidade crônica.
Tudo isso está presente nas decisões e retórica estapafúrdias de Bolsonaro
durante a pandemia; sua inabilidade em forjar coalizões; o ataque
destrambelhado ao voto eletrônico em um país onde há forte consenso sobre o
mesmo etc.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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